Revista
Rural A CNA, no mês de março deste ano,
entregou aos candidatos à presidência da República
Palácio do Planalto um documento com propostas para
a agropecuária brasileira. O material resultou em um
encontro promovido no dia 1º de junho, na sede da entidade,
em Brasília (DF). Afinal, quais foram as principais
reivindicações propostas?
Kátia Abreu Nossa proposta aos candidatos
à Presidência da República, nestas eleições,
esteve baseada em uma pauta com dez pontos importantes para
a agropecuária brasileira, sintetizadas no documento
O que esperamos do próximo presidente,
que foram: segurança jurídica, política
agrícola, meio ambiente, relações do
trabalho, tributação, infraestrutura, inovação
tecnológica, negociações internacionais,
educação e pobreza rural. As ações
propostas têm como objetivo resgatar a competitividade
que o campo brasileiro vem perdendo nos últimos anos,
trazer estabilidade à atividade e possibilitar o crescimento
do setor.
Rural Dentre os dez pontos mais importantes está
a questão do meio ambiente. A senhora defende que o
debate sobre esse tema seja conduzido com equilíbrio
e lucidez. É importante preservá-lo para as
gerações futuras e é fundamental diminuir
o número de pessoas que ainda passam fome no Brasil,
aumentando e barateando a produção de alimentos?
Esse é o principal desafio para o agronegócio?
Como é possível conciliar essa questão
e fazer com que o País produza mais?
Abreu Além da questão ambiental,
que envolve a preservação e o uso sustentável
das terras em produção, o atual desafio para
a sustentabilidade do agronegócio brasileiro é
a questão econômica. Pois, se qualquer um destes
pilares, o ambiental ou o econômico, não for
alcançado, não haverá sustentabilidade.
Cabe lembrar que os produtores rurais enfrentam sérias
dificuldades para obter renda e manter o seu negócio
sustentável economicamente. Crescem os custos da atividade
e os produtores não têm garantia de preços
mínimos para os seus produtos, o que não ocorre
na maioria dos países concorrentes do Brasil no mercado
agrícola. Também é preciso enfrentar
o desafio da preservação ambiental com base
na ciência e na academia. Não podemos aceitar
que se retirem terras da produção sem parâmetros
técnicos confiáveis, que orientem as políticas
ambientais e sua relação com o setor produtivo.
É desta forma que poderemos reverter o processo de
criminalização da produção rural
e provar que a sustentabilidade é factível no
campo brasileiro. O preço dos alimentos no Brasil é
um dos mais baixos do mundo, apesar da alta tributação
na produção e no comércio de alimentos.
Com um salário mínimo, é possível
comprar, hoje, mais de duas cestas básicas. Há
20 anos, não era suficiente para comprar sequer uma
cesta básica. Portanto, diminuir a fome no País
envolve a geração de empregos e de salários,
somada a uma política que garanta renda ao nosso produtor
rural.
Rural Em uma entrevista a senhora ressaltou questões
ligadas ao agronegócio tido como um escravocrata e
também como o principal causador de danos ao meio ambiente.
Ao assumir o cargo de presidente da CNA, quais foram ou quais
são as medidas que a entidade vem tomando para mudar
essa imagem tão polêmica?
Abreu Nenhum setor da economia tem sido vítima
de tantos preconceitos como a agropecuária. Em meu
discurso de posse na presidência da CNA, falei que estava
disposta a enfrentá-los com seriedade e determinação.
É o que venho fazendo desde então. Assumi a
responsabilidade de buscar respostas para os desafios do empreendedorismo
rural e da responsabilidade social do setor. Vale citar, por
exemplo, o Projeto Biomas, desenvolvido em parceria com a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
para a criação de vitrines tecnológicas,
que mostrarão aos produtores rurais de cada um dos
cinco biomas brasileiros as práticas ambientalmente
corretas para a região. Outro programa importante é
o Mãos que trabalham, que prevê a
visita de monitores às fazendas para vistorias preventivas,
com o objetivo de orientar os proprietários sobre o
cumprimento da legislação trabalhista no campo.
Fizemos mil visitas no ano passado e, em 2010, vamos realizar
10 mil vistorias preventivas. Também implantamos o
projeto Campo Futuro, para capacitar médios
produtores a calcular seus custos de produção
e a operar no mercado futuro. Com essa iniciativa, vamos desenvolver,
também, um sistema de informação de custos
de produção e mercado agropecuário para
agricultores e pecuaristas. Estes são apenas alguns
exemplos, entre dezenas de programas e estudos que estamos
desenvolvendo na CNA e no Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural (Senar), que mostram a sintonia do setor agropecuário
com a modernidade tecnológica e gerencial, além
da sua responsabilidade social.
Rural Em falar em polêmica, recentemente a
CNA criticou o Censo Agropecuário 2006. Há dados
que segundo a entidade não são verdadeiros ou
que pelo menos não diz a realidade. O que ocorreu especificamente
nesta pesquisa?
Abreu Alguns dados apurados no Censo Agropecuário
2006 estão em desacordo com outras pesquisas realizadas
pelo próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Um bom exemplo são os números referentes
às produções de soja, milho e leite,
entre outros, que estão muito abaixo do volume que
efetivamente produzimos. Porém, isso não é
o mais grave. A divulgação de dados errados,
como o Índice de Gini (que mede o grau de desigualdade
existente na distribuição de indivíduos
segundo a renda domiciliar per capita), gerou interpretação
equivocada, corrigida posteriormente pelo próprio Instituto.
Esse episódio demonstra, claramente, o aparelhamento
político-ideológico de um órgão
de extrema importância para o País, pois é
com base nas estatísticas produzidas pelo IBGE que
são elaboradas as nossas políticas públicas.
Rural Outro tema importante é que o Observatório
das Inseguranças Jurídicas da CNA apurou que,
só no mês de abril, aconteceram 86 invasões
a terras produtivas e prédios públicos pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Com os
números foi possível projetar um prejuízo
de R$ 208,8 milhões no Valor Bruto da Produção
da agropecuária nacional, uma vez que as terras ficam
impedidas de produzir. A partir destes dados, que ações
a CNA começou a promover junto ao governo? Ele sinalizou
alguma medida para evitar tantos danos provocados à
agricultura brasileira?
Abreu Levamos ao Ministério da Justiça
a proposta de criação de um Plano Nacional de
Combate às Invasões, para que seja adotado da
mesma forma como já ocorreu em relação
aos demais planos de combate ao crime organizado no País,
como o tráfico de drogas, tráfico de pessoas,
pirataria, entre outros. Além do envolvimento das tropas
da Força Nacional, solicitamos que a Polícia
Federal e a Polícia Rodoviária Federal monitorem
as movimentações do MST, agindo preventivamente.
Não podemos deixar somente à Justiça
comum e aos produtores rurais a tarefa de defender a propriedade
no campo brasileiro. Nossa proposta é que o Ministro
da Justiça coordene esse plano nacional de combate
às invasões de terras no Brasil. Estamos recolhendo
assinaturas da população contra as invasões
de terras em todo o País. Nossa meta é chegar
a um milhão de adesões. Mas uma parcela do governo
federal continua insistindo em implementar, inicialmente via
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), o artigo que
tenta cercear o acesso à justiça dos proprietários
e possuidores de imóveis rurais e urbanos invadidos.
Tal dispositivo prevê a chamada mediação
entre proprietários e invasores, aniquilando o instituto
da reintegração de posse e o direito do proprietário
reaver sua propriedade. A mediação fere o inciso
XXXV do artigo 5º da Constituição.
Rural Na sua opinião, a Reforma Agrária
combateria de vez esse tipo de ações?
Abreu Os ditos movimentos sociais não mostram
efetivo interesse na execução de uma política
eficiente de reforma agrária, pois muitos sobrevivem
da chamada indústria da invasão.
Até março deste ano, já haviam sido destinados
mais de 84,3 milhões de hectares para a reforma agrária.
Mas as invasões continuam, pois são utilizadas
como instrumentos de pressão para a implantação
de uma agenda política e ideológica contrária
aos princípios da democracia e do Estado de direito.
Invasão é crime e fere um direito garantido
constitucionalmente, o direito de propriedade. O Supremo Tribunal
Federal (STF) já se manifestou sobre o assunto, em
seu acórdão da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) 2213, de 04/04/2002, quando afirmou
que crimes de invasões não se justificam, pois
já existem três dispositivos no ordenamento jurídico
brasileiro para a realização da reforma agrária:
desapropriação; compra e venda de terras pelo
governo federal; e destinação de terras públicas.
No mesmo acórdão, o Supremo é categórico
ao dizer que o processo de reforma agrária, em uma
sociedade estruturada em bases democráticas, não
pode ser aplicado pelo uso arbitrário da força
e pela prática de atos ilícitos de violação
possessória, ainda que se trate de imóveis classificados
como improdutivos. E justifica: a Constituição
brasileira, ao amparar o proprietário com a cláusula
de garantia do direito de propriedade, estabelece que ninguém
será privado de seus bens, sem o devido processo legal.
Rural Justamente, a reforma agrária é
um assunto que vem sempre pautando os governos ao longo de
muitos anos, mas se avança pouco nesse País.
O que é preciso para acelerar isso?
Abreu Como afirmei anteriormente, o governo brasileiro
já destinou mais de 84,3 milhões de hectares
à reforma agrária, o que corresponde a 25,5%
do total de terras utilizadas pela atividade agropecuária,
que soma 329, 9 milhões de hectares, conforme o Censo
Agropecuário de 2006. A reforma agrária avançou
rapidamente no Brasil após a promulgação
da Constituição Federal de 1988, com seus artigos
184, 185 e 186. Para ser eficiente, no entanto, é preciso
que sua aplicação seja devidamente acompanhada
pelo poder público, não apenas na distribuição
da terra, mas nos resultados apresentados pelos assentamentos
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra). Para sobreviverem, os movimentos que
se dizem sociais estão reunindo pessoas da periferia
das cidades, sem aptidão agrícola, para ingressar
na reforma agrária e obter um pedaço de terra.
Sem capacitação e treinamento, poucos resistirão
às variações de preços agrícolas,
aos custos de produção e às constantes
mudanças climáticas que caracterizam esta atividade
de risco. A falta de assistência a estas populações
assentadas poderá condenar ao fracasso a reforma agrária
brasileira.
Rural Hoje, no que o governo mais atrapalha o desenvolvimento
do agronegócio?
Abreu A insegurança jurídica no campo
é o que mais interfere na estabilidade da produção.
A subjetividade das normas desestimula investimentos na atividade
rural e reduz o potencial de crescimento da economia brasileira.
Rural Nas últimas reuniões realizadas
com o novo ministro da Agricultura, Wagner Rossi, quais foram
as propostas mais urgentes apresentadas a ele?
Abreu O tema central dos contatos da CNA com o
novo ministro têm sido a continuidade das discussões
sobre um novo modelo de política agrícola para
o Brasil, que garanta renda ao produtor rural e a sua permanência
na atividade.
Rural A senhora foi a primeira mulher a ocupar o
cargo de presidente da CNA, entidade que reúne 27 federações
estaduais, 2.142 sindicatos rurais e mais de 1 milhão
de produtores sindicalizados. Como não bastasse assumir
o cargo, foi também a primeira a controlar a entidade
em um momento crítico tanto para o agronegócio
brasileiro, quanto para a economia mundial. Após um
ano e meio, qual o retrospecto que a senhora faz do seu mandato?
Abreu Vivemos um período de crescimento
e conquistas. Inserimos o setor agropecuário nas discussões
mais importantes para o País, proporcionando maior
visibilidade ao setor. Também provocamos o debate sobre
as questões ambientais, há muito tempo centralizado
por organizações não-governamentais (ONGs).
Motivamos a discussão sobre a insegurança jurídica
no campo e os prejuízos que traz ao País e abrimos
discussões com os ministérios da Fazenda e da
Agricultura sobre um novo modelo de política agrícola
para o Brasil.
Rural Na sua opinião, o que mudou no setor
agrário do País após a crise mundial
financeira e o que precisa ser modificado?
Abreu O mercado interno ganhou maior peso no consumo
dos produtos do agronegócio. A União Europeia
deixou de ser o principal destino das exportações
brasileiras e cedeu espaço para a Ásia, especialmente
para a China. Os custos de produção caíram,
mas não tanto quanto os preços pagos aos produtores
rurais. O crédito ficou escasso e os produtores reduziram
seus investimentos. A crise mundial evidenciou as deficiências
da política agrícola brasileira e ressaltou
a necessidade da implementação de um novo modelo
de crédito, que reduza os riscos da atividade, garanta
transparência ao mercado e melhore o ambiente institucional.
Assim, esperamos maior participação dos investidores
e a redução dos custos financeiros para os produtores
rurais.
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