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ORGÂNICOS - A SERVIÇO DA VIDA
rev 96 - fevereiro 2006

Alguns agricultores já apostam até numa volta às velhas praticas agrícolas, praticadas na época de seus pais e avós.

Na fruticultura comercial, atividade que nos últimos dez, quinze anos, todos os segmentos da produção registraram crescimento um número não é muito comemorado entre os produtores. Todo o prestígio conquistado pelo fruticultor a custa de muito trabalho não se pode negar, não é suficiente para apagar a liderança em um ranking nada prestigiado, o de ser, depois do setor de hortaliças, aquele que tem o maior índice de uso de produtos químicos, defensivos na sua maioria, ao longo de uma mesma safra.

Segundo os especialistas isso acontece com maior freqüência no segmento de frutas de mesa, que tem como característica oferecer produtos in-natura ao consumidor final. O excesso de exposição e a fragilidade das frutas contra a ação de pragas, fungos, nematóides, além dos muitos danos causados pelo clima e que podem depreciar sua qualidade para o mercado, são apontados como a causa desse verdadeiro bombardeio feito contra os pomares diariamente.

Lideranças de movimentos sociais e ONG ambientalistas, no entanto, dizem que nisso tudo, o que mais causa perplexidade é que até pouco mais de quarenta, cinqüenta anos, grande parte dos produtos que hoje são descritos nos receituários agronômicos, sem nenhuma restrição, nem sequer eram conhecidos. Apesar de existir a muito mais tempo, o conceito de agricultura orgânica viveu muito tempo a margem do sistema de produção. Só de uns 15 anos para cá que os grupos de agricultores se uniram num trabalho de conscientização para mudar o pensamento que ra comum entre produtores e consumidores de um modo geral, destaca Tiago Biusse, diretor financeiro da AAOcert, ONG ligada a Associação de Agricultura Orgânica AAO.

Biusse que é uma liderança importante dentro do setor fala que o trabalho da AAO, principal entidade que representa a produção orgânica, no sentido de tornar a certificação dos produtores uma realidade em todo o país tem sido decisivo. “Hoje a preocupação do setor não é apenas quanto ao não uso de adubos químicos e agrotóxicos. As normas de maneira geral são bem mais amplas”, esclarece o diretor financeiro da ONG.

A lei dos orgânicos, criada para regulamentar a produção e coibir eventuais ilegalidades, é vista como um divisor de água. A lei já passou pela apreciação do legislativo e aguarda regulamentação para entrar efetivamente em vigor. Entre suas principais deliberações a lei estabelece o respeito às questões sócio-ambientais, além de toda uma quantidade enorme e conceitos agronômicos ligados ao cultivo ecologicamente correto.

O preparo do solo, o uso consciente dos recursos da propriedade, a minimização na aplicação de insumos externos à propriedade, são apenas algumas normas que o produtor tem que obrigatoriamente seguir. O conceito de sustentabilidade da produção agropecuária é outro ponto bastante destacado entre os produtores e representantes do setor. Para eles, a permanência do lavrador, numa mesma área, durante varias gerações é o que vai garantir a continuidade dos recursos necessários à continuidade da produção no campo. O líder da ONG AAO cert, chama atenção para o fato de que na agricultura convencional isso não gera preocupação e explica o porquê.

No modelo de agricultura usado na atualidade e que se praticou durante séculos no Brasil, o agricultor não se vê muito comprometido em explora uma determinada área de maneira sustentável. A terra é usada durante um período, que pode durar de quatro a cinco anos e depois é, simplesmente abandona. “É esse uso extrativista da terra que faz da produção orgânica um mau negócio para a maioria dos grandes agricultores brasileiros”, desabafa Biusse.

Um dado do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, MAPA, corrobora com a colocação do representante dos produtores. Um levantamento feito para medir o nível de degradação das terras agricultáveis do país mostra que um universo de 50 milhões de hectares, o que equivale a um terço do total de 150 milhões hectares, já apresenta algum tipo de degradação. Dentro de um país que tem as dimensões de um continente, como é o caso do Brasil, uma área igual ou superior a muitos países da Europa, Ásia e até mesmo da América do Sul, pode estar sendo desperdiçada. Recentemente o próprio ministro da agricultura Roberto Rodrigues admitiu que a situação é bastante grave.

Orgânico bem manejado garante produção

Uma dúvida que se instalou no campo, sabe-se lá porque, e que permanece até hoje entre os agricultores é sobre não uso de produtos químicos nas lavouras como principal motivador da redução nos índices de produtividade das culturas. Neste ponto os especialistas e até mesmos os produtores reconhecem que essa relação não é muito direta. Agricultores que trabalham no sistema orgânico já manejam áreas de cana-de-açúcar, num total de 18 mil hectares.

Outras lavouras como é o caso da soja, milho, trigo, feijão, arroz, também crescem e hoje já disputam espaço com os convencionais nas gôndolas dos principais supermercados. Na linha de hortaliças e frutas em geral, as vezes é mais fácil o consumidor encontrar produtos orgânicos do que o convencional.

Adenilson Roncaglia que há sete anos trabalha com frutas no sistema orgânico é perfeitamente possível o agricultor trabalhar sua terra sem nenhum tipo de agressão externa e tirar dela um resultado igual ou a até superior ao sistema convencional. O fruticultor que é sócio proprietário no Sitio São José, que ele administra em parceria com o irmão, Adilson Rocaglia, defende a viabilidade comercial da fruticultura orgânica, porque se diz um exemplo vivo.

Nas suas terras o conceito de produção agrícola sem nenhum tipo agente químico externo é levado a sério. “Talvez se não fosse por isso nossa produção não tivesse atravessando a quatro geração”, ele fala.

Adenilson, responsável por manejar os pomares de figo, goiaba e serigüela do sítio, conta que numa outra propriedade, mantida pela família, em Jarinú, SP, cidade próxima a Serra da Cantareira, eles mantém uma produção de maça no sistema orgânico. Para agricultor, manejar a lavoura nesse sistema, onde nenhum tipo de produto químico é permitido dá mais trabalho ao agricultor. No entanto, a quantidade de técnicas para isso é grande.

Controle de pragas e doenças é biológico

O manejo fitossanitário do pomar é feito usando o controle biológico de pragas e doenças e a criatividade dos produtores para desenvolver ferramentas alternativas, em alguns casos, surpreende. Uma praga conhecida como broca, que ataca as lavouras de figo e, se não cuidada, pode vir a matar a planta conta com um controle quase artesanal. O processo consiste em retirar o inseto da planta, utilizando um pedaço de arame liso. Esse é introduzido no galho pelo produtor para fisgar o inseto. O agricultor observa que em lavouras comuns, onde são feitas pulverizações periódicas, essa praga nem é muito conhecida.

A mosca da fruta outro inseto também bastante temido e combatido dentro da fruticultura, no sistema orgânico é combatido de diferentes formas. Na goiabeira, por exemplo, os frutos são envolvidos em sacos de papel, evitando assim o contato direto da fruta com a mosca. Além disso, uma parte dos frutos é derrubada do galho, logo do inicio da brotação, na intenção de que sirvam de iscas para os insetos, explica Adenilson.

Já com a figueira, plantas que tem um fruto bastante sensível, o controle da mosca é feito de duas maneiras. A primeira usa tecnologia mais avançada e é feito através de um selo, colocado na parte posterior do fruto, por onde as fêmeas adultas costumam botar seus ovos. Esse selo que segundo o produtor não é tóxico para quem consome a fruta, geralmente a acompanha até a casa do consumidor.

Uma outra forma usada pelos agricultores para atrair a mosca é através de uma isca feita com uma garrafa “Pet” de refrigerante, onde o eles colocam suco de figo batido no liquidificador. O produtor diz que o truque é simples. Depois de encher a garrafa com uma quantidade de suco de frutas, faz-se um furo na garrafa, numa altura próxima ao nível do suco e depois a deixa no pé da planta. A mosca é atraída pelo cheiro forte da fruta e quando entra na garrafa se lambuza e não consegue mais sair.

O fungo causador da ferrugem nas folhas, tanto do figo como da goiaba é controlado com a aplicação de uma calda feita com enxofre e cal de construção. O produto deve ser aplicado conforme a necessidade, explica Adenilson. “Mas é preciso ter critério no uso da calda para evitar problemas de toxidade nas plantas”, ele conclui.

Fertilidade tem papel importante

O manejo da fertilidade também segue critérios rígidos do não uso de produtos químicos e prega um manejo voltado ao uso dos recursos naturais disponíveis no próprio local. Os cuidados para não faltar nutrientes no solo são, basicamente, os mesmos do sistema convencional, usando análise do solo como procedimento padrão, antes de iniciar qualquer plantio. Caso a análise mostre algum tipo de deficiência de nutrientes, a correção do terreno é feita utilizando um esterco, de compostos orgânicos que pode ser de origem animal ou vegetal. No sitio São José, além de do composto eles praticam uma adubação verde em toda a área “Esse é o diferencial que mantém a longevidade da produção no sistema orgânico”, enfatiza o agricultor que destaca a importância vital desse trabalho.

A espécie usada vai depender do resultado da análise. A quantidade de opções é ilimitada. No sitio São José foram usadas varias culturas. Adenilson destacou, o Nabo Forrageiro como uma cultura ótima na retenção de nitrogênio no solo. Outra espécies são plantadas no sistema de consórcio, caso da Crotalária, Tremoço, Labi-Labi, Ervilhaca, Aveia, Mucuna, que aparecem segundo ele, em determinada época do ano.

Como o uso de herbicidas de qualquer espécie é proibido a roçada é obrigatória para depositar material orgânico no solo. De acordo com o fruticultor isso deve ser feito a cada 20 ou 30 dias, dependendo das chuvas. Para corrigir as deficiências de nutrientes mais específicos como, ferro (P) Potássio (K), além dos micro-nutrientes, existe toda uma variedade de rochas e outras fontes extraídas da natureza. Antes de usar qualquer produto que o produtor não tenha certeza da sua aplicação a AAO recomenda que o produtor procure a entidade para esclarecimentos. Para isso a entidade mantém uma equipe de técnicos para dar todas as orientações.

FEIRA É SUCESSO

O aumento no interesse dos consumidores por uma alimentação mais saudável e a consciência de que a preservação do meio ambiente é vital para a continuidade da vida no planeta está fazendo crescer a procura por produtos orgânicos, principalmente nas grandes cidades.

Um exemplo que ilustra bem essa realidade é uma feira que acontece todas as terças-feiras e sábados, no Parque da Água Branca, zona Oeste da capital e que atrai uma quantidade enorme de pessoas, vindas de todos os cantos da cidade. O evento que acontece, regularmente, há quase 20 anos, reúne produtores de várias regiões de São Paulo, inclusive de outros estados e movimenta uma grande quantidade negócios.

Dados do Banco Nacional de Desenvolvimentos Social, BNDES, mostram um faturamento para o setor de orgânicos de US$ 300 milhões por ano. Para o casal de agricultores Jorge e Hute Horita que participam da feira, há 14 anos, a relação entre eles e seus clientes é de total confiabilidade e recíproca troca de conhecimento. A família Horita, mantém uma produção de legumes e verduras, na cidade de Mairinque, SP, com mais de 40 variedades diferentes, além de legumes e alguns grãos, soja, milho, feijão.

Adepto da filosofia oriental, Jorge Horita busca aplicar esses conceitos no dia-a-dia do seu negócio. Para o agricultor, da mesma forma que acontece com os seres humanos, o desequilíbrio é geralmente a causa principal das doenças físicas e perturbações. Na natureza não é diferente.

A família Roncaglia que comercializam suas frutas na feira de orgânicos, buscam diversificação através de um sistema de parcerias com outros produtores. Com isso é possível ampliar o leque de produtos, além de manter uma constância de produtos nos períodos de entressafra, explica Adilson Roncaglia. Já o produtor Marcos Camparini, proprietário do sitio Jatobá, de Ouro Fino, Sul de Minas Gerais, aposta na fabricação de produtos processados para se diferenciar no mercado. Segundo ele, a procura ainda é pequena, mais com forte tendência para um crescimento rápido. Hoje o produtor enfrenta algumas dificuldades para conseguir outros nichos de mercado para seus produtos. Com a regulamentação da lei de orgânicos, que deve acontecer em breve, ele espera que as coisas mudem.

Agora uma coisa que chama atenção dentro do negócio de produção orgânica são as lições de vida passadas, tanto por produtores como consumidores. Como a história da técnica em informática Cleuza dos Reis Este, de 57 anos, que por um problema de saúde do marido foi levada para consumir produtos naturais e não parou mais. Ela Conta que, há cerca de quatro anos, seu marido sofria de um câncer raro no intestino, e que um amigo recomendou a mudança radical na dieta das família. Ela não só aceito a mudança, como hoje, depois de uma cirurgia e do marido já curado, todo o consumo, desde verduras, frutas e legumes até produtos que normalmente são comprados no supermercado, são comprados de fornecedores orgânicos.

Do outros lado do balcão também tem história de gente que por motivos de saúde teve de abandonar os produtos convencionais e começar a buscar fontes de alimentos naturais. A produtora Rita Brambila Maronesi, dona do sitio Santa Madalena, em Cordeirópolis, região próxima a Campinas, SP, sofria com reações alérgicas causadas por má alimentação e foi obrigada a revolucionar sua dieta para preservar sua saúde. A melhora foi radical ela lembra. Hoje não sente mais nada e não toma nenhum tipo de medicamento anti-alérgico. Rita que é bióloga de formação sempre praticou uma agricultura preservacionista na propriedade. “Assim que se viu curada da moléstia, a produtora, que já cultivava uma quantidade enorme de culturas nas suas terras, pensou: Porque não transferir os benefícios que os produtos orgânicos me trouxeram, para os consumidores de meus produtos? Daí em diante foi só uma questão de tempo para transferir toda sua produção para o sistema orgânico. Hoje ela diz que os negócios vão muito bem e a procura pelos mais de 50 itens que ela comercializa é crescente.


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