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A ENTRADA DOS BIOLÓGICOS
rev 175 - setembro 2012

Agora a intenção do governo federal no campo dos agroquímicos é facilitar o uso e o registro de defensivos biológicos. Confira os tipos que já estão dispostos no mercado e o que a área da pesquisa tem a dizer sobre a eficácia desses produtos e o que está por vir.

A meta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) é que, até 2015, 10% do total de defensivos produzidos no País sejam biológicos. A intenção é justamente ampliar as opções dos agricultores na defesa fitossanitária, com a garantia de controle sob diferentes métodos.

“Temos notado que esse mercado de biológicos ganhou uma percepção negativa, muitas vezes, taxados de ‘produtos ripongas’”, avalia o coordenador de Agrotóxicos e Afins do Mapa, Luis Eduardo Rangel, “ou mesmo que são produtos que atendem uma tônica mais ideológica do que prática, nesse caso, uma maneira ambientalmente correta de controle, que no fim das contas não surtiria efeito. Temos de mostrar que esse mercado mudou e está mais profissional e que pode atender as necessidades de proteção das lavouras”.

O incentivo chega às indústrias interessadas para o registro de produtos com maior flexibilidade dos processos de aprovações. Antes, esse tipo de produto, de acordo com Rangel, levava em média de dois a dois anos e meio para serem aprovados. Agora, esse tempo pode ir de um a 18 meses, e se for um produto voltado para a agricultura orgânica, o prazo chega até 60 dias. Foi justamente a partir do crescimento desse sistema de produção agrícola, que o Mapa, por meio de uma decisão publicada no Diário Oficial da União no ano passado, desobrigou os defensivos à base de inimigos naturais de estampar caveiras em suas embalagens (desenho de um crânio humano sobre dois ossos em “x”).

Com o fomento desse mercado, abre-se mais espaço para o estudo e pesquisas no campo dos biológicos. Isso garantirá aos produtores do País opções de produtos diferenciados, menos agressivos ao meio ambiente e que possam ser utilizados conjuntamente com o que há disponível no mercado tradicional de defensivos. No entanto, para a área de pesquisa, ainda há muita resistência por parte das instâncias que também atuam no processo de aprovação, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Atualmente, estão registrados pelo Mapa 82 produtos qualificados como biológicos, no Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit) [http://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons], dos quais, 16 podem atuar na proteção da cultura da soja. Nessa lista, o carro chefe dos defensivos dessa linha está nos inseticidas biológicos, com 11 registros, os quais se resumem a duas espécies como ingrediente ativo – uma bactería, Bacillus thuringiensis e um vírus, Baculovirus anticarsia. Muitas dessas soluções rementem às décadas de 1980 a 1990, período no qual tiveram seu auge. Em geral, de acordo com os pesquisadores, os produtos possuem eficácia, mas ainda são necessários mais estudos e soluções novas que possam dar ânimo ao produtor ao uso desse tipo de defensivo.

“No final da década de 1980 e início de 1990, o Baculovirus anticarsia já era um produto comercial”, lembra o entomologista e pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina (PR), Adeney de Freitas Bueno. “Em todo o País, a utilização chegou a dois milhões de hectares naquela época. Atualmente, o nível de utilização caiu drasticamente, chegando a uma redução de cerca de 90%”.

O grande trunfo da ação do vírus foi justamente o propulsor de sua ruína com o passar dos anos. Ele ataca exclusivamente uma espécie de lagarta, Anticarsia gemmatalis, comumente reconhecida por lagarta da soja. “Sob o ponto de vista do controle de pragas, não há produto melhor, pois este é realmente seletivo. Ataca apenas essa lagarta, deixando ilesas outras espécies que possam atuar como inimigas naturais a demais pragas. Já sob a perspectiva do produtor, era necessário um produto de maior amplo espectro, já que não o alvo não era somente essa espécie, pois haviam mais para serem controladas também”, explica o pesquisador.

A bactéria Bacillus thuringiensis viveu também seu tempo áureo ‘in natura’. Hoje sua expressividade vem do ganho que o código genético dela proporcionou às variedades transgênicas de milho e algodão. Diferentemente de Baculovirus anticarsia, ela é mais generalista e igualmente segura. O ataque se faz justamente em ambientes com pH alcalino, como é o intestino de grande parte dos insetos. “Eles morrem como se fosse de uma úlcera. Como nós temos um intestino de pH ácido, não corremos nenhum risco. O problema todo é que a aplicação tem de ser aérea e o Bt é fotossensível – se destrói facilmente com a luz, o que complica a durabilidade de ação”, diz Bueno.

Por outro lado, o gene da bactéria está presente em plantas geneticamente modificadas, que são capazes de expressar o próprio defensivo na folha com a vantagem de não haver a questão da fotossensibilidade. “Acho um pouco de contrassenso negar essa tecnologia só pelo fato de ser originada de um processo não natural, mas é tão segura quanto o produto que é pulverizado na lavoura”.

Atualmente, estão registrados pelo Mapa 82 produtos qualificados como biológicos, no Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit), dos quais, 16 podem atuar na proteção da cultura da soja.

Novidades no campo

Para Bueno, a tecnologia que deve crescer nesse segmento muito se baseia na aplicação de parasitoides de ovos de insetos, como Trichogramma pretiosum ou Telenomus podisi, duas espécies de pequenas vespas que têm sido eficiente no controle de pragas importantes tanto para a cultura da soja como para a do milho.

Através de liberação do tipo inundativa, no momento adequado, o controle que tem sido averiguado nas pesquisas tem sido satisfatório. Nessa linha de promissores agentes de controle biológico, há também algumas espécies de nematoides entomopatogênicos, ou seja, que causam doenças a insetos. “Realizamos estudos com esses tipos de nematoides de 2005 a 2007”, diz Lúcia Vivan, entomologista e pesquisadora da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), “e agora estamos retornando com essas pesquisas. Anteriormente tínhamos de importar esse material dos Estados Unidos, agora temos o apoio do Instituto Biológico, em São Paulo (SP), que tem reproduzido essas espécies e tem ajudado no estudo do controle ao coró e ao percevejo castanho”.

O alvo das pesquisas têm sido espécies de nematoides das famílias Steinernematidae (Steinernema) e Heterorhabditidae (Heterorhabditis). De acordo com Vivan, eles têm sido produzidos comercialmente e utilizados como agentes de controle biológico contra insetos-praga de solo em habitats críticos em várias partes do mundo. “Estes são encontrados em uma variedade de solos, e as várias espécies e isolados mostram considerável variação em termos de hospedeiro, reprodução, infectividade e condições de sobrevivência. Steinernema carpocapse e outras raças é o nematoide mais testado a campo por ser facilmente criado e apresentar alta infectividade”, afirma a pesquisadora.

Pelo que se tem de informação, essas espécies de vermes podem trabalhar conjuntamente com alguns tipos de bactéria – Steinernema com Xenorhabdus e Heterorhabditis com Photohabdus, por exemplo. Essa parceria oferece a vantagem de o grupo possuir uma grande gama de hospedeiros. “Estes organismos podem matar seus hospedeiros em 48 horas, sendo que o juvenil infectivo penetra no hospedeiro através da boca, ânus e espiráculos [abertura por onde o ar circula] ou por penetração direta através da cutícula. Quando o juvenil infectivo atinge o hemocelo do hospedeiro, ele libera a bactéria que se multiplica rapidamente na hemolinfa”.

Outras vantagens desse tipo de nematoides é que podem ser produzidos in vivo e in vitro, aplicados com pulverizadores padrões e são seguros para humanos e outros organismos não-alvo. Segundo Vivan, até agora não há notícia de efeitos negativos ao meio ambiente e em vários países o registro do produto não é exigido.

A favor da seletividade

A maioria das experiências negativas com os biológicos ocorre pelo fato de as aplicações serem feitas em momentos em que a infestação está em estádio crítico. “Há muitos produtos bons no mercado, mas o erro tem sido na administração”, pondera Vivan. “Quando se faz a aplicação logo no início da infestação de lagartas, o produto poderá surtir efeito. Isso porque a velocidade de ação não é a mesma que de um agroquímico tradicional”.

Outro ponto de extrema importância frisado por Vivan e Bueno é o uso de defensivos que preconizem a seletividade no controle de pragas. O ambiente da lavoura possui, além de espécies consideradas como as pragas, organismos que atuam como predadores de outros agentes que podem ser tornar importantes caso esse primeiro seja eliminado. “Isso ocorre frequentemente com no controle da ferrugem, por exemplo”, diz Vivan. “Se por um lado, resolvemos a questão do fungo causador da doença mais importante para a cultura da soja, por outro, também eliminamos outras espécies de fungos que seriam importantes para controlar outras pragas”.

Para Bueno, uma ideia interessante para o governo poder aplicar é justamente em políticas que possam estimular e facilitar a aprovação de produtos que tenham essa seletividade. Isso vem a facilitar o manejo integrado de pragas e também amenizar a questão do meio ambiente. Desburocratizar a liberação de áreas para a realização dos ensaios de produtos biológicos também estão nessa lista, que também vai influir no maior registro de produtos dessa classificação.

O que há no mercado pra soja

Trichoderma asperellum
Fungicidas microbiológicos à base de outro gênero de fungo habitantes do solo, Trichoderma
spp. (o qual também inclui T. harzianum). Entre suas vantagens estão a capacidade de parasitar outros fungos e de produzir antibióticos, rápido crescimento, produção de clamidósporos (estruturas de resistência) e elevada capacidade de degradar carboidratos estruturais e não estruturais, essas características também possibilitam ao antagonista competir, colonizar e proteger raízes de espécies como o feijoeiro comum, por meio de um fenômeno chamado de rizocompetência. Outra característica desse gênero, menos estudada, é a promoção do crescimento de plantas.

Bacillus thuringiensis
A maioria dos inseticidas biológicos é baseada nessa bactéria que produz um cristal proteico contendo toxinas de propriedade inseticida. As amostras de Bt se mostram eficientes no combate à lagarta-do-cartucho e, com isso, foi desenvolvido um inseticida à base dessa bactéria, que mata principalmente as lagartas jovens, com até quatro dias de vida. O processo de produção é dominado, com testes de produção em larga escala e utilização de insumos de baixo custo. Isso possibilita um custo de produção muito inferior ao de defensivos químicos.

Baculovirus anticarsia
Vírus que controla a lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), sem risco ao homem e ao ambiente. O produto pode eliminar a aplicação de cerca de 1,2 milhão de litros de inseticidas nas lavouras brasileiras. A Embrapa Soja desenvolveu a tecnologia de formulação do produto em pó, o que tem facilitado a aplicação. Outra vantagem é que ele pode ser produzido pelo próprio agricultor. A formulação caseira do Baculovirus pode ser feita através da maceração de lagartas mortas por ele, coletadas onde o produto foi aplicado.

Beauveria bassiana
Dentre os inseticidas microbiológicos existentes, os que apresentam esporos (conídios) desse fungo como ingrediente ativo são muito utilizados e eficientes para o combate de diversas pragas. Essas estruturas podem penetrar em qualquer parte da cutícula do inseto ou pelos aparelhos respiratório e digestivo. O inseto morre em função a multiplicação do agente internamente, podendo se exteriorizar como uma massa branca.


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