No
entanto, para que essa proteína chegue até aos
açougues, em grande quantidade e qualidade e de lá
até a mesa do consumidor, há um longo caminho
a ser percorrido. E é nos laboratórios que tudo
começa, com a saída das doses de sêmen
de touros para o melhoramento do rebanho.
Há cerca de 20 anos, um animal era abatido quando atingia
a idade de cinco a seis anos. Hoje, graças às
constantes pesquisas, é possível abater um boi
"perfeito" dentro de um prazo de um ano e meio.
O gado ficou mais pesado, mais fértil e mais precoce.
E quanto mais cedo é o abate, melhor é a probabilidade
da qualidade da carne. Mas, será que somente a ferramenta
do melhoramento genético trouxe 100% a totalidade destes
resultados?
Os especialistas são unânimes ao afirmar que
uma série de melhorias genéticas, nutricionais
e sanitárias auxiliam no processo de uma excelente
produção. Entretanto, continuará a existir
trabalhos clássicos de seleção e cruzamento
cada vez mais apoiados em ferramentas da genômica. "Os
marcadores moleculares, por exemplo, permitem agilizar a identificação
de animais desde o seu nascimento. Ele auxilia o criador a
tomar decisões rápidas e em um curto espaço
de tempo. Porém, ele não substitui as ferramentas
já utilizadas pelo pecuarista no campo, pois individualmente
cada animal tem suas características genotípicas,
que condicionam animais com maior marmoreio, mais qualidade
de carne, maior ganho de peso, atributos que conferem melhores
resultados para os produtores", esclarece Pablo Paiva,
médico veterinário e gerente da Pfizer Genética
Animal do Brasil. Aliás, recentemente, a empresa anunciou
a entrada no campo de genética bovina. A princípio,
os marcadores da Pfizer estão direcionados para zebuínos
da raça Nelore e estão em fase de testes. Um
dos focos da companhia é, além do melhoramento
genético das gerações, identificar e
selecionar animais sexualmente precoces.
Paiva também lembra que de nada adianta ter todos os
aparatos tecnológicos, já que vários
outros fatores caminham juntos, tais como a influência
do ambiente no qual vive o animal, manejo, condições
sanitárias e nutricionais. "Tudo isso contribui
para que o rebanho possa expressar todo o seu potencial genético",
ressalta.
E quando o assunto são os fatores relacionados ao sabor
da carne? "Características como, palatabilidade,
suculência e mastigabilidade têm uma relação
mais próxima de fatores ambientais. Para obter um produto
de qualidade, tudo dependerá de criação,
manejo nutricional, pré e pós-abate", responde
Luis Artur Loyola Chardulo, professor da Unesp de Botucatu
(SP). Segundo o pesquisador Rymer Ramiz Tullio, da Embrapa
Pecuária Sudeste, localizada em São Carlos (SP),
além disso, vários outros itens podem influenciar
quanto ao sabor da carne. "Tais como o teor de gordura,
a capa na parte externa do músculo do animal ou aquela
conhecida quanto à questão ao marmoreio, a gordura
intramuscular que propicia uma carne mais macia e saborosa
e ainda a possibilidade desta carne em reter líquido,
ficar bem suculenta. Sem esses atribuídos, não
há como garantir um bom produto", conta. "Além
disso, há outras interferências externas, como
o manejo pré e pós-abate, até como o
preparo da carne até à mesa. Logicamente, os
animais com pré-disposição genética
favorecem esses atributos que tanto o mercado procura",
reforça o pesquisador .
Diante destas questões e em busca de respostas, desde
1993 começaram as pesquisas com os cruzamentos. Porém,
somente agora eles tiveram mais ênfase na carne de qualidade.
O estudo denominado "Carne bovina de qualidade",
que tem o nome fantasia "Bifequali" (que seria "bife
de qualidade"), liderado pela Embrapa Pecuária
Sudeste não se limita à produção
no pasto. A proposta chega ao frigorífico e ao consumidor,
com os cortes de carnes sendo analisados no sabor, maciez,
localização e teor de gordura, cor, textura,
entre outros fatores que possam contribuir para um produto
de primeira. "Nosso projeto tem como objetivo propor
dois caminhos: um é a avaliação de animais
da raça Nelore e o segundo com raças cruzadas.
Com o Nelore, estamos no meio do caminho, avaliando a eficiência
alimentar da raça, estudando todas as linhagens existentes
no País. Além disso, procuramos a genética
e obtenção de maciez, nos abates e exigência
de animais com gordura entremeada (mamoreio) para o abate.
Neste projeto, a avaliação genética será
realizada nos Estados Unidos, junto com outros colaboradores",
frisa.
O projeto liderado pela Embrapa Pecuária Sudeste tem
a participação importante de pesquisadores das
Embrapas Pecuária Sul (Bagé/RS), Gado de Corte
(Campo Grande/MS), Recursos Genéticos e Biotecnologia
(Brasília/DF), Informática Agropecuária
(Campinas/SP), Meio Norte (Teresina/PI), e de outros órgãos
de pesquisa como o Instituto de Zootecnia (IZ), da Secretaria
da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo,
em Nova Odessa e Sertãozinho (SP), a Escola Superior
de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), em Piracicaba
(SP), a Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias
da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal
(SP), e a Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus
(BA). "Um outro trabalho é com as raças
europeias adaptadas avaliando o desempenho de cruzamentos,
para se obter animais produtivos - adaptados às condições
tropicais e subtropicais - precoces e produtores de carne
de boa qualidade. Há um trabalho existente no Sul do
País com as raças Angus, Hereford e Caracu.
No Norte do País, é a raça Curraleiro.
No Sudeste o trabalho é voltado para o Angus, Senepol,
Bonsmara e Simental. No Centro-Oeste a direção
dos trabalhos são as raças Angus, Caracu e Valdostana
(essa originária da Itália). Todos os trabalhos
envolvem o Nelore, raça base das nossas pesquisas,
visando sempre a qualidade da carne", pontua.
Em busca do melhor
No caminho das pesquisas, especialistas discutem como encontrar
o caminho perfeito para a carne tão desejada. "Recentemente,
em conversa com frigoríficos, eles solicitaram todas
as tecnologias relacionadas à carne, desde avaliação
genética. Para este elo da cadeia é muito importante
ter volume e genética de animais cada vez mais jovens",
diz Paiva.
O trabalho, afirmam os pesquisadores, envolve toda a cadeia
produtiva. "Um estudo que fizemos em 800 carcaças
em uma planta industrial, usamos as características
como parâmetros de carcaça, como A, B, C, relacionado
a idade, conformação e abate. Foi identificado
que 18,71% da carne exportada para Europa tinha maciez inadequada,
ou seja, era carne dura. Então veja a ferramenta de
classificação chega a margem de erro de 20%",
conta Chardulo.
Dentro deste contexto, a maciez é questionável.
"Ela é uma das principais características
desejada pelo consumidor. De dez itens solicitados na qualidade
da carne, cinco, sem dúvida, é quanto à
questão da sua maciez", menciona o professor.
As novas exigências do consumidor - tanto no Brasil
como nos mais de 150 países aos quais o Brasil exporta
- implicam em melhorias na alimentação dos animais,
na sanidade, no importante fator genético (racial),
escolha de raças e cruzamentos, o bem estar animal,
boas práticas agropecuárias, entre outras. A
proposta, segundo o pesquisador da Embrapa, é até
o final do ano disponibilizar uma cartilha destinada ao pecuarista
com a intenção de ensiná-lo a produzir
uma carne de boa qualidade. "O foco será conseguir
abater animais entre 12 e 14 meses dentro de um sistema de
manejo. Nós, teremos várias opções
para o produtor e, peso e qualidade. Além disso, há
uma preocupação quanto ao transporte e o frigorífico
com refrigeração, o que garante pouca interferência
na alteração do PH, que interfere na cor da
carne. Nesse caso, cada elo da cadeia tem de fazer a sua parte",
comenta o pesquisador.
Já na opinião de Argeu Silveira, médico
veterinário e responsável técnico do
Programa Genética Aditiva, empresa que atua no segmento
de melhoramento genético, as pessoas necessitam de
informação de qualidade. "Pensando neste
nicho de mercado, produtores têm se organizado para
poder oferecer, de maneira regular, um produto de qualidade
a este público específico. Um destes exemplos
é a Associação do Novilho Precoce (MS),
que recentemente lançou a primeira "carne de grife"
do Estado, a Selection. O produto, resultado da aliança
mercadológica com o grupo varejista Carrefour, possui
o selo de Garantia de Origem (GO), que comprova a qualidade
da cadeia produtiva do pasto até a gôndola dos
supermercados", conta.
Segundo ele, todo este cenário explica a existência
e consolidação das "boutiques" de
carne no Brasil e, também, do lançamento destas
marcas próprias de carne. "Ambas as ações
são passos importantes no sentido de consolidar essa
oferta ao mercado", diz Argeu.
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