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FERRUGEM - Inimigo relativamente novo
rev 147 - maio 2010

Perto do momento de passar a régua e contabilizar os números finais da safra 2009/2010 de soja, os produtores já têm a certeza do dever cumprido e os números totais, embora ainda não estejam oficialmente concluídos, devem mesmo ficar bem próximos à projeção inicial. Assim, o Brasil vai ter uma safra de soja acima dos 67 milhões de toneladas, contra 57,2 milhões na temporada passada, de acordo com o Ministério da Agricultura.

Comemorações à parte, sabe-se que nem tudo foram flores nesta trajetória e que, se é fácil apontar os motivos que garantiram o sucesso na produção do grão, é mais fácil ainda apontar os vilões que, mais uma vez, ameaçaram a busca pelos índices esperados de produtividade. E quando a questão é sanitária, o principal fantasma tem nome e sobrenome: Ferrugem Asiática.

Mais uma vez, a doença foi um dos maiores motivos de preocupação dos produtores, e deu as caras em todas as principais regiões produtoras do país. Segundo dados do Consórcio Antiferrugem, responsável pelo monitoramento da dispersão da ferrugem asiática da soja pelo país, foram notificadas nesta safra, até o fechamento desta reportagem, 2.371 ocorrências, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul, mas também com números significativos no Sudeste e no Nordeste. Embora este número seja inferior ao registrado na safra passada, que atingiu 2.884 notificações de ocorrência, ainda deve ser considerado alarmante.

Início assustador

Tomando como base o número de ocorrências nos primeiros meses da safra, até que o resultado obtido até agora surpreendeu positivamente. O número total de relatos manteve-se acima do registrado nas safras anteriores durante boa parte do ciclo. Segundo analistas do Consórcio Antiferrugem, isso se deveu principalmente à antecipação da ocorrência da doença em lavouras comerciais. Em dezembro, já se registrava o dobro do número de focos comparado à safra 2006/2007, considerada uma safra referência de condições de epidemia.

A partir de janeiro, o Consórcio Antiferrugem passou a fazer prognóstico de risco semanalmente, por intermédio de mapas de risco climático para cada grande região. Isso facilitou a indicação para áreas onde precisou ser intensificado o monitoramento ou a prevenção da doença. As informações foram passadas para os produtores através de um informativo. A publicação foi elaborada pelo Laboratório de Epidemiologia da UFRGS com a colaboração dos demais membros do Consórcio.

A maioria dos relatos de ferrugem asiática da soja, em área comercial, ficou concentrada na região Centro-Oeste, destacando-se Mato Grosso, com 624 casos; Goiás, com 501 casos; e Mato Grosso do Sul, com 333 notificações. O Paraná registrou 265 relatos, o Rio Grande do Sul 405, Santa Catarina 116, São Paulo 32 e Minas Gerais 12. Bahia e Tocantins tiveram ocorrências mais tardias, mas terminaram com 33 casos e 10 casos, respectivamente.

Problema é sério

A ferrugem asiática é considerada uma das doenças mais severas que incidem na lavoura de soja e pode ocorrer em qualquer estádio fenológico da cultura. as plantas infectadas apresentam desfolha precoce, comprometendo a formação e o enchimento de vagens, reduzindo o peso final dos grãos. Nas diversas regiões geográficas onde a ferrugem asiática foi relatada em níveis epidêmicos, os danos variaram de 10% a 90% da produção.

Medidas de controle

Considerando a gravidade da doença, diversos estados adotaram o “vazio sanitário”, período de 60 a 90 dias sem plantas de soja no campo, como uma estratégia para reduzir a quantidade de inóculo (esporos) na entressafra. Outra medida de manejo que pode ser adotada é o escalonamento de semeadura, em relação ao ciclo da cultura. As plantas precoces passam menos tempo no campo, são colhidas mais cedo e, desse modo, podem “escapar” da doença ou serem menos atingidas. Como na maioria das regiões não se tem soja no inverno, nas primeiras semeaduras o fungo iniciaria sua multiplicação, e a tendência é que o inóculo aumente com o evoluir da safra. Desse modo, as semeaduras mais cedo também apresentam um mecanismo de escape quanto à concentração de inóculo.

A forma ideal de controle da ferrugem é através da resistência genética, porém, até o momento, não haviam cultivares disponíveis comercialmente. A estratégia que tem sido usada com maior freqüência é o monitoramento da doença e o controle químico com fungicidas. A decisão sobre o momento de aplicação (sintomas iniciais ou preventiva) deve ser técnica, levando em conta os fatores necessários para o aparecimento da ferrugem (presença do fungo na região, idade das plantas e condição climática favorável), a logística de aplicação (disponibilidade de equipamentos e tamanho da propriedade), a presença de outras doenças e o custo do controle. O atraso na aplicação, após constatados os sintomas iniciais, pode acarretar em redução de produtividade, caso as condições climáticas favoreçam o progresso da doença. O número e a necessidade de re-aplicações vão ser determinados pelo estádio em que for identificada a doença na lavoura e pelo período residual dos produtos.

Efeito colateral

A sojicultura no Brasil teve um marco importante como o aparecimento da ferrugem asiática. As aplicações de fungicidas e herbicidas passaram a ser mais freqüentes durante o ciclo da soja em épocas mais ou menos pré-estabelecidas. Muitos agricultores, na tentativa errônea de tentar aproveitar as aplicações de herbicidas em pós-emergência no início do desenvolvimento e posteriormente de fungicidas no período reprodutivo, acabam por adicionar inseticidas em mistura de tanque, sem qualquer consideração com a real infestação de insetos-pragas na lavoura.

Dessa forma, não necessariamente em decorrência direta do uso de herbicida e/ou fungicida, mas sim do uso errôneo de inseticidas em mistura com estes produtos, os problemas com pragas têm aumentado nas lavouras de soja nos últimos anos. Para piorar ainda mais esse cenário, muitas vezes os produtores menos preparados, ao perceberem uma baixa infestação de pragas, decidem usar doses de inseticidas abaixo do registrado para uso na cultura o que é popularmente conhecido como “cheirinho” que, segundo a percepção do produtor, é utilizado na tentativa de prevenir o surgimento da praga.

Entretanto, é importante salientar que nunca é recomendada a aplicação preventiva de produtos químicos para o controle de pragas da soja e nunca deve ser utilizado nenhum tipo de controle, quando o custo deste for maior do que o prejuízo causado pelo inseto. Esse nível de infestação é o que chamamos de nível de ação (NA). O NA para lagartas ou desfolhares em geral é de 20 lagartas/metro de linha de soja ou quando a desfolha for igual ou superior a 30% no período vegetativo, ou 15% no período reprodutivo da soja. No caso do complexo de percevejos, em qualquer cultivar de soja, somente deve-se iniciar o controle quando houver 2 percevejos (ninfas ou adultos) maiores do que 0,4 cm por metro de fileira de soja destinada à industria. Esse nível de ação deve ser reduzido pela metade quando a finalidade da soja for para semente. Sendo assim, a única maneira de se saber o momento certo de usar inseticidas na lavoura é através do monitoramento com o uso do pano-de-batida.

LUZ NO FIM DO TÚNEL

A partir da próxima safra estará disponível para comercialização ao produtor uma nova cultivar da Embrapa que tem resistência parcial à ferrugem asiática. A BRS 7560, lançada no ano passado, vai começar a ser plantada em cultivo comercial nesta safra 2010/2011. Para o pesquisador da Embrapa Cerrados – unidade da Embrapa localizada em Planaltina (DF) – Austeclínio de Farias Neto, a cultivar tem grande potencial na luta contra a doença que gerou um custo de US$ 1,74 bilhões na safra 2008/2009, segundo o Consórcio Antiferrugem.

“A principal vantagem dessa cultivar é que ela apresenta uma boa resistência à ferrugem”, comenta Austeclínio, que atuou na pesquisa de desenvolvimento da BRS 7560. Como conseqüência, ela apresenta menores danos e perdas de rendimento diante da doença. “Em contato com a ferrugem, a planta desenvolve um tipo de lesão de resistência, em que quase não há esporulação do fungo”, explica.

Devido a essa característica, a cultivar tem mais estabilidade de produção em situações de presença da doença, especialmente quando as condições climáticas não permitem que fungicida seja aplicado no momento mais propício. “Com a BRS 7560, o produtor não deixa de usar o produto, mas há uma redução do número de aplicações”, disse. Outra vantagem é que a cultivar tem ciclo precoce e é bem adaptada à região do Cerrado.

Outras cultivares – Para o plantio na safra 2010/2011, também chegam ao mercado outras duas cultivares da Embrapa: BRS Juliana e BRS Gisele. Ambas são transgênicas, possuem boa resistência a nematóide de galha e são bem adaptadas a regiões de baixa latitude, como a Bahia, Maranhão e Piauí. Segundo Auteclínio, as duas têm o ciclo tardio, com grau de maturidade em torno de 9.0. “Temos boas perspectivas de que elas sejam bem plantadas na região”, enfatiza o pesquisador.

Inimigo relativamente novo, mas de longa biografia.

A ferrugem da soja tem como agente etiológico duas espécies do gênero Phakopsora: Phakopsora meibomiae, agente causal da “ferrugem americana” e Phakopsora pachyrhizi, agente causal da “ferrugem asiática”. Phakopsora pachyrhizi é a espécie responsável pelas recentes epidemias da doença no Brasil, tendo sido relatada pela primeira vez no Japão, em 1903. Desde então se disseminou rapidamente pelo continente Asiático, permanecendo endêmica, porém com surtos epidêmicos esporádicos.

Na década de 1990 foi relatada pela primeira vez no continente Africano, em 2001 na América do Sul, no Paraguai e Brasil e em 2004 nos Estados Unidos. O fungo P. pachyrhizi pertence ao filo Basidiomicetes, Ordem Uredinales e família Phakopsoraceae. A espécie foi descrita com base nas características das estruturas das fases uredinial e telial.


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