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FRUTAS - Porque é que são tão doce?
rev 156 - fevereiro 2011

Na região do Vale do São Francisco, mais precisamente nas cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), o desenvolvimento econômico já é uma realidade. Graças a sistemas de irrigação, a partir das águas do Velho Chico, assim como é conhecido o rio São Francisco, a fruticultura impulsionou fortemente o desenvolvimento dessas duas cidades. A manga e uva são as responsáveis por isso - uma produção em grande quantidade e qualidade de dar água na boca, tanto é que o Vale é o maior exportador do País dessas duas frutas. No ano passado, do total de embarques de manga feitos a mercados como os Estados Unidos (EUA) e Europa, 79%, ou um pouco mais de 99 toneladas (t), vieram da dessa região do Nordeste. E no caso da uva, as exportações do Vale representaram 99%, ou 60,7 t, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) - ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) - e do Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf).

E o que explicaria essa tamanha expressividade na área de fruticultura no Nordeste? A resposta está justamente nas condições de clima favoráveis da região do Vale. "Nós temos uma característica favorável ambiental, em função de uma condição climática de alta temperatura e baixa umidade", explica Maria Auxiliadora Coelho Lima, especialista em pós-colheita de manga e uva e pesquisadora da Embrapa Semiárido, localizada em Petrolina (PE). "Essa alta temperatura favorece que os frutos acumulem um maior teor de açúcares, ao mesmo tempo em que baixam o nível de acidez (ácidos orgânicos) do alimento, e isso melhora o sabor da fruta, tornando-a mais doce e menos ácida".

Já em relação à baixa umidade, Lima destaca que essa característica garante uma condição interessante ao manejo fitossanitário, pelo fato de não haver favorecimento de disseminação de fungos. "Numa situação contrária, em condições de alta umidade há crescimento de fungos, que dificultam o controle de doenças no campo, e cada vez que uma doença se instala, muitas vezes ela afeta diretamente a fruta".

Para Jorge Noronha, coordenador técnico do Distrito de Irrigação Nilo Coelho (DINC) - órgão que atua no auxílio a pequenos e médios produtores em Petrolina - fatores como o baixo índice pluviométrico (chuvas), a possibilidade de controle sobre fornecimento de água (irrigação) e a alta luminosidade também são componentes que explicam a qualidade dos frutos.

Já no quesito de manejo das duas culturas, Noronha aponta que não há muitos mistérios em função de todo um apoio técnico que está a serviço dos fruticultores da região. "A pesquisa realizada pela Embrapa e a assistência técnica disponibilizada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) repassam a esses produtores tudo o que for necessário. A dificuldade maior é na prática de política agrícola a ser definida, como planejamento de safra x mercado, oscilações de preços, fatores climáticos adversos e falta de mão de obra qualificada para a cultura da uva", aponta.

Variedades coloridas

A maior demanda no mercado de frutas é o externo. Do total de mangas produzidas no Vale, 70% são exportados e os 30% restantes são comercializados aqui no País. Já a produção de uva destina 80% para fora e os 20% que sobram são consumidos aqui. Em função do cliente desse tipo de alimento ser estrangeiro, e por isso, mais exigente, a seleção dos frutos também deve ser. "Atualmente, a questão da coloração da manga tem sido uma questão fundamental", destaca o produtor de manga e também consultor técnico, Manoel Elizeu Alves. "Hoje o fruto da manga não tem mais como não ser colorido. Para isso há variedades e manejos para garantir a captação maior de luz para melhorar essa coloração. A parte de nutrição da planta também é responsável por essa coloração, mas especialmente a luz solar é fundamental para isso", atesta.

Entre as variedades mais difundidas na região estão, no caso das uvas, Festival Seedless, Thompson Seedless, Crimson Seedless, Itália, Benitaka, Red Globe, Brasil e Itália Melhorada. Já a cultura de manga tem como representes a Tommy Atkins, Kent, Keith, Haden e Palmer.

"Quando se fala em coloração, falamos de um grupo de substâncias, de compostos que são produzidos e que dão essa cor, e quando falamos do sabor, tem elementos, os açúcares, que são muito importantes. Desse modo, há dois mecanismos que atuam separadamente, mas que têm um vínculo com a luz", esclarece a pesquisadora da Embrapa Semiárido.

Luz, só pra pegar uma 'corzinha'

A alta temperatura gera uma tendência dos frutos acumularem mais açúcares além de sintetizarem mais pigmentos, em especial, o vermelho, como é o caso da variedade mais produzida, a Tommy Atkins. "Mas quando se fala de alta temperatura, isso é até um certo limite, como tudo demais estraga, então, ela em excesso pode causar prejuízos", alerta Lima.

A manga, por exemplo, requer essa luz, principalmente as variedades que tem a coloração vermelha pra poder sintetizar esse pigmento. Entretanto, se a fruta ficar exposta nos períodos mais quentes do ano, que lá vão de setembro a dezembro, isso poderá causar a queima da casca - segundo a pesquisadora, temperaturas acima de 35° já podem influir negativamente na produção, se não houver o cuidado do produtor.

O manejo tem de se dar em dois aspectos o de se expor à luz e também o de se proteger dela. "Então o produtor precisa expor o fruto, tirar a folhagem para haver esse fornecimento de luz, para se promover a coloração na casca. Assim que essa pigmentação estiver bem aparente, é preciso proteger as frutas", diz.

No caso da manga, uma medida interessante é a pulverização de cal diluída nos frutos, criando uma barreira que irá protegê-los. O fato da casca ser grossa e espessa permite esse tipo de manejo. Já no caso das uvas, que possuem cascas mais frágeis, o ideal é que essa proteção seja feita com um saco de papel, encobrindo o cacho, ou mesmo utilizar o que pode se chamar de "chapéu chinês", uma pequena cobertura que irá por cima do cacho, e pode ser feita a partir de um plástico mais firme.

Períodos chuvosos

Pode ser uma região com baixa umidade, mas há épocas de chuva também - e bem concentradas, segundo Lima. A região que compreende Petrolina e Juazeiro chega a registrar 540 milímetros anuais. Esse nível de pluviosidade ocorre frequentemente ao longo de dezembro a março - mais intensamente a partir de janeiro.

Nesse sentido, as frutas produzidas nesse período requerem um cuidado maior para o controle de doenças e possíveis pragas. "Muitas vezes são fungos e, em outros casos, também podem ser bactérias, e isso pode causar até perdas grandes na produção", alerta a pesquisadora. "Sem um manejo adequado há dano superficial, em função de fungos se desenvolverem sobre as frutas, causando manchas, e daí, desprestigiando o fruto comercialmente. Em alguns casos o dano pode ser tão sério que causa o apodrecimento da fruta".

No Vale do São Francisco diversos problemas fitossanitários podem afetar a cultura da uva, provocados pelo ataque de insetos e pela infestação de doenças causadas por fungos, bactérias e vírus, de acordo com Noronha. "Entretanto, as maiores preocupações estão relacionadas às doenças como míldio (Plasmopora viticola), oídio (Uncinula necator) e cancro bacteriano (Xanthomonas campestris pv. vitícola) que é uma praga quarentenária presente na região", enumera o coordenador técnico do DINC. Para ambas as culturas, de manga e uva, um problema característico é a mosca-das-frutas (Ceratitis capitata).

Manejo integrado e de qualidade

Para lidar corretamente com as pragas e doenças e não prejudicar os frutos, a ação integrada entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), juntamente com a Codevasf, órgãos como o DINC e empresas exportadoras de frutas na região, vem permitindo um controle bem efetivo no que se refere a fitossanidade da produção. "É feito um tipo de controle a partir de um manejo integrado para o controle de pragas e doenças, com o acompanhamento de órgãos oficiais, que exigem e dão orientações da produção, para não se fazer aplicações desregradas, muito porque o mercado consumidor, principalmente o internacional não comporta receber produtos com problemas", conta Alves.

Uma medida importante é o pré-cozimento das frutas para evitar o transporte ou mesmo transferência de larva de mosca-das-frutas aos países compradores. O beneficiamento é feito por grandes produtores de frutas lá da região.

Além de garantir a segurança dos alimentos, um bom manejo reflete em frutas de maior qualidade. Nesse aspecto estão a forma de cultivo e a escolha da variedade mais adequada à região ser estabelecida. "Muitas vezes você não tem uma fruta de qualidade porque a variedade escolhida para plantá-la não se adapta a condição ambiental do lugar", diz Lima. "Então você tem uma fruta pequena, que não se desenvolve bem, ou você tem uma praga que ocorre com muita frequência e causa danos à fruta. Muitas vezes falamos de sabor, de uma fruta mais doce, mas também de uma fruta com um teor de vitamina C mais alto, um teor de alguns pigmentos que são convertidos em vitamina A quando são consumidos e algumas condições que favorecem a produção desses compostos, dessas vitaminas", acrescenta.

Outras questões que podem influir na qualidade são também o tipo de poda que se adota, o número de frutos deixados na planta, pois, se há uma carga excessiva, os frutos não se desenvolvem bem, não chegando a atingir o padrão comercial.

"Então costumamos dizer que qualidade é uma soma de fatores, voltada para a aparência do fruto, onde você tem cor, formato, tamanho, peso, presença de manchas como componentes importantes da aparência; qualidade voltada para o sabor, e aí são os açúcares, os ácidos; e tem a parte nutricional também, que são os componentes voltados para a área de alimentação", conclui a pesquisadora.


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