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MANEJO FLORESTAL - PATRIMÔNIO SEMPRE VERDE
rev 178 - dezembro 2012

No meio da floresta amazônica paraense, um exemplo de exploração econômica de madeira se faz de uma forma responsável e de menor impacto ambiental. Trata-se de um pedaço de Brasil que o Brasil não deve conhecer, mas tem muito a ensinar.

Viver uma experiência na floresta não parecia ser uma tarefa fácil, mas foi realmente única, principalmente por ver o que é de fato aquelas grandes porções de terra tomadas por belos e grandes seres terrestres – como, por agora, poderia descrever esse patrimônio que se mantem por décadas e décadas em pé. A reportagem que se segue descreve bem o meu contato de quatro dias com a selva amazônica paraense. Nele constam o manejo responsável de florestas nativas por parte da equipe do Instituto Floresta Tropical (IFT), as técnicas seguras e de maior viabilidade econômica durante a exploração madeireira e o jeito simples e cheio de histórias dos personagens que vivem naquele meio, como seu Benedito “Pacatuba” de Souza. Há ainda a exuberância do lugar que se contrasta com exemplos de uma vizinhança totalmente descompromissada com a mata.

O IFT, fundado em julho de 2002, está aos moldes da organização não governamental a qual lhe deu origem, a Fundação Floresta Tropical (FFT), estabelecida no País desde 1994, como uma subsidiária de Tropical Forest Foundation, que atua no desenvolvimento de projetos em manejo florestal de impacto reduzido. A causa foi abraçada inicialmente pela empresa madeireira Cikel, a qual doou cinco mil hectares de suas áreas no Estado do Pará para servir às pesquisas do órgão. Atualmente, a entidade é reconhecida pelos trabalhos de capacitação e treinamento em manejo florestal iniciados desde 1997, também apoiados pelo Fundo Amazônia, pela Fundação Gordon e Betty Moore, pela Agência Norte-americana pelo Desenvolvimento Internacional (USAID, sigla em inglês), pelo Serviço Florestal do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), além das empresas Caterpillar e Stihl, esta última, que convidou a Revista Rural a conhecer de perto o trabalho feito pelo instituto, que mostra que o papel de uma motosserra está longe de ser peça fundamental para o desmatamento, mas sim, uma ferramenta muito útil na colheita madeireira.

Floresta adentro

De Belém até o Centro de Manejo Florestal Robert Bauch, onde efetivamente atua o IFT, são cerca de 480 quilômetros, ou algo em torno de oito horas de viagem. A unidade fica no extremo do município de Paragominas e próximo a Ulianópolis – justamente no km 85 da BR 010 (Belém-Brasília), que fica nesta última cidade, está a estrada que leva ao acampamento. Depois do curioso posto de pedágio de cancelas feitas de correntes, o Brasil muda de figura. A tradição madeireira na região é tão característica que chega a dispensar quase que totalmente os tijolos nas edificações.

A chegada ao centro foi por volta das 17h. Às 20h, o grupo formado por 11 profissionais já era apresentado às atividades dos dias subsequentes – era o curso TD de Técnicas de Manejo Florestal para Tomadores de Decisão. A programação de 40 horas incluía uma parte teórica e prática, na qual foi possível acompanhar todo o desenvolvimento de uma atividade de manejo florestal, que vai desde uma avaliação da floresta, produção de inventário e reprodução de mapas até a colheita efetiva de árvores de potencial madeireiro, além dos tratos como o enriquecimento de áreas através de plantios e tratamentos silviculturais de recompensação da mata. “Podemos dizer que desenvolvemos aqui um trabalho no qual é referência no País”, declara César Pinheiro, técnico agropecuário e instrutor sênior do IFT. “Comprovamos que é possível realizar um manejo mais consciente na floresta nativa que não oferece riscos ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que se mostra uma prática de maior viabilidade econômica”.
A proposta do centro é apresentar os resultados obtidos ao longo de 15 anos de pesquisas em manejo florestal a partir da exploração de impacto reduzido (EIR), a qual preconiza maiores estudos nas áreas de melhor potencial de colheita, implantações de obras de infraestrutura mais precisas e de menores proporções e ações pós-exploratórias que vão acelerar a recuperação da mata. “Em comparação ao manejo convencional”, diz Marlei Nogueira, também técnico agropecuário e instrutor sênior do IFT, “o de impacto reduzido garante maior aproveitamento madeireiro e menor custo”.

Dados comparativos de uma exploração convencional de 397 árvores renderam, ao final, 407 metros cúbicos (m³) de madeira e, em contrapartida, na de impacto reduzido, das 328 abatidas, houve um rendimento de 2.507,40 m³. Um detalhe que merece destaque é o volume de desperdício no primeiro caso – 2.609,08 m³. Já na EIR, o saldo negativo averiguado foi de 125,48 m³. Outro ponto interessante foi tamanho da ocupação do próprio estabelecimento da infraestrutura necessária para o desenvolvimento da atividade, como a abertura de vias principais e secundárias, os pátios de estocagem das toras colhidas e os ramais de acesso (vias menores, as quais são traçadas para o arraste da madeira até os pátios). Pelo método convencional, essas construções significaram praticamente o dobro de tamanho quanto comparadas às da EIR. “Quando avaliamos o mapa da primeira, vemos que tudo está desordenado e que, no final das contas encareceu mais o projeto madeireiro em função de mais horas trabalhadas de máquina e empregados, além do gasto desnecessário de combustível”, ressalta Nogueira.

Do errado ao certo

A visitação à floresta começou justamente numa área particular onde foi feita a exploração convencional, próxima à do IFT. Lá, o que se percebia era um total descaso com o meio ambiente. Logo na entrada, era bem visível o desperdício de troncos – um, em especial, de tamanho bem significativo. “Imagine que essa tora não saiu daqui de perto, mas foi arrastada. Gastou-se tanto para trazê-la do local original dela e nem se pôde aproveitá-la, porque a árvore estava oca”, explica Nogueira.

Mais à frente, uma série de troncos deixados no meio das estradas, próximos a uma área de preservação permanente (APP), que também foi explorada. Com mais outros giros pelo local, mais troncos e vestígios de explorações malsucedidas. Os técnicos do IFT destacaram o estado do dossel mais aberto por toda a área – com a retirada de muitas copas de árvores o sombreamento deixa de ser característico na mata, o ‘teto’ verde desaparece e dá para se notar mais o céu. Nesse sistema há maior presença de espécies nativas que estavam em estágio de dormência no solo.

Os indícios levam a crer que área mudará por completo numa próxima entrada. Aí, nesse caso, sendo convertida para uma área onde podem ser estabelecidas atividades agropecuárias – um dos pesares para o Estado onde a fiscalização não dá conta de checar se os processos estão sendo cumpridos a risca. Pinheiro explica que para todo trabalho de exploração madeireiro, tem de ser entregue a órgãos competentes um relatório onde está descrito todas as atividades a ser desenvolvidas em áreas e tempo já estipulados – o ideal, depois de abatidas as árvores, a partir de uma série de critérios, é que se volte a explorar o mesmo local daqui a, no mínimo, 25 ou 30 anos, no máximo. Tempo adequado à recomposição da floresta, de acordo com pesquisas da Embrapa Florestas, em Colombo (PR). Em casos de atividades de baixa intensidade, como as empreendidas por pequenos grupos de comunidades, esse ciclo passa a ser de dez anos.
Na EIR é preconizado um inventário completo de todas as espécies de potencial madeireiro. Isso dará maior subsídio de informações na hora de traçar o melhor plano exploratório da área, com a adoção de critérios para a escolha das árvores certas para abate e a garantia de espécies que funcionarão como fonte de reserva de manutenção florestal.

Além de todo o cuidado com o material genético da selva, a preocupação também recai na adoção de práticas seguras e responsáveis de manejo silvicultural. Numa delas está o abate, propriamente dito – que ocorrerá cerca de um ano depois que foi dado o início do manejo florestal, com a entrega da Autorização de Exploração Florestal (Autex), expedida pelas secretarias estaduais de meio ambiente. Nesse momento, todo um ritual é feito, como cortes especiais na árvore, com angulação padronizada e direcionamento de queda que cause menos dano. É justamente neste momento que a motosserra permite o melhor desempenho na condução desse trabalho – isso é, em grande parte, reflexo do uso mais esclarecido da ferramenta.

Fonte de muitos ‘causos’

Por outro aspecto, a floresta resguarda também tradições passadas de avô, para pai e para filho, que não podem ser mensuradas por metro cúbicos e chegam a valer muito mais que uma tora vinda de uma área totalmente certificada como a produção do IFT. Nesse ambiente está o grande personagem do instituto – seu Pacatuba, como é mais conhecido. A ciência própria dele transmite o valor que a floresta possui ainda fixa ao solo. Ao pé de uma copaíba, por exemplo, ele extrai um óleo de muito valor no mercado local. Mais a frente outra espécie é uma garantia de remédio para dor de cabeça e tratador de úlceras. Noutra, o amapá doce, escorre uma seiva elaborada que mais se assemelha como um leite. Uma pequena colher dela batida à água toma consistência de uma autêntica gemada de ovos – taí, então, um alimento seguro e nutritivo.

Todas essas descobertas de produtos florestais eram bem regadas às histórias do próprio Pacatuba – dizem que adora “enterrar” sempre alguém nesses causos. Por coincidência ou não, morreu um na que o grupo ouvia. Tratava-se de um vizinho dele que queria comprar sua propriedade, na qual tinha uma copaíba muito produtiva. “Teve uma época que estava muito mal de saúde, e ele insistia na venda, aí eu poderia ter dinheiro para fazer um melhor tratamento. Não é que eu melhorei e foi justamente ele que piorou e aí, depois morreu. Ele chegou até dizer, quando eu estava mal, que não ia durar muito”, completou este grande sábio da floresta.
Com um vocabulário bem próprio e associações que estão de certa forma arraigadas em cada morador da floresta, seu Pacatuba representa outra espécie que parece resistir com o tempo. Por outro lado, é igualmente uma espécie ameaçada em virtude de todo o processo que tem ocorrido na floresta. Ainda há muito descaso, e jogos de interesse que nem levam em conta todo o trabalho e esforço de empreendimentos como o IFT.

No Brasil, a realidade é outra – grande parte da exploração madeireira é ilegal, e os processos burocráticos e a falta de profissionais das próprias autarquias do governo permitem que certas distorções sejam feitas com consentimento ou não. É nesse cenário também que motosserras, ao invés de tratores unidos com correntes de aço bem fortes, se tornam sinônimo do desmatamento veiculado em grandes emissoras de tevê. Resta saber quando é que essas aparências poderão ser corrigidas, e quando o trabalho mais comprometido de manejo silvicultural se tornará a regra no País e não apenas uma exceção.

Balanço patrimonial

A Amazônia é quase mítica, com um verde e vasto mundo de águas e florestas, no qual as copas de imensas árvores escondem o úmido nascimento, reprodução e morte de mais de 33,33% das espécies que vivem sobre a Terra. Os números são igualmente monumentais. Trata-se do maior bioma brasileiro, num território de 4,196.943 milhões de quilômetros quadrados (km²) (IBGE, 2004), onde crescem 2.500 espécies de árvores (ou 33,33% de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul). A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de seis milhões de km² e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo. As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do mundo. Seus recursos naturais – que, além da madeira, incluem enormes estoques de borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo – representam uma abundante fonte de riqueza natural. A região abriga também grande riqueza cultural, incluindo o conhecimento tradicional sobre os usos e a forma de explorar esses recursos naturais sem esgotá-los nem destruir o habitat natural.


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