Edições Anteriores
TRIGO - O que rondam as lavouras
rev 148 - junho 2010

As doenças do trigo como oídio, a ferrugem e as manchas foliares, além das pragas como percevejos e lagartas associados aos fatores climáticos preocupam os produtores no Sul do País. Neste caso, saber suas causas e como previne-las é a melhor maneira de manter a produtividade.

Na edição de maio da Revista Rural, realizamos uma reportagem sobre a produção de trigo no Estado do Paraná, considerado o maior produtor do cereal. Abordamos desde as cultivares mais resistentes e adaptadas até as boas práticas de cultivo. Neste mês, dando continuidade ao assunto, o foco da reportagem é mostrar como surgem e quais são os danos provocados pelas temidas pragas e doenças, que podem acometer a lavoura em toda a sua fase de desenvolvimento.

Dados da Embrapa Trigo (com sede no Estado do Rio Grande do Sul) revelam que a fitossanidade da lavoura é um assunto sério. Para se ter uma ideia, por falta de cuidados, o triticultor perde em média 40% do que se produz. Isso significa que de 100 sacas, 40 não chegam ao destino final. Porém, o volume dessas perdas está relacionado também a variação anual e dependerá fundamentalmente das condições climáticas, assim como em qualquer cultivo.

Quando se fala em doenças, segundo com o órgão de pesquisa, o número é bastante grande. Em todo o mundo já foram relatadas quase uma centena delas e que podem afetar a cultura, as quais podem ser causadas pela ação de vírus, bactérias ou fungos. “Felizmente, no Brasil, nem todas essas doenças ocorrem ou têm alguma expressão. O número de doenças que causam algum tipo de problema aos produtores brasileiros, especialmente àqueles da Região Sul do País, situa-se ao redor de 12”, explica o pesquisador da área de fitopatologia da Embrapa Trigo, João Leodato Nunes Maciel.

Entre as mais temidas, estão: o mal-do-pé, o carvão, a podridão comum de raízes, a ferrugem da folha, a mancha da gluma, a mancha amarela, a mancha marrom, o oídio, a fusariose, a brusone, o vírus do mosaico comum do trigo e o vírus do nanismo amarelo da cevada. “Destas doenças, ao longo dos últimos anos, as mais comuns e as que mais têm trazido perdas aos produtores têm sido o oídio, a ferrugem da folha, o complexo de manchas, a fusariose ou giberela e a brusone”, destaca o pesquisador. “A ocorrência de doenças nas lavouras de trigo é um evento comum considerando que os seus agentes causais são componentes naturais do ambiente, seja ele um vírus, uma bactéria ou um fungo. Evitar o contato desses agentes causais com uma planta de trigo de uma lavoura é uma ação que exige conhecimento e planejamento”, explica Maciel.

Conhecê-las, pelo menos as principais, dentro de suas características específicas e formas de controle, já é um passo para amenizar perdas, de acordo com o pesquisador. Em geral, as doenças citadas aqui normalmente ocorrem nas lavouras de trigo da Região Sul do Brasil.

Oídio

O oídio (Blumeria graminis f.sp. tritici) é uma doença causada por fungos fortemente destrutiva. Ela ocorre em todas as partes das plantas, mas é mais comum nas folhas e bainhas. Em anos secos, pode ocorrer a predominância dessa doença. A principal medida de controle desta doença é o uso de cultivares resistentes. Se, no entanto, a cultivar for suscetível recomenda-se o tratamento de sementes com fungicidas sistêmicos específicos e, até mesmo, a pulverização de fungicidas na parte aérea.

Ferrugem da folha

A ferrugem da folha de trigo é causada pelo fungo Puccinia recondita f. sp. tritici. Ela ocorre em praticamente todos os locais onde se cultiva trigo no mundo. No Brasil, o seu agente causal, o fungo Puccinia triticina, sobrevive durante o período de ausência da cultura em plantas voluntárias. Uma importante medida de controle da ferrugem da folha também é o uso de cultivares resistentes. Por outro lado, a pulverização de fungicidas na parte aérea também tem demonstrado boa eficiência para controlar a doença.

Manchas foliares

Representa todo um complexo de doenças, e são causadas por um grupo de microorganismos onde destacam-se patógenos, como Bipolaris sorokiniana (mancha marrom), Stagonospora nodorum (mancha da gluma) e Drechslera tritici-repentis (mancha bronzeada). As sementes e os restos culturais são os locais mais importantes para sobrevivência dos patógenos, causadores das manchas foliares durante a ausência da cultura no campo. As principais medidas de controle das manchas foliares incluem a rotação de culturas, o tratamento de sementes com fungicidas, uso de sementes sadias e a aplicação de fungicidas na parte aérea das plantas.

Giberela

É causada, principalmente, pelo fungo Gibberella zeae (forma assexuada Fusarium graminearum), e é caracterizada por ser uma doença de difícil controle e muito comum na Região Sul, especialmente no Rio Grande do Sul. A ocorrência dela é altamente influenciada pelo ambiente. Várias espécies de plantas cultivadas como milho, sorgo, triticale, centeio, entre outras, são suscetíveis a essa doença, que ataca a planta especialmente em regiões em que, principalmente a partir do início da floração, ocorrem chuvas frequentes e contínuas. As condições climáticas requeridas à infecção são temperatura de variável de 20°C a 25°C e duração do molhamento foliar de, no mínimo, 48 horas consecutivas. A aplicação de fungicidas deve ser realizada a partir do início da floração. O tratamento com fungicidas apresenta menor eficiência de controle da giberela do que para doenças foliares. Caso as condições climáticas impeçam a realização das aplicações de fungicidas no período indicado, não haverá possibilidade de controle, por outro lado, se não ocorrer clima favorável à infecção, não se justifica o tratamento. O uso de cultivares tolerantes à doença ameniza o problema. Outra alternativa é a pulverização de fungicidas com o objetivo de proteger a espiga. No entanto, esta última medida nem sempre atinge níveis de eficiência adequados.

Brusone

Causada pelo fungo Pyricularia grisea, ela também se caracterizada pelo difícil controle e por ser altamente influenciada pelo ambiente. A doença ataca a planta de trigo especialmente em regiões em que, a partir do início do emborrachamento, ocorrem chuvas frequentes e contínuas. Possui esporos bastante leves permitindo que os mesmos possam ser transportados a longas distâncias pelo vento. O uso de cultivares resistentes e a pulverização de fungicidas para proteger as espigas são as principais medidas de controle. O tratamento com fungicidas apresenta menor eficiência de controle da brusone do que para doenças foliares. Caso as condições climáticas impeçam a realização das aplicações de fungicidas no período indicado, não haverá possibilidade de controle, por outro lado, se não ocorrer clima favorável à infecção, não se justifica o tratamento.

As condições favoráveis

O pesquisador da área de fitopatologia reforça que deve ser feita uma associação entre o clima e a ocorrência de doenças. Segundo ele, existem condições climáticas que são ótimas para desenvolvimento de agentes causais de doenças. “O problema é que essas condições são relativamente comuns durante ciclo de desenvolvimento da cultura do trigo na Região Sul do Brasil, principalmente durante o estágio de espigamento. Dentre dessas condições climáticas, por exemplo, a umidade em excesso é a que mais tem influenciado o desenvolvimento de doenças na cultura do trigo e, em consequência, a sua produtividade”, menciona. “Durante o espigamento, no Rio Grande do Sul, essa condição favorece a doença conhecida por fusariose ou giberela. No Paraná, especialmente no norte do Estado, o problema é a brusone”, afirma.

Outros fatores que podem favorecer o desenvolvimento ou ocorrência de doenças, apontam o pesquisador, estão relacionados à não observação de indicações técnicas geradas pela pesquisa e ao clima. “Sobre as indicações técnicas, cabe ressaltar a ação das empresas de pesquisa de trigo, as quais procuram encontrar as melhores alternativas para a condução das lavouras de acordo com parâmetros técnicos e de viabilidade econômica”, finaliza.

Os tratamentos

Para evitar o volume de perdas, o agricultor precisa estar atento aos tratamentos específicos, para cada fase da cultura do trigo. O pesquisador afirma que na verdade, as ações de controle das doenças de trigo, as quais compõem o que se chama de manejo integrado das doenças do trigo, tentam evitar esse contato ou, ao menos, minimizar os efeitos da ação dos agentes causais dessas doenças, mesmo depois que o processo infeccioso nas plantas já tenha sido iniciado ou estabelecido. “Em relação à origem das doenças do trigo, também chamada de fonte de inóculo, a mesma pode ser bem variada, podendo ser a própria semente, o solo, a palha que ficou na lavoura, plantas voluntárias, hospedeiros alternativos, entre outros”, explica. “Estas são possibilidades ou locais onde o agente causal pode sobreviver de uma safra para outra, permitindo, que em uma safra seguinte, um novo ciclo de uma determinada doença se inicie”, justifica.

De acordo com Maciel, o que varia de uma doença para outra é a estratégia ou local que seu agente causal utiliza para sobreviver. Por exemplo, os agentes causais das manchas foliares, de maneira geral, podem utilizar os restos culturais ou as sementes como fonte de inóculo para iniciar o ciclo da doença. Neste caso, ações como a rotação de culturas e o tratamento de sementes com fungicidas são fundamentais para o controle dessas doenças.

Para eliminá-las, segundo o pesquisador, não é uma tarefa fácil considerando a grande variabilidade e capacidade de sofrer mutações que os agentes causais de doenças apresentam. De qualquer forma, ao longo dos anos, têm sido disponibilizadas para os produtores de trigo do Brasil cultivares com características cada vez melhores em termos de resistência a doenças.

Pragas - O outro lado do prejuízo

E quando o assunto são as pragas. Elas também contribuem para uma redução significativa da produção. De acordo com o pesquisador da Embrapa Trigo, Paulo Roberto Valle da Silva Pereira, especialista no assunto, entre as principais pragas, que com maior frequência atingem essa condição na cultura do trigo a campo, estão: os afídeos (pulgões), o coró-das-pastagens, o coró-do-trigo, a lagarta-do-trigo, a lagarta-militar e os percevejos.

Os afídeos ou pulgões

Os principais afídeos que atacam trigo. a) pulgão-verde-dos-cereais, Schizaphis graminum; b) pulgão-do-colmo-do-trigo ou pulgão-da-aveia, Rhopalosiphum padi; c) pulgão-da-folha-do-trigo, Metopolophium dirhodum; d) pulgão-da-espiga-do-trigo, Sitobion avenae; e) pulgão-preto, Sipha maydis; f) pulgão-do-milho, Rhopalosiphum maidis.

Várias espécies de afídeos (Hemiptera, Aphididae) ou mais conhecidos como pulgões do trigo, ocorrem na cultura de trigo, dependendo da época do ano e da região tritícola. As mais comuns são o pulgão-verde-dos-cereais (Schizaphis graminum), o pulgão-do-colmo-do-trigo ou pulgão-da-aveia (Rhopalosiphum padi), o pulgão-da-folha-do-trigo (Metopolophium dirhodum) e o pulgão-da-espiga-do-trigo (Sitobion avenae). Devido à alta proliferação e ao ciclo biológico curto, em condições favoráveis, as pragas se desenvolvem rapidamente. Os afídeos desenvolvem-se e multiplicam-se melhor em temperaturas amenas (entre 20°C a 22°C) e em períodos de estiagem; o clima frio prolonga o ciclo de vida e retarda a multiplicação. Os danos causados por eles podem ser ocasionados diretamente, por meio da sucção da seiva e de suas consequências no rendimento de grãos, diminuindo tamanho, número e peso dos grãos e o poder germinativo de sementes. O manejo integrado dos afídeos do trigo, no extremo sul do Brasil, fundamentado no controle biológico e no uso criterioso do controle químico, se constitui num dos exemplos mais expressivos de sucesso, em culturas não perenes.

Corós

a) aspecto geral do macho;
b) aspecto geral da fêmea;
c) aspecto da larvaa triticophaga

Os corós são larvas de solo cujos adultos são besouros (Coleoptera, Melolonthidae). As espécies associadas ao trigo são Diloboderus abderus e Phyllophaga triticophaga. Os corós constituem problema dos mais sérios para o trigo, no extremo Sul do Brasil. Embora a semelhança das larvas possa levar a alguma dificuldade de identificação, estas espécies são facilmente reconhecidas e distinguidas quanto a aspectos morfológicos e biológicos. Um único coró, em atividade plena e em seu tamanho máximo, é capaz de consumir em torno de duas plântulas de trigo, em uma semana. Por se tratarem de insetos de ciclo longo, para o manejo dos corós é fundamental que seja feito o monitoramento periódico das áreas, tanto no inverno como no verão, visando constatar o início e a evolução das infestações e identificar e quantificar as espécies. O monitoramento deve ser feito ao longo de todo o ano, antes da semeadura, durante o desenvolvimento da plantas e após a colheita das culturas, por meio da observação da ocorrência de sintomas em plantas (morte de plântulas ou de afilhos, desenvolvimento reduzido), da ocorrência de perdas na produtividade e da abertura de trincheiras.

Lagartas desfolhadoras

Lagartas desfolhadoras.
a) lagarta-do-trigo (adulto), Pseudaletia sequax;
b) lagarta-do-trigo (larva), P. sequax;
c) lagarta-militar, Spodoptera frugiperda e
d) lagarta-dos-capinzais, Mocis latipes

Considerando toda a região tritícola brasileira, as lavouras de trigo podem ser atacadas principalmente por três espécies de lagartas, que se alimentam das folhas e de outros órgãos da parte aérea das plantas. Conhecidas pelo nome comum de lagarta-do-trigo, lagarta-militar e lagarta-do-cartucho-do-milho, elas podem ocorrer na lavoura, às vezes até simultaneamente, a partir do espigamento até a fase de maturação e colheita do trigo. Os danos decorrem do ataque às espigas, onde destroem aristas e espiguetas; muitas vezes as lagartas cortam a base da espiga, derrubando-as ao solo. As lagartas que atacam o trigo possuem um número apreciável de inimigos naturais predadores, parasitóides e patógenos, que impedem que grandes surtos. No manejo das lagartas do trigo deve-se procurar preservar os inimigos naturais e usar o controle químico apenas quando necessário e de forma bastante criteriosa.

Percevejos

Percevejos comuns em trigo. Percevejo-barriga-verde
a) Dichelops furcatus e
b) D. melacanthus;
c) percevejo-raspador Collaria scenica;
d) percevejo-verde Nezara viridula e
e) percevejo-do-trigo Thyanta perditor.

As espécies mais comumente encontradas em trigo pertencem à família Pentatomidae como os percevejos-barriga-verde, na fase inicial da cultura, o percevejo-verde, percevejo-do-trigo e à família Miridae, como o denominado percevejo-raspador e o percevejo-do-capim ou percequito. Espécies do percevejo-barriga-verde que historicamente eram citadas apenas em soja, recentemente passaram a ocorrer em trigo. Plântulas atacadas apresentam folhas com perfurações transversais, inclusive com necrose do tecido. As folhas dobram ou quebram nas linhas de perfuração; algumas ficam enroladas e deformadas. Ocorrem problemas no afilhamento, no desenvolvimento das plantas e redução no rendimento de grãos. A população desta praga cresce a partir do mês de setembro, quando, normalmente, o trigo está emborrachado ou em espigamento. Altas populações na fase de enchimento dos grãos, como 10 percevejos por planta podem comprometer a folha bandeira e provocar redução no rendimento de grãos.

No combate delas

Segundo o pesquisador da Embrapa Trigo, Paulo Pereira, para o controle químico das pragas de trigo devem ser utilizados apenas produtos registrados pelo Ministério da Agricultura. Recomenda-se que, preferentemente, sejam empregados produtos referendados pela Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale e que, entre estes, sejam preferidos os que têm menor efeito tóxico sobre inimigos naturais das pragas e outros animais não visados e para o homem. “Também é necessário considerar que, por força de fatores climáticos e da ação de inimigos naturais (predadores, parasitóides e entomopatógenos), as pragas-chave da cultura de trigo flutuam naturalmente dentro da estação de cultivo ou mesmo de um ano para outro”, adverte o pesquisador.


Edicões de 2011
Volta ao Topo
PROIBIDA A PUBLICAÇÃO DESSE ARTIGO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES