Já
começaram as campanhas de vacinação contra
a febre aftosa no País. Aliado a esse manejo sanitário,
outras duas importantes doenças também deverão
compor o cronograma sanitário do pecuarista daqui para
frente, como é o caso da brucelose e do botulismo.
No caso da aftosa, a doença de maior importância
econômica no País, a expectativa é que
no mês de outubro deste ano mais de 17,3 milhões
de bovinos e bubalinos sejam imunizados, de acordo com o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Trata-se
da segunda etapa da campanha de vacinação, para
os Estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte
e Roraima. Na Zona de Alta Vigilância (ZAV) de Mato
Grosso do Sul (faixa de 15 km localizada na fronteira do Estado
com o Paraguai e a Bolívia), os pecuaristas também
devem imunizar o rebanho nesse período. Em Rondônia,
a campanha será realizada de 15 de outubro a 15 de
novembro.
Febre aftosa
Sete são os tipos conhecidos do vírus do gênero
Aphtovirus, que causam a doença A, O e C, que
circulam pela América do Sul, África e Ásia;
SAT1, SAT2 e SAT3, que circulam na África; e, por fim,
ASIA1 que está presente na Ásia. Devido
a isso, as vacinas utilizadas no Brasil só apresentam
somente os tipos A, O e C, explica Raul Mascarenhas,
médico veterinário da Embrapa Pecuária
Sudeste, em São Carlos (SP). O vírus é
sensível à luz solar, ao aumento de temperatura,
variações de Ph, desinfetantes, mas é
resistente ao congelamento, o que é importante quando
se refere à comercialização da carne.
Mas mesmo o vírus sendo muito sensível, um animal
infectado pode eliminar bilhões de partículas
virais na saliva e, assim, esses patógenos conseguem
viajar dezenas de quilômetros carreados pelo ar.
Entre os sinais clínicos observados em animais acometidos
pela doença estão a febre e lesões na
boca, gengivas e língua, como aftas (daí, então,
o nome febre aftosa). As feridas dificultam o animal de se
alimentar e promovem o emagrecimento da rês. Além
disso há ocorrência de salivação
e lesões entre os cascos.
Mal à saúde humana é questionável
ou quase insignificante. O fator preponderante, nesse caso,
é o aspecto econômico que um surto da doença
causa, como a queda da produção dos animais
e óbitos de animais jovens, principalmente, em função
de embargos econômicos às exportações
brasileiras, estabelecidos por países que conseguiram
se tornar livres da febre aftosa e que possuem medidas rígidas
de prevenção e controle.
Tais embargos influenciam negativamente em toda a cadeia
produtiva indo desde a redução da entrada de
divisas no País até o aumento dos custos sociais,
decorrentes da elevação da marginalidade em
cidades afetadas pelo desemprego com o fechamento de frigoríficos,
os quais chegam a ser a principal fonte de rendas de muitas
famílias em algumas cidades, avalia Mascarenhas.
Nesse sentido, é mais do que urgente fazer com que
o todo o rebanho seja imunizado. Os cuidados durante a vacinação
são gerais e devem-se obedecê-los com disciplina,
pois interferirão na qualidade final da imunização
do gado. Segundo o médico veterinário da Embrapa
Pecuária Sudeste, em termos gerais, as vacinas devem
estar a todo tempo resfriadas entre 4°C e 8°C (temperatura
normal de geladeira) para a conservação do medicamento.
Como preparativo para a vacinação dos animais,
elas poderão ser acondicionadas numa caixa de isopor
com gelo, que deverá estar sempre fechada. Horários
de temperaturas mais amenas são os ideais para se fazer
esse manejo, em animais saudáveis e bem nutridos, nas
doses corretas recomendadas pelo fabricante, dentro do prazo
de validade estabelecido, utilizando pistolas de aplicação
limpas e rotacionando as agulhas constantemente [confira no
quadro, Os passos para a imunização,
para mais detalhes na hora do manejo com o rebanho].
Uma das grandes falhas ocorre quando a geladeira destinada
à colocação das vacinas em uma propriedade
é muito manipulada e oscila sua temperatura interna,
principalmente por servir para colocação de
alimentos, água e outros produtos. A geladeira destinada
às vacinas só deve conter as mesmas, alerta
Mascarenhas.
Brucelose
Outra doença que também deve receber a atenção
do produtor a partir de novembro, é a brucelose bovina.
Segundo a Embrapa Gado de Corte, o cronograma de vacinação
pode compreender os meses de novembro a junho, sendo fevereiro,
a melhor época para a imunização do rebanho.
A bactéria Gram negativa Brucella abortus, pertencente
à família ?2-Proteobacteriacea, é o agente
causador da doença. Em bovinos, ela provoca abortos,
nascimento de bezerros mortos ou fracos, em consequência
de lesões necróticas na placenta da vaca, pleurite
fibrinosa com pneumonia intersticial nos bezerros, e ainda
provoca a mastite, afirma Flábio Ribeiro de Araújo,
pesquisador e especialista em imunologia da Embrapa Gado de
Corte, em Campo Grande (MS).
A doença está presente em todo o País,
e segundo o último levantamento coordenado pelo Mapa,
este ano, a prevalência é mais acentuada no Estado
de Mato Grosso do Sul, com o registro de 41,5% dos focos no
Brasil. É seguido por Mato Grosso, com 41,2%, Rondônia
(35,2%), Tocantins (21,2%) e Goiás (17,5%).
Por provocar perdas diretas em rebanhos bovinos por esterilidade
temporária ou permanente, repetição de
cio e perdas na produção de leite por mastites
específicas, a brucelose tem de ser rigorosamente tratada,
e isso se faz, preventivamente, com a vacinação.
A vacinação é obrigatória
para fêmeas entre três e oito meses de idade.
A marcação das fêmeas vacinadas é
obrigatória, utilizando-se ferro candente, no lado
esquerdo da cara, com um V, acompanhado do algarismo final
do ano de vacinação, frisa Araújo.
Além disso, esse manejo tem de ser feito sob a responsabilidade
técnica de um médico veterinário cadastrado,
utilizando dose única de vacina viva liofilizada, elaborada
com amostra 19 de Brucella abortus (B19).
O pesquisador da Embrapa Gado de Corte ainda ressalta que
é proibida a utilização da vacina B19
em machos de qualquer idade e em fêmeas com idade superior
a oito meses com obrigatoriedade da comprovação
de vacinação das bezerras na unidade local do
serviço de defesa oficial, no mínimo uma vez
por semestre. A vacinação de fêmeas
com idade superior a oito meses poderá ser autorizada
com imunógenos que não interferem nos testes
de diagnóstico, acrescenta.
Araújo destaca alguns avanços no controle da
doença em regiões definidas no Estado do Rio
Grande do Sul, com a associação de forças
entre entidades governamentais e privadas, visando a indenização
de produtores com animais infectados. Outra proposta que também
contribui no sentido de erradicação da doença
é o pagamento diferenciado em leiterias para produtores
que aderem ao Programa Nacional de Controle e Erradicação
da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT). Algumas
instituições de pesquisa, como a Embrapa Gado
de Corte, têm trabalhado na obtenção de
vacinas mais eficientes, que não interfiram no diagnóstico
e que sejam geneticamente atenuadas. Tais tecnologias terão
impacto significativo na aceleração do programa
de controle da doença no Brasil, acredita Araújo.
Botulismo
Trata-se de uma intoxicação específica,
e não uma infecção, de acordo com a Embrapa
Gado de Corte, que se dá a partir da ingestão
e absorção pela mucosa digestiva de toxinas
pré-formadas de Clostridium botulinum, que levam o
animal a um quadro de paralisia motora progressiva. Clostridium
botulinum é um bacilo anaeróbio, gram-positivo,
formador de esporos, encontrado no solo, água, matéria
orgânica de origem animal e vegetal, e no trato gastrointestinal
dos animais. Os esporos são extremamente resistentes,
podendo sobreviver por longos períodos nos mais diversos
ambientes, proliferando em carcaças ou material vegetal
em decomposição, nos quais produz uma neurotoxina
que, quando ingerida, causa a doença.
O botulismo em bovinos tem sido mais comumente descrito em
rebanhos a campo, estando normalmente associado a uma deficiência
de fósforo nas pastagens, bem como devido a uma inadequada
suplementação mineral, que determina um quadro
de depravação do apetite, com osteofagia, nos
animais.
A melhor medida preventiva a ser tomada é a vacinação
dos animais, e a aplicação deve ser estabelecida
em duas etapas, com um mês de intervalo entre as mesmas.
Como a vacina necessita de um período de 16 a 18 dias
para conferir proteção efetiva, recomenda-se
que a primeira dose seja feita um mês antes da entrada
do animal no confinamento. Os meses indicados para esse manejo
sanitário são de novembro a janeiro.
Já no caso de surtos de botulismo em animais criados
extensivamente, uma correta medida de prevenção
consiste na adoção de uma mistura mineral de
boa qualidade, associada a uma eficaz remoção
de carcaças e ossos das pastagens. A mistura mineral
deve estar formulada para atender às necessidades da
categoria animal para a qual será destinada, de acordo
com as condições de solo e pastagens da propriedade.
É importante também um correto esquema de distribuição,
com cochos em quantidade suficiente (um metro de cocho para
50 animais, no mínimo), de preferência cobertos
ou local de fácil acesso para os animais (próximo
aos bebedouros, áreas de descanso ou áreas de
maior pastejo). A vacinação pode ser uma alternativa
válida em áreas endêmicas, nas quais não
se consegue identificar o fator predisponente ao botulismo.
Os passos para a imunização
[Fonte: Embrapa Gado de Corte]
Na hora de comprar e armazenar
Comprar vacinas somente com selo de garantia e de revendedores
idôneos;
Verificar as instruções de uso e a data
de validade do produto;
Nunca congelar as vacinas. A maioria delas deve ser
conservada em ambiente refrigerado, entre +2°C e +8°C;
Na hora de transportar
Transportar as vacinas em caixa térmica, na
proporção de três partes de gelo para
uma parte de frascos, e vedar a mesma com fita adesiva;
Na hora de vacinar
Vacinar somente os animais sadios;
Verificar se todos os animais dos lotes estão
sendo vacinados;
Aplicar as vacinas nos locais indicados pelos fabricantes.
É recomendada a aplicação na tábua
do pescoço, seja no músculo (intramuscular)
ou embaixo da pele (subcutânea);
Certificar que a agulha é adequada para o tipo
de produto (oleoso ou aquoso) e a seringa/pistola está
calibrada para a dose a ser injetada. Para vacinas oleosas
(ex. contra febre aftosa) podem ser utilizadas agulhas 10x15
ou 15x15 para aplicação subcutânea e 30x15,
para intramuscular;
Agitar o frasco de vacina sempre antes de preencher
a seringa ou pistola, bem como nas recargas, evitando bolhas
de ar;
Manter a seringa ou pistola e o frasco em uso dentro
da caixa de isopor enquanto não estiver aplicando a
vacina;
Utilizar seringas e agulhas limpas e desinfectadas
por fervura durante pelo menos 15 minutos (colocar os materiais
após o início da fervura) e mantê-las
em local limpo no decorrer dos trabalhos;
Durante a vacinação, trocar de agulha
com frequência, por exemplo, a cada 10 animais ou recarga;
Lavar, desinfectar e secar agulhas, seringas ou pistolas
ao final dos trabalhos;
Conter os animais para a aplicação da
vacina, pois isto diminui o risco de quebra de agulhas, refluxo,
perda de doses e acidentes com trabalhadores e animais;
Vacinar os animais preferencialmente nos períodos
mais frescos do dia, com tranquilidade e sem correrias, evitando
assim estresses desnecessários.
Recomendações gerais
Não vacinar animais doentes ou submetidos a
atividades desgastantes, como longas caminhadas ou viagens.
Aguardar que os animais descansem ou se recuperem antes de
vaciná-los, pois é preciso que estejam em boas
condições nutricionais e de saúde para
responderem adequadamente à vacinação;
Nunca utilizar agulhas tortas, enferrujadas, com pontas
rombudas, aparência de sujas ou que tenham caído
no chão;
Não usar desinfetantes para limpeza de seringas
e agulhas, pois estes podem interferir na ação
de algumas vacinas;
Não aplicar a vacina em regiões do animal
que estejam com barro ou esterco;
Evitar a aplicação de vacinas em regiões
de carnes nobres como linha dorso-lombar e posterior;
As vacinas devem ser aplicadas sempre antes do aparecimento
das doenças, como medida preventiva, e não durante
a ocorrência do surto no rebanho;
Os restos de vacinas devem ser destruídos, pois
a introdução repetida de agulhas no frasco predispõe
à contaminação do produto e pode provocar
abscessos nos animais vacinados.
Rumo a livre da aftosa
Tornar o Brasil livre da febre aftosa com vacinação,
até o fim deste ano, é a intenção
do Mapa. Para isso, estamos buscando o fortalecimento
dos serviços veterinários oficiais nas regiões
Norte e Nordeste, com a estruturação de escritórios,
contratação e capacitação de profissionais
e melhoria da vigilância. Além disso, desenvolvemos
campanhas de vacinação diferenciadas, em 12
municípios da Calha do Rio Amazonas e no Amapá,
ressalta o secretário de Defesa Agropecuária,
Francisco Jardim. O Mapa está realizando auditorias
para avaliar o funcionamento dos serviços veterinários
estaduais e as atividades desenvolvidas naquelas regiões.
Atualmente, todos os Estados e o Distrito Federal participam
das campanhas de vacinação, exceto Santa Catarina,
reconhecido pela Organização Mundial de Saúde
Animal (OIE), como livre de febre aftosa sem vacinação
desde 2007.
Ao todo, 14 Estados e o Distrito Federal são livres
da doença com vacinação: Acre, Bahia,
Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, Rondônia, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
O centro-sul do Pará (46 municípios) e as cidades
de Boca do Acre e Guajará (Amazonas) apresentam a mesma
classificação. Os demais Estados da região
Nordeste e o nordeste do Pará são considerados
como médio risco para a doença; Roraima e noroeste
do Pará, como alto risco, e Amazonas e Amapá,
risco desconhecido.
A doença foi detectada na Itália, em 1514. No
Brasil, o primeiro registro ocorreu em 1895, no Triângulo
Mineiro. Como prevenção, o Ministério
da Agricultura realiza ações desde 1934, quando
foi publicado o Regulamento do Serviço de Defesa Sanitária
Animal. Mas as instruções específicas
para o controle da aftosa, que incluía a vacinação,
foram definidas em 1950, e as campanhas organizadas tiveram
início em 1965.
Os pioneiros nessa ação foram os Estados do
Rio Grande do Sul, que vacinou 2,07 milhões de bovinos,
do total de 11,6 milhões, e o Paraná, que imunizou
3,8 mil bovinos, de 3,4 milhões de animais estimados
na época.
Em 1976 foi registrado o maior número de focos da doença,
com 10,2 mil casos. Desde abril de 2006, o Brasil não
registra nenhum caso, sendo o último em Mato Grosso
do Sul.
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