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MIRTILO - As pequenas poderosas
rev 162 - agosto 2011

Na região de Vacaria, no Rio Grande do Sul, as pequenas frutas têm tido papel fundamental no desenvolvimento e sustentabilidade da agricultura familiar.

Amora, framboesa, morango e mirtilo, essas são as pequenas frutas que tem ajudado a transformar a realidade socioeconômica dos pequenos agricultores em Vacaria, em Campos de Cima da Serra (Rio Grande do Sul). A princípio, o cultivo desses frutos, também conhecidas como frutas vermelhas ou berries, foi uma solução para evitar o êxodo rural, principalmente dos mais jovens, que ficaram na região e encontraram nesses pomares uma oportunidade para melhorar de vida.

Essa história começou em 1990, com a introdução da amora-preta, com, aproximadamente, o trabalho de uma dúzia de produtores. Hoje, na região de Grande Vacaria, são mais de 300 famílias envolvidas na produção. Mais de 110 delas estão representadas pela Associação dos Produtores de Pequenas Frutas de Vacaria, a Appefrutas, existente há quatro anos e dirigida atualmente por Jair de Souza Vargas. "A maioria dos agricultores familiares buscava uma alternativa de renda para permanecer no meio rural. Tradicionalmente, tínhamos a pecuária e pequenos campos de grãos, que foram se inviabilizando. Foi neste cenário que surgiram os primeiros pomares, que se aperfeiçoaram e fizeram com que a região se tornasse referência tanto na amora, quanto nas demais outras frutas", conta o presidente da entidade.

A família de Jair de Souza iniciou o cultivo da amora-preta em 1997 e a partir de 2001 conseguiu o contrato com uma indústria que absorveria sua produção. Foi daí que houve o interesse em diversificar a produção. Em 2003, com o mirtilo e, cerca de três ou quatro anos depois, com a framboesa. Ele conta que, individualmente, ter capacidade de negociar volume e preço com os compradores não era uma tarefa fácil e que foi com o estabelecimento da associação que foi possível melhorar a comércio e o próprio desenvolvimento da atividade. "A agricultura familiar precisava dessa força. Desde o início priorizamos organização e qualificação. Buscamos geralmente nos núcleos o aperfeiçoamento desde a produção, passando pela poda e manejo, pós-colheita, transporte e armazenagem. Enfim, todos os cuidados para que chegue uma fruta de qualidade no mercado", destaca. Para isso, cursos são realizados durante o ano e a entidade trabalha em conjunto com a prefeitura local, sindicatos, com o Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas Empresas (Sebrae) e com a Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-ASCAR).

Nos últimos dois anos, os produtores têm buscado aperfeiçoamento em processos industriais para aumentar a renda e agregar valor à produção com os produtos processados. "No final do ano passado, surgiu a iniciativa de formarmos uma cooperativa, a Coopefrutas. Com ela, será possível colocarmos no mercado itens como sucos, congelados, polpas e geleias. Trata-se de uma nova exploração, uma alternativa para o consumidor que busca produtos saudáveis e diferenciados. Acreditamos na expansão do potencial dessas frutas em todo o Brasil", resume Jair, lembrando dos benefícios que elas trazem à saúde, principalmente por conta da presença de antioxidantes e outros compostos de interesse nutricional.

O exemplo e os desafios de Vacaria

Para o pesquisador Alexandre Hoffmann, supervisor de Comunicação e Negócios da Embrapa Uva e Vinho, não há dúvida de que as berries sejam uma boa notícia no panorama agrícola nacional, apesar da produção ainda ser pequena e recente. Entretanto, o fato é que elas proporcionam elevada renda por unidade de área e exigem intensa mão de obra, o que as caracterizam como apropriadas para a sustentabilidade da agricultura familiar. "E Vacaria é um dos melhores exemplos desta realidade. Os produtores tiveram de superar várias barreiras, em especial, de cunho tecnológico e de mercado. Produzir foi o primeiro entrave e, atualmente, o desafio é a comercialização, já que o número de fruticultores e a oferta de produto no mercado se ampliaram expressivamente nos últimos anos", diz.

Segundo ele, apesar do interesse do consumidor, o mercado ainda precisa ser desenvolvido para estimular a compra, especialmente com o apelo dos benefícios para a saúde. "Mas os ganhos têm sido significativos, tanto na renda do produtor quanto na sua especialização e domínio do manejo com a lavoura. Outros avanços importantes têm sido a qualificação de técnicos, o envolvimento com os pesquisadores e a promoção de eventos, tais como o Seminário Brasileiro sobre Pequenas Frutas, realizado a cada dois anos, no município, com a parceria de diversas instituições, tais como Emater, Prefeitura Municipal e Universidade de Caxias do Sul (UCS), além de dias de campo, palestras, seminários e outros eventos. Merece ainda destaque a própria Apperfrutas, que tem permitido a organização da cadeia e que contribui significativamente para a sustentabilidade da atividade".

Com exceção do morango, as pequenas frutas são espécies novas para o Brasil e isso implica em desafios a serem vencidos. "Dentre eles estão a definição de cultivares, ajuste do sistema de produção, tecnologia de colheita e pós-colheita, registro de produtos para controle de pragas e doenças", explica Hoffmann. Para ele, é exatamente ai que entra a contribuição da Embrapa. O trabalho é desenvolvido pelas unidades Clima Temperado e Uva e Vinho, sendo que esta segunda mantém no município uma estação experimental que, entre outras culturas, desenvolve tecnologias para essas frutas. "O mirtilo é uma das espécies do grupo que mais tem chamado a atenção, pela oportunidade de retorno financeiro, como também pela oferta de um produto pelo qual o mercado tem grande interesse. Para esse fruto, nosso trabalho tem sido centrado na avaliação e indicação de cultivares, definição de manejo do solo e adubação, bem como em estudos de pós-colheita", frisa. A unidade desenvolve ações de melhoramento genético para futura criação de cultivares.

Assim como Jair de Souza, Alexandre Hoffmann também acredita que o potencial de demanda é grande e crescente, tanto na forma in natura quanto de processados. "Mas o mercado precisa ser ampliado e, neste sentido, é essencial dar atenção às campanhas de promoção e eventos com a mesma finalidade, nos quais a Embrapa Uva e Vinho contribui com informações tecnológicas que subsidiam a divulgação das vantagens do consumo dessas frutas. Um grande passo neste sentido refere-se à Feira de Pequenas Frutas e à do Artesanato e Mel, que projeta não somente o município de Vacaria, como também as frutas e seus benefícios", exemplifica.

Lado a lado com a associação, também está a Emater, que tem procurado discutir alternativas de mercado e atualizar os fruticultores na questão de manejo dos pomares, dando grande ênfase para a produção limpa e à questão de boas práticas agrícolas, conforme aponta o engenheiro agrônomo Eduardo Pagot. "Todos os processos que envolvem essas culturas tão delicadas exigem o máximo de atenção. Um dos principais pontos do trabalho atual é capacitar e qualificar pessoas para fazer a gestão da nova cooperativa e da agroindústria e de todo o processo gerencial desse empreendimento. Esperamos e vamos fazer o possível para que ela se transforme em um grande canal de comercialização para os produtores familiares ao mesmo tempo vemos que a iniciativa privada está interessada nas frutas da região", diz.

Apostas no mirtilo

Apesar de uma empresa de capital italiano e brasileiro realizar o plantio do mirtilo desde o início da década de 1990, foi só a cerca de quatro anos que os pomares da região se expandiram. O que significa que eles ainda não atingiram idade adulta, ou seja, a produtividade máxima. "Eles estão em processo de crescimento. O mirtilo tem um custo de implantação mais alto e a dificuldade de produção de mudas também é maior que das outras frutas. É uma cultura para a qual acreditamos na manutenção de área e até mesmo um pequeno acréscimo. Temos empresas chilenas importando-o, mas a dificuldade dos produtores é distribuí-lo para os grandes centros urbanos. O mirtilo pega carona na logística do morango e vale lembrar que de todas as pequenas frutas, ele é o que tem melhor pós-colheita e chega a durar mais de 20 dias em câmera fria", salienta.

De acordo com Pagot, atualmente, em Vacaria, existem dois viveiros de produção de mudas bem instalados e excelente tecnologia. No início se importava muito material in vitro do Uruguai, que tem uma estrutura forte no desenvolvimento de mirtilo. "São grandes empresas que exportam pros Estados Unidos e Europa e que hoje veem o mercado brasileiro como potencial".

A pesquisadora Andrea de Rossi Rufato, da Estação Experimental de Fruticultura Temperada da Embrapa Uva e Vinho, fala que para o estabelecimento do pomar de mirtileiro, é importante que se escolha uma área onde o pH do solo seja baixo. "O ideal é que ele varie de 4,2 a 5,5. Se a área tiver pH maior que 5,5, pode-se diminuí-lo com o emprego de enxofre; porém, essa aplicação deve ser realizada no mínimo um ano antes do plantio. Para se obterem resultados satisfatórios em termos produtivos e de qualidade dos frutos, recomenda-se ter um sistema de irrigação desde que o começo do pomar de mirtilo", descreve.

Em termos de doenças na região dos Campos de Cima da Serra, Andrea Rufato e os pesquisadores Régis Sivori Silva dos Santos e Silvio André Meirelles Alves destacam que tem-se observado a ocorrência de Pestalotia sp., ferrugem do mirtilo (Pucciniastrum vaccinii) e Alternaria sp. "Esses agentes causadores de doenças podem, em ataques severos, causar desfolhamento precoce da planta, comprometendo a produção. A Alternaria pode causar podridão em frutos. No caso de pragas, é fundamental o controle inicial de formigas cortadeiras, que podem, em poucas horas, danificar as mudas que possuem pouca área foliar. Além disso, a abelha irapuá tem causado danos expressivos nas flores de mirtilo, podendo causar abortamento de flores. Na região dos Campos de Cima da Serra, tem-se observado a ocorrência de corós nas áreas com mirtilo. Esses insetos não têm o hábito de se alimentar da planta de mirtilo, portanto, é recomendado se faça o plantio de alguma gramínea nas entrelinhas do pomar, que servirão de isca para os corós", finaliza.

Seminário Brasileiro sobre Pequenas Frutas

Um dos principais eventos nacionais de atualização técnica sobre o cultivo das chamadas pequenas frutas, frutas vermelhas ou berries, como são conhecidas em inglês, o Seminário Brasileiro sobre Pequenas Frutas terá a sua sexta edição nos dias 14 e 15 de julho, em Vacaria, no Centro de Eventos Bortolon. A promoção conjunta é da Embrapa Uva e Vinho, Embrapa Clima Temperado, Emater-RS/Ascar, Prefeitura Municipal de Vacaria, Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


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