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BOI, SOMBRA E ÁGUA FRESCA
rev 100 - junho 2006

Durante décadas a fio o pecuarista brasileiro acreditou que raça bovina para ser considerada rústica tinha que agüentar ser criada debaixo de sol forte e muito calor. Pois é, se existe alguém que ainda comunga desse pensamento, pode começar a rever seus conceitos. Uma pesquisa inédita, realizada pela FAZU – Faculdade de Agronomia e Zootecnia de Uberaba, MG, em parceria com a Tortuga, mostrou exatamente o contrário.

O experimento, conduzido pelo professor Alexandre Bizinoto da FAZU, consistiu em fornecer, sombreamento artificial para um lote de machos, criados a pasto, deixando um outro lote, de igual número e espécie animal, exposto ao sol. Outra variável analisada pela pesquisa foi o fornecimento de minerais, na forma orgânica, apenas para um lote, ficando o outro com

suplementação mineral iônica. Ao todo participaram do experimento 20 animais, sendo 10 machos Nelore e 10 machos Holandês, divididos em quatro grupos de cinco animais, classificados da seguinte forma: T1 = Suplementação mineral com fonte inorgânica de cromo, sem sombra; T2 = T1 mais sombra; T3 = Suplementação mineral com fonte orgânica de cromo, sem sombra e T4 = T3 mais sombra.

O pesquisa que foi iniciada em 19 de fevereiro de 2004, durou 420 dias, tendo seu encerramento, em 20 de janeiro de 2005, na fazenda escola da FAZU. Segundo Marcos Baruselli, técnico da Tortuga que acompanhou o desenvolvimento do trabalho, os resultados demonstram que o ganho de peso dos animais da raça Nelore, que tiveram acesso à sombra, foi 28,9% maior sobre os não sombreados. O trabalho mostrou para o pesquisador duas coisas que ele considera de fundamental importância: a primeira é que o cromo orgânico funciona satisfatoriamente para animais que enfrentam situação de stress térmico e segundo que a pesquisa só confirma uma realidade já conhecida dos técnicos de campo, que, mesmo o animal zebuíno, perde potencial quando deixado sobre condição de stress por longos períodos. “Entre os grupos suplementados com cromo na forma orgânica a superioridade foi manifestada, pelo ganho de peso 43,9% maior. O ganho de peso também foi maior para o lote de animais com acesso à sombra e a suplementação mineral orgânica”, destaca Baruselli, que destaca a eficácia do cromo na suplementação apenas para animais que estejam na fase de recria, sofrendo uma situação de desgaste físico.

O técnico busca ilustra sua orientação com situações reais vividas na região do Brasil Central, onde, durante a estiagem a temperatura chega a 40 ºC e a umidade do ar é baixíssima. “Nessas condições o sombreamento é quase que condição de sobrevivência”, exclama. “Sabe-se que o estresse térmico é um forte condicionante da produção animal e quando a temperatura ambiente estiver acima da faixa de conforto, com comprometimento, inclusive das funções básicas do animal estressado” destaca o pesquisador que apresenta um dado sobre a condicionante do bem estar animal, sendo atingido dentro de uma faixa de temperatura que vai de 10 ºC a 32 ºC graus no caso de zebuínos e 13 ºC a 18 ºC graus no caso de animais taurinos.

Bizinoto aponta que a ausência de sombra na criação de bovinos a pasto está associada a fatores limitante da produção como: desconforto térmico, dificuldade de dissipação do calor excedente e aumento do calor endógeno. Segundo ele, nessas condições, as alterações fisiológicas negativas mais comuns, incluem, o aumento da freqüência respiratória; aumento da sudorese; aumento do batimento cardíaco; diminuição da ingestão de matéria seca; diminuição da conversão alimentar; eliminação via fezes, urina e suor de grande quantidade de minerais, além do menor crescimento corporal e maior susceptibilidade às enfermidades. Baruselli fala que durante o experimento foram coletadas amostras de sangue que mostraram um aumento na concentração do hormônio Cortizol na corrente sanguínea dos animais estressados. Essa substância, em quantidades elevadas e, durante muito tempo, pode levar a perda da capacidade imunológica do animal, facilitando a entrada de doenças e outros males no rebanho”, conclui.

Consumo de suplementação aumenta sobre stress

Uma outra avaliação que na opinião do especialista é de grande interesse zootécnico e econômico diz respeito ao consumo de suplementos minerais. O experimento mostrou que o lote T4, que teve sombra, consumiu 12,4 % menos suplemento mineral do que o lote T3, deixados no sol (150,37 g/dia X 169,06 g/dia para os lotes T4 e T3, respectivamente). O maior consumo de suplementação mineral apresentada nos animais expostos ao sol pode ser explicado pela maior exigência em minerais desses animais estressados, esclarece Baruselli, citando dados publicados pelo National Research Council – NRC, 1997, que estabelece as exigências nutricionais de bovinos de corte.

No estudo foi usada suplementação mineral orgânica, adotada a partir de fontes denominadas de complexo metal - polissacarídeo, no caso carboquelato de cromo na dose de 40 mg/kg de produto, fornecido a vontade por meio de cochos de minerais. Um resultado interessante da pesquisa confirma a redução na ingestão de matéria seca entre 20 e 30 % pelo bovino sob estresse térmico, relacionando este fato também à qualidade do alimento ofertado, enfatiza Baruselli, destacando que o uso da suplementação com minerais orgânicos permite uma melhor e mais rápida reposição das perdas de minerais ocorridas em função do estresse, o que ajuda o animal a restabelecer rapidamente suas funções basais. “Além disso, a suplementação de cromo na forma orgânica potencializa a ação da insulina, interferindo de forma positiva no metabolismo da glicose, com benefícios zootécnicos significativos”, como mostrou a pesquisa.

Fazenda alia paisagismo natural e eficiência produtiva

Manuel Cintra, gerente de uma fazenda localizada em Itapira, SP, responsável por administrar um projeto de seleção e manter uma condição de equilíbrio dentro da criação. Devido à localização privilegiada da fazenda, numa região onde as florestas são abundantes, Cintra diz não se preocupar com a construção de sombrites. No entanto, andando pelos 67 piquetes espalhados pelos 198 hectares de área usada com pecuária na fazenda, são incontáveis as árvores, das mais variadas espécies, que servem de sombra natural aos animais. “É debaixo delas que nos momentos críticos do dia os animais buscam abrigo para fugir do sol forte e do calor”, exclama o administrador, contando que, desde que chegou à fazenda, há cerca de 11 meses, já foram plantadas mais de 300 mudas em substituição as árvores que vão morrendo.

O sistema é de criação intensiva a pasto, fato comum às propriedades de criação pelo país, destaca Cintra, mostrando que isso valoriza ainda mais esse trabalho que envolve profissionalismo e uma dedicação individual aos animais. E o reflexo pode ser visto nos índices de produtividade do rebanho que na última estação de monta atingiu um índice de prenhes confirmada superior a 90% das fêmeas e uma desmama aos 210 dias com peso médio de 230 quilos, para bezerros machos e fêmeas, ele diz.

Sombreamento pode ser natural ou artificial

O problema do desmatamento provocado pela expansão agropecuária das últimas décadas se tornou hoje o principal limitante para os pecuaristas das regiões Norte, Nordeste e parte do Brasil Central oferecer sombreamento natural aos rebanhos. Em regiões onde essa devastação foi mais acentuada como o Norte, Nordeste a parte do Brasil Central, onde os chamados correntões e as queimadas não deixaram uma só árvore de pé, abrindo espaço para pastagens e lavouras de exploração anual, tendo o caso mais famoso a soja.

Na opinião do técnico que acompanha projeto de criação em todos os cantos do país, infelizmente, esse conceito de exploração extrativista da natureza ainda é muito forte em algumas regiões. Hoje a orientação é para o proprietário de terras preserve uma área dentro da propriedade como reserva legal. Além disso, outras ações como o plantio de árvores dentro do pasto é apontado como manejo estratégico para garantir o bem estar dos animais em regime extensivo de pastagem.

Baruselli mostra que basta o pecuarista usar alguns pontos dentro da pastagem, que pode ser um canto de cerca, para plantar uma porção de árvores. Durante alguns meses o local deve ser cercado para evitar que os animais destruam as mudas. É importante que seja respeitada uma distância de 4 a 5 metros entre uma árvore e outra o que para dez mudas o produtor vai reservar cerca de 50 m². “Dentro de poucos meses essa área vai se transformar em pequenos bosques dentro da propriedade, o que, além de garantir o sombreamento necessário ao bem estar animal, vai valorizar e muito a propriedade”, observa. “Isso sem falar na parte paisagística que também conta pontos a favor do imóvel rural”, conclui o técnico.

No experimento foram usados sombreamento artificial, a partir da construção de sombrites de 3,4 metros de altura e com 18 m2 / animal. Essas estruturas bastante simples, pois, utilizam apenas tela preta comum e madeira são indicadas para os casos emergenciais onde o criador não possui sombreamento natural e precisa resolver o problema no curto prazo. Os resultados mostraram que essas lonas reduzem até 80% da radiação solar.

Entretanto, ambos os especialistas dizem que a árvore ainda é a melhor opção para o criador pelo baixo custo e por melhorar os ecossistemas, em áreas de altos índices de degradação. “Por isso é importante que o criador crie o hábito de plantar árvores”, destaca Baruselli alertando para o fato da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, CATI, da Secretária de Agricultura do Estado de São Paulo oferecer mudas de árvores nativas, muitas ameaçadas de extinção, gratuitamente. “Em outras localidades, fora do estado de São Paulo, é importante que o produtor procure informações sobre esses viveiros de mudas, nas casas de agricultura e sindicatos rurais”.


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