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CABRA ESCOLA - UM EXEMPLO DE CIDADANIA
rev 100 - junho 2006

A idéia é garantir recursos e capacitação técnica para famílias de produtores rurais que vivem no semiárido nordestino, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ainda se encontra abaixo do tolerável e a renda média das famílias raramente é superior a meio salário mínimo por mês. O programa, que recente completou cinco anos, amplia sua participação para um total de 550 famílias assistidas dentro de um universo de 1200 que estão inseridas no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar da região do Sisal, no interior da Bahia.

A quantidade de municípios também foi ampliada para 2o, totalizando 4100 pessoas que vivem exclusivamente da atividade rural. Essas famílias, na grande maioria, pertencem ao PETI (Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil) e estão dentro de um perfil de agricultura familiar não tecnificada, esclarece Ivamberg Silva, coordenador do Projeto Cabra Escola, falando sobre os critérios de escolha que priorizam as camadas mais carentes que comumente são aqueles que têm dificuldades para adquirir crédito rural junto ás instituições financeiras.

É importante também que essas famílias já estejam cadastradas em outros projetos sociais que atendam a região, no caso do PETI. Pois, é muito comum o uso da mão-de-obra infantil para complementar a renda doméstica”, afirma. Um estudo feito pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB), com famílias que completaram dois anos dentro do Cabra Escola, mostrou um aumento médio na renda de 45%, fato este motivado pela retomada da produção dentro das pequenas propriedades rurais que deixam de ser consideradas improdutivas para se tornarem minifúndios, garantidores de renda e melhor qualidade de vida às famílias, exclama Wilson Vasconcelos Dias, coordenador do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar do semi-árido baiano.

Vasconcelos fala sobre o conceito do projeto que é identificar as propriedades de acordo com seu perfil socioeconômico para depois fazer um diagnóstico das condições de vida que envolve o ambiente familiar. A partir daí os técnicos do MOC começam a traçar um projeto que tem como finalidade reestruturar a parte de infra-estrutura das propriedades para torná-las mais eficientes nas condições de clima e solo do semi-árido. O coordenador disse que um dos principais obstáculos a transpor é a pouca quantidade de terras e a falta de recursos para investir em produção, característicos da região.

Para Luiz Lisboa de Oliveira, técnico extensionista do MOC, nesses casos, se não dá para ampliar o volume de terra é preciso potencializar os sistemas de produção ao máximo. Essa posição também é defendida pelo coordenador do programa de agricultura familiar que admite ser muito difícil para esses produtores ampliar sua renda acima do teto de dois salários mínimos (R$ 700,00). No entanto, numa coisa os técnicos são unânimes em admitir que, só o fato dessas famílias deixarem uma condição de miséria quase absoluta para uma situação de renda e alimentação mais adequadas dentro de suas casas, já os credencia para que, numa segunda etapa, eles possam se enquadrar em modelos agrícolas mais sustentáveis. “E isso o Cabra escola tem conseguido, com o apoio da fundação Pfizer e demais parceiros do projeto”, Conclui Ivamberg.

Acabar com o trabalho infantil é prioridade

Erradicar o trabalho infantil dentro das comunidades é outra bandeira defendida pelo projeto e encampada pelas equipes que trabalham no campo. Nesse quesito o coordenador geral do projeto é enfático ao dizer que a principal exigência feita às famílias para se ter acesso às linhas de financiamento do Cabra Escola é que todas as crianças, com idade entre sete e quatorze anos, sem exceção, sejam matriculadas na rede pública de ensino fundamental.

Numa região onde os índices de analfabetismo, até pouco tempo, se enquadravam entre os mais altos do país, a participação de crianças, jovens e até adultos nas salas de aula, vem crescendo ano após ano. Tudo isso é graças às políticas de incentivo, que transfere renda às famílias, em troca da permanência de suas crianças dentro das salas de aula, exclama Marta Pereira Bispo Pinto, diretora do colégio de primeiro grau João Francisco Pereira, do município de Barrocas, interior da Bahia. Ela conta que antes de chegada dos programas sociais, à região era comum ver os jovens maiores de 15 anos, sem nenhum tipo de ocupação. “Hoje, felizmente isso acabou”.

O colégio cuida atualmente de 20 crianças, todas filhos de produtores rurais, muitos deles cadastrados no Projeto Cabra Escola. Segundo Elaine Silva Mota monitora do PETI, um dado positivo é que não existe evasão de crianças das salas de aula. Isso porque essa é uma condicionante do programa e as famílias entendem muito bem e valorizam esse tipo de ação. As crianças recebem ainda, acompanhamento pedagógico, material escolar e alimentação diária. Tudo isso como mais um complemento das ações do programa que serve também de suporte para outra luta na região que é acabar com a desnutrição infantil.

A ação continua de projetos sociais na linha do Cabra Escola, vêm ajudando a diminuir as mortes por desnutrição crônica infantil no semi-árido brasileiro. Esse número caiu significativamente na última década, mas o índice ainda é quase três vezes o aceitável pelas organizações internacionais de saúde, segundo dados auferidos por pesquisa da Universidade de São Paulo, USP. A pesquisa envolveu 17 mil crianças com até 5 anos encontrou um índice de desnutrição de 6,6%. No ano de 1996, uma pesquisa domiciliar, em todo o Nordeste, mostrava um índice de 17,9% de desnutrição crônica.

Famílias se mostram engajadas

No sítio da produtora Luiza Santos Cardoso, que fica nas proximidades do município de Barrocas, BA, o Cabra Escola já é uma realidade, desde 2004. A família que, há dez anos, mora na mesma propriedade, vive apenas do salário do marido, da lavoura de milho que mantém atrás da casa e do leite tirado do pequeno plantel de cabras e ovelhas. Dona Luiza conta que uma parte dos animais foi comprada usando o financiamento do Cabra Escola. Outra parte ela comprou com dinheiro do PETI, que oferece uma bolsa de R$ 25,00 às famílias carentes para que as crianças sejam mantidas na escola. Luiza fala orgulhosa do Cabra Escola, projeto que para ela trouxe renda extra e alimento farto na mesa para alimentar os cinco filhos.

A criadora lembra dos tempos difíceis quando as comunidades não tinha a ajuda dos movimentos sociais e, todo o leite usado na alimentação dos filhos, vinha de duas ovelhas que na melhor das hipóteses, dava cinco litros de leite por dia. O jeito era se virar com outros tipos de alimentos menos nutritivos mais disponíveis com maior fartura. Hoje, a criadora tira uma média de 30 litros de leite de cabra por dia, volume que produz até um excedente que é vendido aos visinhos. Ao todo o rebanho soma 12 cabras e 1 bode, cuidados com o maior carinho.

Durante o dia os animais ficam soltos no pasto e durante a noite são recolhidos para um cercado, onde recebem um volumoso de palma picada ou bagaço de milho. Essa é também a alimentação dos períodos de estiagem quando as pastagens desaparecem e só sobrevivem as espécies mais resistentes, observa Luiz Lisboa do MOC. O abastecimento de água é mantido por uma cisterna, construída também com o auxílio de movimentos sociais.

Maria das Graças, de 14 anos, uma das filhas da dona Luiza, cursa a sétima série do ensino fundamental. Sempre depois da aula ela ajuda nos afazeres domésticos e a cuidar rebanho de caprinos da família. Áurea Cardoso Pereira de 13 anos cursa a sexta série no mesmo colégio e também a família na lida diária do rebanho, adquirido dentro do projeto.

Todos os dias dezenas de crianças e jovens que moram em áreas mais distantes, pegam o ônibus escolar para estudar na cidade. Para o coordenador geral do projeto, “o acesso a educação resgatou a esperança nessas comunidades de uma vida melhor, sem precisam arriscar a sorte nas grandes cidades”, destaca.

Entenda melhor o projeto

A equipe de técnicos do Movimento de Organização Comunitária MOC é responsável por todo trabalho de extensão rural junto às famílias participantes do Cabra Escola. A fase inicial consiste na seleção e capacitação técnica das famílias, seguida de uma primeira parcela, em dinheiro, destinada à estruturação da propriedade. Esse montante que equivale a 40% do valor total dos recursos gira entre R$ 800,00 e R$ 1.200,00, usado na compra de arames, sementes, vermífugo, cisternas e uma infinidade de outros insumos necessários para iniciar uma criação, explica Luiz Lisboa de Oliveira, extensionista do MOC, para quem essa etapa funciona como uma espécie de vestibular que credencia as famílias a receberem o financiamento.

Os recursos levantados pelo MOC através de seus parceiros, entre eles a Fundação Pfizer, seguem para um Conselho Gestor de Fundo Rotativo (CONGEFUR) que disponibiliza esses recursos às onze cooperativas de crédito que atuam na região. O dinheiro vem na forma de crédito rural, com juro anual de 3% e prazo para pagamento de oito anos. Como no semi-árido a ovinocultura de corte e a caprinocultura são atividades de grande importância comercial. Ambas se tornaram foco do projeto, explica o coordenador geral, dizendo que cada família inscrita tem direito de comprar um lote de três cabras e um reprodutor (bode) para incluir no plantel.

Um dos fatores condicionantes da rentabilidade no sertão é o baixo padrão genético dos rebanhos. Só para se ter uma idéia da situação, a perda anual de animais jovens nos rebanhos da região Nordeste é 30%, por baixa resistência genética. Um dado interessante do projeto mostra que nas comunidades onde já é feito o trabalho de melhoramento genético, a mortalidade caiu de 30% para 5% e o rendimento de carcaça cresceu em mais de 50%. “Sendo assim a idéia do programa também é incorporar animais de genética superior nos rebanhos, elevando os atuais níveis de produção de carne, leite e derivados”, pontua Ivamberg Silva.

Feira de Caprinos do Cabra Escola é sucesso de público

A segunda fase do projeto acontece na Feira de Ovinos e Caprinos do Projeto Cabra Escola. As famílias que passam pela primeira fase de estruturação da propriedade e têm seu projeto aprovado, conquistam o direito de adquirir o financiamento junto às cooperativas de crédito para a compra de animais. O evento que já está na sua quarta edição reuniu na cidade de Serrinha, distante 80 quilômetros de Feira de Santana (BA), centenas de produtores rurais do estado para compra e venda animais.

A raça de Ovinos Santa Inês está entre as mais procuradas na região. Já na caprinocultura, as raças Anglo-Nubiana, Saney, Alpina e Canindé, também são bastante procuradas. O volume de vendas superior a 800 animais é outros dado que chama a atenção. Até hoje, o Cabra Escola através de suas linhas de financiamento já disponibilizou mais de R$ 650 mil aos produtores para compra de animais. Parte desses recursos já começa a retornar aos cofres do programa na forma de pagamento de débitos, destaca Wilson Dias, que destaca ação dos técnicos também no acompanhamento da parte gerencial do negócio.

Segundo Dias, muitas propriedades já estão conseguindo gerar receita suficiente através dos sub-produtos da caprinocultura para retorno do capital emprestado, mostrando que uma preocupação da organização desde o começo sempre foi no sentido de não deixar que essa ajuda financeira se tornasse puro assistencialismo. “As famílias são trabalhadas para tornarem-se auto-suficientes no menor tempo possível”, conclui o coordenador.

Este ano, a organização do projeto resolveu usar como medida de incentivo à aquisição de animais o frete grátis para produtores que vieram de regiões muito distantes ao local da feira. Segundo os organizadores uma velha reclamação dos produtores para não comprar nas feiras de animais é o custo elevado do transporte. Como ainda existe uma dificuldade de entendimento por parte desse produtor, sobre as vantagens comparativas de comprar animais melhoradores, o projeto resolveu subsidiar o frete para que isso não serva mais de desculpam, explica Wilson Dias.

A produtora Josefa de Jesus, que veio do município de Kijimgue, BA, participa da feira pela primeira e logo de cara leva para casa quatro cabras e um tourinho. Josefa conta que tem duas filhas em idade escolar e que foi contemplada pelo Cabra Escola em 2003. Na época recebeu R$ 1.200,00 que usou na compra de quatro animais, três cabras e um bode. O mesmo aconteceu com o produtor José Macedo, que é líder na comunidade Kijimgue e representou um grupo de 30 produtores. Macedo fala da importância do Cabra Escola para o desenvolvimento da caprinocultura no semi-árido. O produtor trabalha com um plantel de 100 cabeças de caprinos e os planos são de ampliar o negócio em breve.

Organização comunitária traz resultados

A realização do ciclo da Agricultura Familiar, ocorrido entre os dias 03 a 05 de maio, 2006, no município de Serrinha, BA, teve, além da feira de animais, uma série de outras atividades que visam o fortalecimento da agricultura familiar e economia solidária da região do Sisal. O evento promoveu inúmeros debates, além do II Congresso de Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares (FATRES). Na ocasião comunidades representando mais de 20 municípios, trouxeram artesanatos e produtos a partir de matérias primas extraídas na região.

Foram mais de 60 comunidades que estiveram presentes ao evento, levando artesanatos, utensílios, alimentos e uma infinidade de outros produtos e serviços. A Associação Comunitária dos Amigos do Centro São João de Deus, do povoados de Nova Esperança, de Ichú, BA, trouxe um estande repleto de produtos feitos a partir de matérias-primas compradas dos agricultores da região. Maria Dalva de Oliveira Carneiro, atual presidente da entidade fala do trabalho que é feito junto às comunidades pobres, nos municípios de Conceição do Coité, Serrinha, Barrocas e Ichú, atendendo 150 famílias que moram na região sisaleira da Bahia.

Além do sabonete feito a base de leite de cabra produto que é considerado carro chefe ns vendas o leite de cabra também é usado na fabricação biscoitos, muito apreciados na região, conta Kátia Marciana Carneiro de Almeida, agente de desenvolvimento solidário responsável por coordenar grupos de produção na região de Ichú. A comunidade levou também produtos de confecção feitos a partir de palha de sisal e fio de algodão, duas culturas comuns na região. Dalva explica que todo o processo é feito dentro da própria comunidade, usando mão-de-obra dos moradores. Para a associação fornece gratuitamente cursos de capacitação técnica para 40 jovens que aprendem a trabalhar na tecelagem, produzindo tapetes, redes de dormir, tecidos, bolsas e uma infinidade de outros produtos. Para a presidente da comunidade as feiras são uma oportunidade única para as comunidades levarem seus produtos ao conhecimento do público urbano. “Isso faz toda a diferença para realizar bons negócios”, ela diz.

A produtora Maria Zélia Santana de Jesus, também da comunidade de Nova Esperança levou artesanatos feitos usando material reciclado, aprendizado que, segundo ela, foi obtido nas muitas oficinas oferecidas às famílias pobres da região. Elediva de Oliveira Gonçalves funcionária da Associação de Pequenos Agricultores, da região de Valente, BA, trouxe, doce de leite, iogurte, queijos, tudo feito a partir do leite de cabra comprado das famílias de pequenos produtores da sua região. A procura é crescente, ela diz, inclusive, nos grades centros de comércio da região.


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