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O CAMINHO DAS PEDRAS - PRODUTOR TRADICIONAL DA BAHIA SE REFORMULA PARA SUPERAR A RETRAÇÃO DO SETOR LEITEIRO
rev 50 - fevereiro 2002

“A produção leiteira não é uma atividade econômica diferente das outras. Como qualquer uma delas, hora expande, hora estanca, hora retrai. Em tempos de crise é preciso adequar-se para não morrer”. Como esta afirmação, Newton Souza Filho explica seus movimentos dentro da Lagoa do Ouro, fazenda situada no município de Jequié/BA. A propriedade é um dos mais importantes celeiros genéticos da raça Pardo-Suíça do seu Estado. Nas famílias das melhores vacas baianas encontra-se animais de afixo “ouro”, marcados pela excelente conformação e alta produtividade adaptada ás condições ambientais do Nordeste.

Newton iniciou sua pecuária com a raça em 1984, tempo em que bons animais, habilitados geneticamente para suas respectivas explorações, recebiam preços dolarizados, dificilmente abaixo da casa dos US$ 5 mil; hoje, R$ 12 mil atualmente, este valor, dentro do setor leiteiro, é pago apenas por animais de exceção. Na época, a Lagoa do Ouro buscou animais em Minas gerais, São Paulo e até nos Estados Unidos, formando um base de plantel similar a dos melhores criatórios da raça em todo o Brasil. O contexto permitia que os investimentos em genética, instalações e manejo retornassem rapidamente. Muitos patrimônios foram levantados desta forma. Mas o Real chegou e, com ele, a terra e o gado passaram a valer o que produzem. No caso específico do leite, a liqüidez passou a ser bastante apertada e somente possível se num projeto eficiente. Hoje, uma boa vaca comercial não passa de US$ 800, uma quantia que provoca um breve sorriso no rosto de Newton, mas que não esmorece seu trabalho: Valores como este muitas vezes não pagam a boa criação do animal, porém temos que produzir de um jeito ou de outro, buscando repostas efetivas para a redução de custos e conseqüente lucro”, ratifica.

A parte o realismo dos tempos atuais, a região de Jequié ainda sofre concorrência dos safristas – produtores de leite por ocasião do período das águas, quando o pasto está verde. Neste época, o preço do produto cai ainda mais e, praticamente, inviabiliza a produção profissionalizada, fundamentada em dieta de qualidade para plena manifestação do potencial produtivo das matrizes. “Não vale a pena dar comida para o gado”, explica Newton.

A pergunta, então, é: como sobreviver? Na época da safra, Newton promove uma redução abrupta da produção, vendendo boa parte de suas fêmeas em lactação por ocasião das águas. De forma programada, uma nova geração (novilhas) chegará parindo nos meses de maio e junho, época de pasto seco em que os safristas estão se despedindo dos laticínios. Na última entressafra, o produtor chegou a receber R$ 0,50 por litro de leite da Lagoa do Ouro, mantendo menos de um animal jovem por matrizes em lactação. Assim, gozando de grande prestígio na pecuária leiteira da Bahia, o produtor joga as contas da fazenda no azul, mantém o gosto pela atividade e dissemina sua boa seleção genética, muito bem vinda os colegas de raça.

Nos últimos três anos, a Lagoa do Ouro tem comercializado de 40 a 50 animais/ano. Mais da metade deles são machos, que se mantém com boa liqüidez pela demanda trazida por rebanhos mestiços. Porém, como o mercado de fêmeas está muito acanhado, Newton acaba fazendo muitos negócios em exposições, como o Fenagro, em Salvador, na mostra de Feira de Santana. Para um rebanho de 100 animais, este giro acaba promovendo reformulações grandes, anualmente, no plantel.

O projeto de exportação leiteira de Newton é bastante ousado para a região. Possui uma área de feno, (irrigada por pivô central), de 14 ha; além de outros 5ha (irrigados por aspersão) divididos em 26 piquetes para pastejo do rebanho. Segundo análise do capim, teor de proteína é de 18%. Ainda mediante análise, desta vez do solo, os campos recebem adubação orgânica e de cobertura, periodicamente, porém com intervalos diferentes. Os campos de feno rendem de cinco a oito cortes ao ano, dependendo da ocorrência de chuvas. Vale destacar que apenas 50% desta produção é consumida na fazenda. O restante é comercializado, representado uma fatia bastante importante no faturamento geral.

A qualidade do produto é suficiente para garanti-lo como substituto de silagens como a de milho, sorgo, ou cameron. Newton explica que o gado responde melhor ao feno, pela digestibilidade, além de que as culturas para confecção de silagem e seu respectivo processo são muito mais onerosos. Outra justificativa para a ausência de leguminosas é o ataque de pássaros, muito freqüente na sua região.

Os piquetes de pastejo não recebem adubação orgânica, pois já estão estercados pelo próprio gado. Cada um, depois de dois trabalho, fica de 24 a 26 dias descansando. A lotação, no verão, é de 13 unidades animais por hectare, número que cai para oito, no inverno. Outro ponto a destacar no bom rendimento das gramíneas da Lagoa do Ouro é o fato de que a grande ensolação, características do centro de Minas Gerais para o Nordeste, favorece sobremaneira seu cultivo, já que a irrigação promovida tira o efeito negativo trazido pelos períodos de extensa seca.

Todo o volumoso oferecido ao rebanho provém do campo de tifton. No inverno, serve-se feno no cocho para complementar o consumo do pastejo. As vacas em lactação estão divididas em lotes por produção: primeiro, para fêmeas com lactação diária acima de 15kg, outro para aquelas entre 10 e 15 kg e um terceiro para fêmeas em final de produção. Elas consomem, respectivamente, 6,4 e 2kg de ração por dia. O balanceamento é o mesmo e a energia é tirada do milho, sorgo ou polpa. Já a soja, a uréia e o sal respondem pela proteína. Todos os ingredientes são comparados e misturados na própria fazenda e com esta dieta, as vacas registram média de 21kg/ dia. Newton faz questão de frisar que esta média poderia ser bem maior se mudasse a alimentação. Porém ele, prefere este patamar, uma vez que tal aumento diminuiria sua rentabilidade, apurada na hora de apontar custos maiores com novos insumos.

O método de secagem promovido nas matrizes é o abrupto. Após a última ordenha, a fêmea é separada e deixada por 24 horas em jejum e sem água. Ela fica solta em um piquete de baixa qualidade. O estresse é tanto que, em uma semana, ela estará seca. Os índices de mastite são bastante baixos.

Já a incidência de carrapatos na região é muito grande. O forte calor a umidade decorrente da irrigação favorecem em demasia o parasita. Mas são difíceis problemas com o gado em função disso. Os cascos sofrem mais, porém desde que implantou o manejo de casqueamento e pé de lúvio a cada três meses, as incidências de doenças do casco caíram quase que para zero. O trabalho preventivo é seguido a risco, tais como o de vacinação, inclusive de IBR e BVD; e até leptospirose, quando as chuvas abrem muitas áreas encharcadas.

Um outro ponto a destacar é o manejo das vacas em pré-parto. Trinta dias antes data prevista para o parto, elas são deslocadas para um piquete que fica próximo da casa do vaqueiro. Ficam ali, confinadas com 3kg de ração própria para gado jovem e feno à vontade. Especificamente as novilhas de primeira cria, 15 dias antes de parirem já estão freqüentando a rotina da ordenha. Porém, no lugar da ordenha, lava-se o úbere mais demoradamente. Desta forma, por ocasião da coleta, elas estarão acostumadas a todo o procedimento.


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