O
único ônus é com o frete e o bônus
é que não tem diferença nenhuma com o
fertilizante nitrogenado industrializado, se produz a mesma
coisa.
Em dezembro de 2005, a Revista Rural realizou uma reportagem
sobre os desafios enfrentados pela cadeia produtiva da suinocultura.
Na época, uma das grandes divergências dos criadores
era qual o destino final dado ao elevado volume de dejetos
líquidos produzidos pelos animais. Na ocasião,
a equipe mostrou uma granja com 300 matrizes, em ciclo completo,
que chegava a produzir cerca de 45 mil litros de dejetos por
dia para se ter uma ideia disso, essa quantidade era
equivalente ao lixo de uma cidade com 75 mil habitantes.
Segundo especialistas em gestão ambiental, a carga
poluidora desses dejetos chega a ser 25 vezes maior do que
o esgoto humano. Entretanto, naquela época, a reportagem
acompanhou que, aos poucos, o reaproveitamento dos dejetos
suínos estava em prática, tornando-se alternativa
para a cadeia, uma vez que ainda funciona de forma eficiente,
servindo como renda para os criadores, a partir da produção
de adubo orgânico líquido (utilizado na agricultura)
e, evitando assim que os efluentes (mais conhecidos como chorume)
sejam direcionados para o solo e, sobretudo, ocasionando prejuízos
ao meio ambiente.
Ao mesmo tempo, que essa alternativa chegava na suinocultura,
alguns projetos semelhantes saíam do campo e iam em
direção à cidade, para sanar um dos maiores
problemas dos grandes centros: o destino do lodo gerado no
tratamento de esgotos. Na Grande São Paulo, por exemplo,
só o Rio Tietê recebe mais de um bilhão
de litros de esgoto todos os dias. Na região metropolitana
da capital paulista, são quase 19 milhões de
pessoas, e menos dessa metade têm o esgoto tratado.
Foi para resolver a questão e até servir de
exemplo que a Companhia Saneamento de Jundiaí (SP)
(cidade com aproximadamente 350 mil habitantes), implantou
em sua Estação de Tratamento de Esgoto um projeto
para aproveitar a produção diária de
250 toneladas de lodo de esgoto, reciclando-o e produzindo
a partir disso, o fertilizante orgânico composto classe
D (um produto pronto para a agricultura). O lodo de
esgoto é um material rico em matéria orgânica
e nutrientes, por isso teve o seu aproveitamento na agricultura,
como fertilizante orgânico, explica Fernando Carvalho
Oliveira, engenheiro agrônomo da Biossolo Agricultura
& Ambiente Ltda., responsável técnico pelo
projeto.
Há menos de dez anos, pouco se ouvia falar da utilização
do lodo na agricultura no Brasil. Porém, o uso agrícola
do lodo não é recente, ele é usado a
mais de 70 anos em países, como Canadá e Estados
Unidos. No Brasil, se deu nas estações de tratamento
de esgoto de Brasília, já na década de
60, principalmente, quando houve um esforço para o
tratamento de esgoto das grandes metrópoles. Entretanto,
em São Paulo, apenas as cidades de Franca e Jundiaí
mantêm o projeto com a utilização do lodo.
Lá na Companhia Saneamento de Jundiaí, para
concluir o projeto que começou em meados de 2001, foi
realizado um trabalho junto aos produtores que estavam interessados
na utilização do material. Há ainda
muita confusão entre o lodo de esgoto com o esgoto.
Temos na verdade uma matéria orgânica transformada.
O lodo não é o material fecal que se apresenta
no esgoto. Essa matéria orgânica foi transformada
por microorganismos, o que deu origem ao lodo e como não
bastasse ainda se usa a tecnologia da compostagem, para promover
mais uma transformação desse material orgânico,
ressalta.
A ideia, que foi novidade entre muitos produtores há
algum tempo atrás, foi bem aceita. Um dos produtores,
que acreditou nas vantagens do composto, foi Hélio
Angelieri. Há três anos, ele substituiu por completo
os fertilizantes industriais. Apenas acrescentei a vinhaça
que fornece o potássio, que não tem no fertilizante
orgânico proveniente da compostagem do lodo de esgoto
urbano, conta o produtor que passou a adotar nos seus
100 hectares de cana. Em outubro realizaremos nova aplicação.
O único ônus é com o frete e o bônus
é que não tem diferença nenhuma com o
fertilizante nitrogenado industrializado, se produz a mesma
coisa, admite.
Ele lembra que, dependendo da época, o fertilizante
alternativo fica mais barato, mas já houve momentos
em que o preço do industrializado estava muito abaixo
e o frete para buscar o fertilizante orgânico composto
pesou ao bolso do agricultor. No mês de março,
houve um aumento de 20% a 30% do adubo industrializado. Hoje
compensa ir buscá-lo, argumenta. Pelas contas
do produtor, o frete sai a R$ 30, a tonelada. Utilizo
apenas 12 toneladas por hectare, acrescenta Angelieri,
que tem sua propriedade a 95 quilômetros de Jundiaí.
Um outro produtor de cana-de-açúcar e um dos
pioneiros a utilizar o fertilizante alternativo foi Arlindo
Batagin Júnior. Fizemos um projeto para aplicação
do composto em larga escala. Naquela época, apliquei
em 40 hectares (ha), 20 ha na soqueira da cana e o restante
no sulco da cana, lembra Batagin. Percebemos que
o produto tem uma boa matéria orgânica, oferece
a lavoura uma boa brotação e longevidade da
cultura. Vimos diferença também no número
de cortes. No uso do fertilizante convencional fazíamos
até cinco cortes e com o composto atingimos até
sete. Só no quesito de produção que não
houve diferença entre si, argumenta, o produtor
da cidade de Mombuca, a 165 quilômetros da capital paulista.
Há um ano, um dos motivos que fez o produtor de cana
parar de utilizar o fertilizante orgânico foi o pagamento
do frete. O custo se tornou inviável. Mas, para
aqueles que estão mais próximos da região
produtora ainda compensa, diz.
No ano passado foram produzidos 9.500 toneladas de fertilizantes
orgânicos, em 2008 a produção chegou a
18 mil toneladas. Para o engenheiro, essa retração
tem uma explicação: antigamente o produtor de
cana-de-açúcar não desembolsava nenhum
tostão pelo fertilizante alternativo, sequer
pagava o frete. Hoje, eles custeiam o frete do produto
e na opinião de alguns deles se torna mais caro que
o convencional, comenta. Ele lembra também que
em 2009, em decorrência da crise econômica, que
também abalou o setor canavieiro, cerca de 60% do que
foi produzido foi destinado para a citricultura. Uma
parcela para a cultura de eucalipto, cerca de 35% e o restante
para café, milho e produção de mudas
de espécie nativas, informa.
A utilização do lodo devidamente tratado é
enquadrada por lei e recebe a denominação de
fertilizante orgânico composto classe D, registrado
no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa), como produto de uso seguro na agricultura. Há
critérios e procedimentos para uso agrícola
do fertilizante orgânico produzido na estação
de tratamento. O fertilizante orgânico é fornecido
para produtores de citros, eucaliptos, cana-de-açúcar,
flores e café. O uso desse fertilizante é vetado
pelo Mapa em hortaliças, olerícolas, pastagens
e capineiras, raízes e tubérculos. O argumento
é que o consumidor final tem contato direto com esses
alimentos e que há mais segurança no uso do
fertilizante em produtos que serão processados ou cozidos.
Por esses requisitos, o engenheiro lembra que nem todos terão
acesso, uma vez que a procura é maior do que a oferta
e o fertilizante pode ser produzido somente em regiões
que fazem o tratamento de seus esgotos, o que ainda são
casos isolados. Mas, a tendência é uma
ampliação nacional, diz. Segundo Oliveira,
também não há uma ampla divulgação.
Muitos desconhecem o produto. E há outras dificuldades
que são as normas que regem a utilização,
como adequação a parâmetros de qualidade,
elevados custos de tratamento, entre outros. Há um
procedimento rigoroso que é preciso seguir e acaba
dificultando o uso do produtor, aponta.
Hoje, o fertilizante alternativo é destinado para outros
municípios paulistas, como Bragança Paulista,
onde a aplicação é feita nas plantações
de café e milho; em Itatinga, a utilização
é feita em eucalipto; nas cidades de Capão Bonito,
Angatuba e Mogi Mirim, a aplicação é
realizada em citros e em Porto Feliz, os produtores utilizam
na cultura da cana.
De acordo com o engenheiro, há uma demanda crescente
por medidas em prol ao meio ambiente. Existem grandes centros
urbanos que estão próximos à escassez
de água tratável. O tratamento de esgoto
além de uma medida de saneamento é também
uma medida obrigatória para essas regiões no
sentido de preservar os recursos hídricos, enfatiza.
O uso do alternativo
A aplicação do fertilizante só pode ser
feita com base em normas estabelecidas pela Companhia de Tecnologia
e Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria
do Meio Ambiente e pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) O terreno, por exemplo, deve ter declividade
máxima de 15% (para que o material não escorra
com as chuvas) e é preciso manter distância mínima
de 100 metros entre a área de aplicação
e um manancial. O fertilizante orgânico só pode
ser manejado por meio de máquinas e seu uso é
proibido perto de áreas domésticas e em culturas
como hortaliças e de plantas rasteiras, esclarece
o engenheiro.
O lodo tem vantagens agronômicas sobre os fertilizantes
industriais, diminui, a médio e longo prazo, o uso
de fertilizantes químicos devido à incorporação
dos nutrientes formados durante a compostagem. Ainda, protege
o solo contra a degradação, pois funciona como
uma esponja, ajudando a reter a umidade e nutrientes. Além
de não poluir os rios, a geração de fertilizante
evita o acúmulo destes materiais em aterros sanitários,
que, no caso de São Paulo, ou estão lotados
ou custam caro.
Oliveira também adverte: O fertilizante orgânico,
obtido a partir do tratamento do lodo pela compostagem, não
tem a pretensão de aumentar a produtividade e sim mantê-la
nos níveis adequados obtidos a partir de fertilizantes
convencionais, com economia destes fertilizantes. No entanto,
com experiência ao longo de vários anos a gente
tem observado que se consegue obter um ganho de produtividade
em comparação ao fertilizante mineral. Isto
principalmente em função dos efeitos da matéria
orgânica no solo que é possível enxergar
ao longo de alguns anos.
Para Ronaldo Berton, pesquisador do Instituto Agronômico
de Campinas (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento
de São Paulo, sem dúvida, ele traz um benefício
não só pelo seu conteúdo de nutrientes
como também pela matéria orgânica que
é formada durante a compostagem, extremamente benéfica
tanto para o solo e como para planta. A disponibilidade
desse resíduo depende da quantidade tratada de esgoto.
De uma maneira bem simples, cada habitante gera cerca de 0,15
litros de lodo centrifugado, com 20% de sólidos por
dia. Uma cidade com cerca de um milhão de habitantes,
deverá gerar em torno de 150 toneladas/ dia de lodo,
quando estiver com 100% de seu esgoto sendo tratado,
descreve Berton. Um dos pontos mais vantajosos do reuso
do lodo proveniente do tratamento de esgoto é o aspecto
ambiental. Quando o resíduo não é reutilizado,
ele volta para os cursos dágua com altos níveis
de substâncias que colaboram para a poluição.
Já há algumas décadas que estamos estudando
o efeito que esse lodo faz no solo. Ele chega a substituir
100% do nitrogênio mineral, comenta o pesquisador
do IAC.
Porém, ressalta o pesquisador que há restrições,
por ser um resíduo de tratamento de esgoto urbano.
O aspecto negativo que ronda a tecnologia é a
possibilidade em caso de mau uso do resíduo
de contaminação do solo e dos mananciais
com patógenos, metais pesados e compostos orgânicos
persistentes, estes resultantes das reações
com o cloro presente nas águas, por exemplo, com potencial
cancerígeno, diz o pesquisador.
O Instituto Agronômico pesquisa, desde 2000, os efeitos
da aplicação do lodo no cultivo de pupunha,
café e banana. Já na década de 80, o
órgão analisava o resíduo como fonte
de nutrientes e, portanto, melhorador da fertilidade do solo.
O resíduo, quando empregado na quantidade recomendada,
serve como fonte de nitrogênio e de fósforo,
como mostram os estudos, sem diminuir a qualidade do fruto
e sem prejuízo ambiental para o solo e as águas
subterrâneas.
Processo
do Fertilizante
O material que elevou o rendimento de alguns produtores é
proveniente da Estação de Tratamento de Esgoto
de Jundiaí, e vem do esgoto do vaso sanitário,
da pia do banheiro, da pia da cozinha vem para o mesmo lugar.
No primeiro momento, grades de retenção controlam
o que entra no tubo de água e vem para tentar retirar
muitas das coisas que não deveriam estar lá,
como pedaço de papel, pedaço de plástico,
resto de cigarro. Geralmente o que vem mais é
absorvente, preservativo, material que o pessoal não
deveria jogar no vaso sanitário, acaba jogando e vem
parar aqui, aponta o engenheiro.
Depois, segue o fluxo onde é deixado em tanques, num
processo chamado de decantação. A sujeira mais
pesada vai para o fundo e a parte líquida, segue para
outros tanques. Geralmente, todos têm aquela impressão
de que bactéria faz mal pra nossa vida, mas nem sempre
é assim. Nas denominadas lagoas aeradas, máquinas
sopram minúsculas bolhas de ar no esgoto, promovendo
grande oxigenação para auxiliar as bactérias
a fazer a limpeza da água. Quanto mais ar, mais elas
se reproduzem e consomem a sujeira, formando um lodo no fundo.
Nas chamadas de áreas de decantação,
o lodo deposita-se no fundo das lagoas e a água tratada,
já sem a maior parte dos poluentes, é lançada
no rio. A água não é própria
para beber, mas ela volta com condições muito
melhores do que chegou. O esgoto sai com mais de noventa por
cento de sua poluição removida, garante
o engenheiro.
O lodo retirado é misturado às podas urbanas
picadas, geradas na cidade de Jundiaí, bagaço
de cana-de-açúcar e cascas de eucalipto, sendo
a mistura submetida à aeração por processo
de revolvimento mecânico e a oxidação
promovida por uma intensa atividade de microorganismos. Neste
processo, devido à ocorrência de temperaturas
acima de 55°C por mais de 30 dias, todo o material é
higienizado, eliminando organismos causadores de doenças
aos homens e animais, dando origem ao composto orgânico
de lodo de esgoto.
|