Se
não houver uma mudança radical na política
agrícola, o celeiro estará nas mãos de
multinacionais e a nós caberá voltar ao papel
de colonos que nossos antepassados tanto lutaram para superar.
O citricultor brasileiro está endividado, acuado,
mas disposto a enfrentar as vicissitudes e recuperar os prejuízos
causados pelo cartel.
Estudos feitos pelo Cepea em pomares de grandes produtores
confirmam que os custos de produção, mesmo para
os grandes produtores, estão na faixa dos R$ 13,90
a R$ 17,00.
Os citricultores estão tendo dificuldades crescentes
para rolar as dívidas e muitos estão entrando
em processo de falência. É digno de nota o fato
de que o Tribunal de Justiça de São Paulo, numa
decisão inédita, concedeu a recuperação
judicial para um citricultor de Jales (SP), essa é
a fala do presidente da Associação Brasileira
de Citricultores (Associtrus), Flávio de Carvalho Pinto
Viegas, sobre a atual situação da citricultura.
Em entrevista concedida aos repórteres, Fábio
Moitinho e Fátima Costa, o empresário e produtor
de cana e citros relata nessa edição da Revista
Rural, as principais questões da citricultura brasileira
do ponto de vista do produtor rural (citricultor).
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Revista
Rural Primeiramente gostaria de saber sobre dados da
Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus).
Desde quando a entidade existe? Quantos produtores há
aproximadamente hoje no Brasil?
Flavio Viegas A Associtrus foi criada em 1974 e
teve um papel importantíssimo na organização
dos produtores. No final da década de 90, a entidade
sofreu um processo de esvaziamento e foi reorganizada em 2003.
Estima-se que existam no Brasil mais de 60 mil produtores
de citros, a maioria é constituída de pequenos
produtores.
Rural
Em algumas entrevistas, o senhor mencionou que nos
últimos cincos anos houve uma redução
significativa no número de produtores. Em quanto está
essa redução atualmente? Estima-se que possa
se reduzir ainda mais nos próximos anos?
Viegas No Estado de São Paulo, onde se concentra
cerca de 80% da produção brasileira de citros,
havia cerca de 30 mil citricultores em meados da década
de 90, hoje se estima que a produção está
nas mãos de apenas oito mil. Se não houver uma
regulação do setor poderemos chegar a ponto
de reduzirmos o setor aos pomares da indústria e dos
200 citricultores amigos, como comentou há
alguns anos o ex-presidente da Associação Brasileira
dos Exportadores de Cítricos.
Rural
Na sua opinião, um dos fatores preponderantes
para essa redução, além dos baixos preços
por caixa de laranja, também está relacionado
o alto custo para a produção cítrica
no País. Quanto está a média de custo
para a produção de uma caixa de laranja, baseando-se
no Estado de São Paulo, que é o maior produtor
citrícola do País?
Viegas A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
está desde 2005 acompanhando o custo de produção
de laranja, no Estado de São Paulo, e o modelo de pomar
utilizado para o cálculo de custo é um módulo
de 100 hectares (ha) com 400 árvores por ha com uma
produtividade de 716 cx/ha. Para esse modelo, o custo recalculado
para maio de 2010 está em R$13,90. Estudos feitos pelo
Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea)
em pomares de grandes produtores confirmam que os custos de
produção, mesmo para os grandes produtores,
estão na faixa dos R$ 13,90 a R$ 17,00.
Rural
É justo o custo com o manejo fitossanitário
na lavoura, que está o maior peso para a produção?
O greening é o grande vilão dessa história?
Que outros males mais que vem assolando a atividade?
Viegas Historicamente, o item de maior peso no
custo de produção é o manejo fitossanitário
e o greening veio agravar este quadro. Além
do greening, a citricultura enfrenta a leprose,
a Clorose Variegada dos Citros (CVC), a pinta preta, a estrelinha,
o furão, a larva minadora, o cancro cítrico,
entre outras.
Rural
Como os produtores estão vendo o fato de que
agora eles mesmos têm de fazer a inspeção
de greening nos pomares por conta própria?
Viegas Em primeiro lugar, o Fundo de Defesa da
Citricultura (Fundecitrus) vinha atuando como fiscal e não
como inspetor. Conseguiu obter dos órgãos do
governo meios para intimidar e punir os citricultores, inclusive
com a erradicação dos pomares, o que é
inadmissível, uma vez que todos conhecemos o projeto
da indústria de dominar a produção de
laranjas pela eliminação dos citricultores independentes.
Isto é mais uma distorção decorrente
da interferência da indústria na nossa cadeia
produtiva. O Fundecitrus foi criado em parceria pela Associtrus
e a indústria de suco, e o objetivo era fornecer fundos
para que os órgãos do governo fizessem o combate
ao cancro cítrico. Com o passar do tempo, a indústria
foi tomando conta do Fundecitrus e alterando seus objetivos.
A Associtrus (que transferiu os recursos que até então
eram a ela destinados para o fundo) enfraqueceu-se e foi alijada
do conselho da instituição. Sem a fiscalização
dos produtores, a indústria deixou de contribuir da
forma prevista no estatuto, passou a investir em pesquisas
das quais utiliza os resultados de maneira privilegiada, utilizou
o fundo de forma política.
Rural
Qual a opinião da Associtrus quanto ao posicionamento
do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) em não
mais realizar essas inspeções e se dedicar mais
à pesquisa no combate tanto do greening quanto das
demais doenças de citros?
Viegas Cabe ao Ministério da Agricultura
a defesa sanitária. E as pesquisas do Fundecitrus devem
ser transparentes desde sua contratação. Os
contratos com informações sobre o projeto, executor,
prazos, valores e os relatórios de andamento dos projetos
até sua conclusão deverão ser publicados
na internet.
Rural
Como está o desenrolar da denúncia de
cartelização das indústrias esmagadoras
de suco de laranja? A documentação aberta da
Cutrale apresentou indícios sobre isso? O que exatamente
havia nesses documentos que tanto eram impedidos de serem
deslacrados? O governo federal e estadual estão realizando
alguma ação contra essa prática?
Viegas O processo iniciado em 1999 ainda está
em investigação na Secretaria de Direito Econômico
sob segredo de justiça e não temos acesso às
informações. O empenho das indústrias
em evitar a abertura dos documentos evidencia a importância
dos documentos apreendidos. Os governos nada têm feito
para coibir a ação do cartel. Os líderes
do cartel continuam a ter trânsito livre junto aos mais
altos escalões das nossas instituições.
Rural
Sobre o depoimento de Dino Toffini, ex-fabricante de
suco de laranja, reacendeu de certa forma as denúncias?
Viegas A importância do depoimento do Dino
Tofini é medida pelo fato dele ser um ex-participante
do cartel, um réu do processo, que confirmou tudo o
que temos divulgado sobre o caso.
Rural
A nova entidade que congrega as indústrias de
suco de laranja no País, a Citrus BR, afirma veementemente
que não existe cartel e que os preços são
formados em função do próprio mercado.
Como o senhor vê este posicionamento?
Viegas Os réus, pelas nossas leis, não
são obrigados a dizer a verdade nem produzir provas
contra si. Os produtores continuam divididos entre as empresas,
os preços combinados são iguais para as três
empresas, todas iniciam e encerram as compras simultaneamente,
enfim todos os pontos acordados no contrato de cartel de 1995
continuam a ser aplicados.
Rural
A CitrusBr também questiona a legitimidade da
Associtrus, como um órgão representativo da
classe produtora de citros no País. O senhor já
notou isso no discurso da entidade? Qual é o posicionamento
da Associtrus quanto a isso?
Viegas A CitrusBr é formada pelos departamentos
jurídicos das empresas. O trabalho da associação
é tentar desqualificar e isolar a Associtrus, mas eles
sabem que sem a participação da Associtrus não
há possibilidade de avanço em nenhuma negociação.
Nas negociações que ocorrem no momento na Secretaria
da Agricultura cogitou-se tentar uma negociação
sem a participação da Associtrus, porém,
concluiu-se que sem ela nenhum acordo teria legitimidade.
A Associtrus presidiu a Câmara Setorial da Citricultura
do Ministério da Agricultura por quase seis anos e
representa a citricultura em diversos órgãos,
como o Conselho Superior do Agronegócio e o Deagro
da Fiesp e eu fui diretor de citricultura da Sociedade Rural
Brasileira.
Rural
O ano de 2009 foi um dos piores períodos para
o citricultor, quais foram os principais problemas enfrentados
na citricultura?
Viegas Além de uma quebra na produção
a indústria atuou de forma truculenta não renovando
contratos, deixando de colher variedades precoces, e pagando
um dos mais baixos preços da história da citricultura.
Rural
Quanto ao endividamento do setor, como está
esta relação atualmente?
Viegas A maioria dos citricultores depois de vinte
anos sob o jugo do cartel, sempre esperando uma mudança
no cenário e impedidos de abandonar a atividade uma
vez que seus pomares são garantias dadas aos órgãos
financiadores da atividade, estão enormemente endividados
e muitos tem pomares que se tornaram improdutivos por falta
de recursos para mantê-los e renová-los. Os citricultores
estão tendo dificuldades crescentes para rolar as dívidas
e muitos estão entrando em processo de falência.
É digno de nota o fato de que o Tribunal de Justiça
de São Paulo, numa decisão inédita, concedeu
a recuperação judicial para um citricultor de
Jales (SP).
Rural
O senhor durante a Agrishow deste ano, em Ribeirão
Preto (SP), traçou um panorama difícil para
os produtores. Na realidade, como está o citricultor
brasileiro?
Viegas O citricultor brasileiro está endividado,
acuado, mas disposto a enfrentar as vicissitudes e recuperar
os prejuízos causados pelo cartel.
Rural
Em relação ao novo ano safra 2010/2011,
como está a citricultura do País? A atividade
voltou a remunerar? Há indícios de melhores
preços? O que deve mudar nas condições
de empresas e indústrias e produtores para este ano?
Viegas Os fundamentos são positivos. As
grandes empresas de refrigerantes, verificando que seus produtos
carbonatados, que não trazem nenhum benefício
para a saúde, vão enfrentar cada vez mais problemas
de aceitação, têm investido enormemente
na aquisição de empresas engarrafadoras de sucos
em todo o mundo. Estas empresas voltadas ao marketing vão
incrementar a divulgação dos sucos e ampliar
o seu mercado. Na nossa cadeia produtiva há margens
suficientes para remunerar todos seus elos. O problema será
sempre o de assegurar ao produtor rural uma participação
justa neste mercado.
Rural
Diante de tantos problemas, há uma dificuldade
de juntar a classe produtora?
Viegas Sim. Há um problema cultural no Brasil,
os agricultores não entendem a importância do
associativismo, da organização e da atuação
política. Por esse motivo, a agropecuária não
ocupa o espaço correspondente à sua importância
econômica para o País.
O que vemos são os agricultores perdendo espaço
e a terra sofrendo um processo de desnacionalização,
que vai provocar terríveis problemas para o País
que tem tudo para se transformar no celeiro do mundo. Se não
houver uma mudança radical na política agrícola,
o celeiro estará nas mãos de multinacionais
e a nós caberá voltar ao papel de colonos que
nossos antepassados tanto lutaram para superar.
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