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GLIFOSATO - O mal que já assolou a agricultura do País está de volta
rev 163 - setembro 2011

"Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças" - o pensamento é de Charles Robert Darwin (1809-1882), o homem que transformou o jeito de se pensar a ciência responsável pelo estudo dos seres vivos, a Biologia. A teoria apresentada pelo naturalista britânico em 'Origem das Espécies' pode ser vista, na prática, nos campos de produção de soja e trigo em todo País - a questão é que um número crescente de plantas daninhas, capaz de resistir ao controle químico de herbicidas, tem chamado a atenção por ser ter encontrado uma maneira de se adaptar ao veneno a qual as fazia morrer.

No Brasil, a preocupação recai sobre a buva (Conyza bonariensis e Conyza canadensis), o azevém (Lolium multiflorum) classificadas como resistentes, e quatro tolerantes - o leiteiro (Euphorbia heterophylla), corriola ou corda-de-viola (Ipomoea sp.), trapoeraba (Commelina sp.) e a poaia-branca (Richardia brasiliensis). No entanto, ainda há demais plantas que têm merecido a observação em termos de resistência ao controle químico tanto aqui no Brasil como nos demais países produtores de grãos.

De acordo com o pesquisador, Leandro Vargas, especialista em manejo e controle de plantas daninhas da Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS), a unidade de pesquisa tem liderado um projeto desde fevereiro desde ano em conjunto com a Embrapa Soja, Embrapa Milho e Sorgo, Universidade Federal de Pelotas, e a Esalq com objetivo de identificar, mapear e monitorar as áreas com resistência no Brasil. "Na safra de soja de 2010/2011 foram avaliados na Embrapa Trigo mais de 100 casos de suspeita de resistência, sendo 64 casos de suspeita de resistência em leiteiro; nove casos de suspeita em buva, cinco casos de suspeita em azevém e 25 casos de suspeita em capim pé-de-galinha. Todas as amostras (casos) de azevém e buva foram positivos para resistência. Já os testes com leiteiro e pé-de-galinha foram todos negativos, indicando que os casos avaliados se tratavam de falhas de controle e não resistência. Para controle eficiente dessas espécies deve-se observar o estádio vegetativo da planta daninha e a dose indicada na bula do produto", afirma.

Pela porta dos fundos

O problema todo incide no uso mais do que maciço de um único princípio ativo - o glifosato. O produto foi disposto aos agricultores brasileiros em meados dos anos de 1970 e foi muito aplicado como dessecante no período de entressafra, no sistema de semeadura direta, assim como em áreas não cultivadas, como pomares e reflorestamentos. A opção pelo herbicida cresceu ainda mais com a entrada oficial em 2005 da soja transgênica que possui tolerância ao glifosato.

No entanto, a cultivar já era utilizada desde meados de 1995, vinda clandestinamente da Argentina, país onde a tecnologia já era permitida, segundo Vargas. "Antes mesmo da soja RR [Roundup Ready] ser oficializada comercialmente já havia casos de resistência a plantas daninhas, mas os produtores não chegaram a alertar". Os dois primeiros casos de resistência ao produto no Brasil foram identificados no Rio Grande do Sul, com o azevém em 2003 e a buva em 2005.

O fato é que a tecnologia da soja transgênica, que permite o uso do glifosato em pós-emergência da soja sem afetar a cultura, significou para os produtores a oportunidade de controlar as plantas daninhas de forma fácil, eficiente e com relativo baixo custo. A rede de estudos, a qual o pesquisador da Embrapa Trigo faz parte, estima que há casos em que o custo com herbicida foi reduzido em mais de 80%, o que viabilizou o cultivo da oleaginosa em alguns anos como em 2005. Para a comunidade científica, essa tecnologia apresentou-se como uma importante alternativa para incrementar o manejo das plantas daninhas, como o leiteiro e o picão-preto (Bidens pilosa) resistentes ao imazaquin.

Em termos gerais, os herbicidas possuem diversas classificações e atuam em pontos específicos da planta - lá, promovem alterações nas rotas metabólicas do organismo (grosso modo, eles afetam a alimentação do vegetal, que acaba morrendo de fome).

A tecnologia da soja transgênica foi aceita e recomendada pela comunidade científica e adotada rapidamente pelos produtores. Entretanto, todos foram pegos de surpresa com a rápida seleção de espécies daninhas em resposta ao uso repetido do glifosato. A pressão de infestação dessas invasoras foi aumentando gradativamente ajudadas por fatores como, o cultivo do milho na safrinha sem o uso de herbicidas ou pelo uso de subdoses, pela própria movimentação das colheitadeiras que se configuraram como importantes agentes de disseminação, e pelo próprio agravamento do problema da resistência.

Histórico de resistência

O capítulo de se escreve atualmente para a produção agrícola brasileira já ocorreu anteriormente, só que com outros personagens. O Capim-marmelada e o leiteiro, por exemplo, foram os de grandes problemas que ocorreram nas lavouras de soja no início dos anos de 1980. Na época foram lançados herbicidas de dois grupos químicos.

Chegou-se a ouvir que o problema tinha definitivamente acabado. No entanto, biótipos de leiteiro, picão-preto e capim-marmelada resistentes foram selecionados e se dispersaram pelas lavouras em consequência do uso contínuo desses produtos.

Em meados dos anos de 1990, essas mesmas espécies, através de biotipo resistentes, trouxeram novamente grandes transtornos aos agricultores brasileiros. "A pressão de infestação das plantas daninhas foi aumentando gradativamente ajudadas por fatores como, o cultivo do milho na safrinha sem o uso de herbicidas ou pelo uso de subdoses, pelas colhedeiras que são importantes agentes de disseminação, e pelo próprio agravamento do problema da resistência", explica Dionísio Grazziero, pesquisador da Embrapa Soja e também especialista em manejo com plantas daninhas.

No início de 2000, a presença das infestantes nas áreas de produção era semelhante ou pior que nos anos de 1980. Outras mais espécies entrariam na lista de resistência ao controle químico no Estado do Paraná, a exemplo da nabiça, da losna-branca, do capim-colchão e do capim-pé-de-galinha. Até biótipos de picão-preto resistentes de nível baixo a atrazina foram encontrados no milho safrinha.

"É corrente a afirmação de que herbicidas não causam resistência, mas selecionam os biótipos resistentes, que existem na natureza. O uso continuado de produtos com o mesmo mecanismo de ação elimina os indivíduos suscetíveis, e deixam sobreviver os resistentes, cuja população com o tempo passa a dominar área", afirma Grazziero.

Manejo integrado

Mesmo que existam soluções técnicas comprovadamente eficientes, como foi o caso do cultivo do trigo ou da aveia que, associados com o uso de alguns produtos na cultura e na pós-colheita, desempenharam papel fundamental no controle da buva, a rotação de culturas, rotação de mecanismos de ação, integração de métodos de controle e limpeza das máquinas tornaram-se também ações que podem ajudar na prevenção e no manejo integrado das plantas resistentes. "Não podemos esquecer que muitas espécies aproveitam os períodos de pousios na entressafra para se multiplicar. E é justamente na entressafra que temos uma grande oportunidade para manejar as plantas e reduzir seu banco de sementes", atesta Grazziero.

No que se refere ao controle químico, o impacto da seleção de espécies está intimamente ligado ao custo de produção, já que o produtor terá de utilizar outros herbicidas na área, normalmente com custo superior ao do glifosato e com menor eficiência, resultando em maior gasto com herbicida, menor controle e perdas na produção. O custo de herbicidas graminicida susbtitutos é de aproximadamente dez vezes maior, e de herbicidas de folhas largas pode variar de duas a oito vezes o custo do glifosato.

Recomendações gerais

Nas áreas onde ocorrem plantas resistentes recomenda-se:
a) não usar, mais do que duas vezes seguidas na mesma área, herbicidas com o mesmo mecanismo de ação;
b) implantar um sistema de rotação de mecanismos de ação de herbicidas eficazes sobre as espécies-problema;
c) Após a aplicação do herbicida, as plantas que sobreviverem devem ser arrancadas, capinadas, roçadas, ou seja, controladas de alguma forma para evitar a produção e disseminação de sementes na área;
d) implantar programa de rotação de culturas. A rotação de culturas oportuniza a utilização de um número maior de mecanismos de ação herbicidas;
e) limpar máquinas e equipamentos para evitar a disseminação das plantas daninhas resistente. Cuidados especiais devem ser adotados nos condomínios agrícolas, onde as máquinas são usadas de forma comunitária.

Buva

De forma geral recomenda-se que o manejo de buva resistente ao glifosato seja realizado continuamente e com ações comunitárias como a eliminação de plantas que crescem nas margens de estradas, pois suas minúsculas sementes disseminam-se pelo vento com muita facilidade.

Aproveitar as oportunidades de manejo de buva (no inverno, na dessecação pré-semeadura e controle ou catação na pós-emergência da cultura de verão) é fundamental para ter sucesso no controle.

No Rio Grande do Sul, o cultivo da área com trigo, centeio ou aveia diminui o número de daninhas quando comparado com áreas não cultivadas, deixadas em pousio. A implantação de culturas que permitam a colheita de grãos, como trigo ou espécies que possam ser utilizadas somente para cobertura do solo, como aveia, ervilhaca ou nabo forrageiro, entre outras são boas alternativas.

A Brachiaria ruziziensis também é uma boa opção para regiões mais quentes como Paraná, e o seu uso pode ser feito no sistema lavoura-pecuária, junto com o milho safrinha ou mesmo apenas para ocupação de área e formação de cobertura morta.

A associação do efeito supressor das culturas com uso de herbicidas proporciona controle satisfatório de buva, na maioria dos casos. Os herbicidas usados na cultura do trigo, como iodosulfurom, metsulfurom e o 2,4-D controlam buva, mas seu uso deve atender as recomendações de uso para a cultura e para a planta daninha com relação ao estágio, época de aplicação e dose [confira a tabela 'Alternativas de herbicidas para uso em um programa de controle químico de buva resistente e sensível ao glifosato'].

Azevém

São muitos os casos de falhas no controle do azevém antes da semeadura do milho e da soja. O controle dos biótipos de azevém resistentes ao glifosato, de forma geral, é obtido com uso dos herbicidas graminicidas "fops" e "dims" [confira a tabela 'Herbicidas graminicidas e não-seletivos que controlam azevém resistente e sensível ao glifosato]. Na cultura do milho, as triazinas e o nicosulfuron, entre outros, são boas alternativas de controle do azevém.

É importante o planejamento do controle antes da semeadura (15 a 20 dias antes da semeadura da soja) de forma a permitir o controle do azevém em tempo suficiente para evitar os efeitos negativos da competição sobre a cultura. Além disso, em caso de uso de graminicidas, deve-se levar em consideração que alguns deles possuem efeito residual e podem afetar culturas como o milho, o trigo e a cevada.

Vale destacar que alguns herbicidas graminicidas podem apresentar residual de solo e afetar cultura como milho, trigo e cevada. Para evitar problemas deve-se respeitar os períodos de carência recomendados.

Capim-amargoso

O controle de biótipos resistentes envolve o uso de graminicidas pós-emergentes e alguns herbicidas que atuam como pré-emergentes. Quando ocorre durante o desenvolvimento da cultura da soja, o fechamento das entrelinhas mostrou ser um grande auxiliar na ação dos herbicidas. Plantas adultas que se desenvolvem na entressafra são difíceis de serem controladas. Assim, o maior risco está em se tentar o controle de plantas já desenvolvidas, pois requerem altas doses e aplicações sequenciais com intervalos de 25 a 30 dias.

Não são raros os casos de rebrota, o que reforça a importância da eliminação das plantas novas. A integração do controle mecânico com o químico pode trazer resultados em plantas desenvolvidas, mas em grandes áreas essa alternativa tem baixo rendimento, é onerosa, e de pouca viabilidade prática. Quando cortadas após a passagem da automotriz, as touceras devem ser tratadas com herbicidas cerca de 15 a 20 dias após.


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