Esse algodão mocó foi o que, nos anos
de 1940 a 1970, conferiu o status de Campina Grande, ser considerada
a Liverpool brasileira, destaca Fábio Aquino
de Albuquerque, especialista em sistemas de produção
de algodão da Embrapa Algodão, localizada em
Campina Grande. Daqui da cidade, os fardos de algodão
seguiam para o porto de Recife (PE), e de lá para Inglaterra.
Da década de 1970 pra cá, a cultura não
foi mais a mesma, tanto para o Nordeste como para os demais
pólos produtores do País. Doenças e uma
praga em especial, o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis),
tornaram inviável a cultura do algodão, e diminuíram
drasticamente a produção da fibra. E foi assim
que Rizeldo viu terminar uma época de glória
na região dele, que passava então a se ater
a lavouras mais tradicionais como a de milho e feijão
para se manter.
Um novo ânimo para seu Rizeldo sobre a cultura dessa
malvácea começou com a instalação
de uma microusina de beneficiamento da pluma, em Juarez Távora,
para auxiliar os pequenos agricultores da região. Isso
já era em meados de 1998 e 1999, e já trabalhando
no próprio sítio, ele também se animava
para recomeçar com o algodão. Logo depois a
iniciativa não deu muito resultado o custo era
muito alto para uma produção aos moldes tradicionais.
No entanto, uma ideia que deu certo no Estado do Ceará,
há cerca de uns 14 a 15 anos, também foi implantada
pela Embrapa Algodão, em 2005, numa pequena área
em Remígio (PB). Em 2008, o projeto tomou a forma definitiva
e foi disseminado aos agricultores familiares do Estado. A
produção tinha de ser numa escala bem baixa,
com até cerca de cinco hectares de área. O sistema
consorciaria demais culturas como o milho, o feijão,
a fava, o gergelim, o amendoim e o jerimum (abóbora),
além de integrar também, quando fosse possível,
pequenas criações como bovinos, caprinos ou
ovinos; tudo isso sem aplicações de defensivos
agrícolas e sem qualquer aditivo químico no
solo; o manejo seguiria diretrizes bem artesanais na hora
de preparar o solo, semear, fazer os tratos culturais e fitossanitários
da lavoura, e colher; e a mão de obra tinha de ser
da própria família, para não gerar despesas
e, assim, garantir a viabilidade desse sistema de produção
o algodão agroecológico.
Depois a ideia ganhou novas parcerias para a aplicação
desse conceito em demais regiões do Nordeste. Atualmente,
segundo Albuquerque, há mais de 500 famílias
beneficiadas com esse projeto, espalhadas pelos Estados da
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco.
Pelo projeto de pesquisa da Embrapa, além da ampliação
de alcance para os próximos anos, está previsto
ainda a instalação de três miniusinas
para o beneficiamento de algodão dos agricultores familiares,
nos municípios de Pajeú (PE), Cariri (PB) e
Apodi (RN).
Certificação
O primeiro passo era conquistar a certificação
como um estabelecimento de produção orgânica,
expedida pelo Instituto Biodinâmico (IBD), atual entidade
no Brasil a testificar a propriedade e a produção
como sendo efetivamente orgânica, dentro dos parâmetros
que cabem à agricultura familiar.
Nesse sentido, produtores do município de Sumé
(PB), há 134 km de Campina Grande, conseguiram o status
de orgânicos em 2008 e agora comemoram, mesmo que ainda
prematuramente, os resultados a primeira safra de algodão.
Em 2008, fizemos o plantio para produção
de sementes, para logo em 2009 começarmos a produção
do algodão, conta seu Vital Rodrigues Filho,
produtor familiar da Comunidade Pitombeira.
Em cerca de um hectare, o agricultor consorciou ao algodão,
o milho, o feijão, o sorgo, o gergelim e a abóbora.
O resultado da safra dele, no ano passado, foi de 10 sacas
de 40 quilos no total. E não se trata que qualquer
algodão, não. É o branco, do tipo 1,
que é muito procurado pela indústria têxtil
pelo padrão de qualidade garantido pela fibra.
Fechamos um contrato anual [o da safra passada] com
uma empresa francesa. E foi bem satisfatório, pois
a média de preços era de R$ 0,70 o quilo, e
conseguimos fechar o contrato pela venda do quilo a R$ 1,65.
Segundo ela, foi o melhor algodão que já entrou
na empresa em 20 anos de comercialização de
algodão na nossa região, afirma Rodrigues
Filho.
Fibra de qualidade
O melhor algodão da região do Cerrado
será no máximo o do tipo 3, podendo até
ser do tipo 4, avalia Albuquerque. Mundialmente
há uma classificação de 1 até
7, só que aqui no Brasil, essa classificação
vai de 1 a 4. O algodão de tipo 1, é justamente
o colhido à mão e terá uma porcentagem
insignificante de impurezas na pluma, como restos de folhas
ou galhos das plantas. O que é justamente o contrário
que ocorre quanto há a colheita mecanizada da lavoura,
e aí só mesmo com um beneficiamento posterior
para limpar essas sujeiras que ficaram no algodão,
destaca o pesquisador da Embrapa Algodão.
As cultivares são basicamente as mesmas implantadas
em sistemas de produção em larga escala nos
Cerrados. Diferente do algodão mocó, que pode
render mais de uma safra, o herbáceo (Gossypium hirsutum
L.) é semeado, colhido e depois eliminado, produzindo
um ciclo mais curto e com características agronômicas
superiores.
Testes laboratoriais com a produção vinda da
agricultura familiar comprovaram a superioridade sobre os
índices de referência de qualidade da fibra.
De acordo com Albuquerque, para toda a comercialização
é necessário esse exame laboratorial para apresentar
ao comprador o tipo de fibra que está sendo adquirido.
Em termos gerais o algodão colhido destaca-se ser tipo
superior, de 4,5 a 5,0 na classificação de fibra
pelo HVI (sigla em inglês de High Volume Instrument,
trata-se um aparelho utilizado para medir propriedades essenciais
da fibra do algodão, importantes tanto para o mercado
cotonicultor, quanto para as empresas têxteis). Isso
significa uma qualidade intrínseca da fibra superior,
especialmente a reflectância, a finura, a resistência
e a alta capacidade de fiabilidade.
Aprendizado na prática
Para seu Vital o manejo da lavoura é sem mistérios,
até porque, assim como o seu Rizeldo, Vital já
conhecia a cultura do algodão quando começou
a trabalhar na adolescência com o pai. Ele e a esposa
conseguem lidar no pequeno sítio lá na Comunidade
Pitombeira, em Sumé.
Já para o vizinho dele, José Valdemir de Souza,
o algodão é a cultura que mais causa preocupações
entre todas as outras que já lidou. Assim que
algodão brota você tem de estar de olho todo
o dia, fazendo a vistoria na plantação, quando
o pé chega numa certa altura há mais questões
de devem ser vistas na lavoura, explica o pequeno produtor.
No entanto, o trabalho de difusão dessa tecnologia
pela Embrapa, os dias de campo em diversas propriedades, foram
melhor explicando um tal passo a passo para o melhor manejo
com a cultura do algodão. Pela primeira vez,
os pesquisadores da Embrapa saíram para fazer esse
trabalho conosco. Geralmente eles ficam lá dentro da
unidade, distante dos produtores, mas agora estão trabalhando
junto com a gente e isso foi muito importante, pois estamos
aprendendo mais com eles. Ver na prática todos esses
passos foi a melhor forma de eu poder entender e aprender
como deve ser cuidada a lavoura de algodão, enfatiza
Souza.
No sítio dele, também lá da Comunidade
Pitombeira, são cinco hectares dispostos à produção.
Junto com o algodão estão o milho, o feijão
de corda, o gergelim, o amendoim e o jerimum. Seu José
juntamente com a esposa e as quatro filhas, que estão
se capacitando para a área agrícola, lidam com
as lavouras.
Na safra de 2009 ele conseguiu colher um total de 294 quilos
de um algodão de primeira qualidade e uma faixa de
12 quilos do de segunda. Entre as idas e vindas das capacitações
técnicas, visitações a lavouras de algodão
e dias de campo, não sobrou muito tempo para ele se
ater tanto à própria lavoura. Cerca de
100 quilos eu devo ter perdido sem colher, em função
dessa correria toda. Meu resultado foi bom, mas poderia ter
sido melhor, afirma.
Lavoura a cores
Fardos cheios, vistosos e ainda com a possibilidade de diferentes
tons de cor para atender a demanda da indústria. O
branco já não é mais a cor característica
da pluma. Assim como o melhoramento genético potencializou
as características agronômicas da planta, a partir
dele, também foi possível produzir variedades
com tons de verde, marrom claro, rubi e safira.
É justamente com esse tipo de algodão que seu
Rizeldo trabalha. Além da Embrapa, parcerias como a
do Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela
Vida (Coep), do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro de Pequenas Empresas da Paraíba (Sebrae/PB),
e de uma cooperativa de beneficiamento e industrialização
têxtil, a Coopnatural, impulsionaram a produção
da fibra em diversas regiões do Estado. Um benefício
para a agricultura familiar que podia produzir bem, a partir
da filosofia agroecológica e ainda assim,
ter um produto diferenciado o algodão colorido.
Lá no Assentamento Margarida Maria Alves I, em Juarez
Távora, seu Rizeldo e os demais produtores vizinhos
dele cultivam a variedade de tom rubi e o branco, numa área
coletiva de cerca de cinco ha. Cada qual também produz
no próprio sítio também, e vendem tudo
à Coopnatural. Rizeldo está na lida com o algodão
agroecológico há quatro anos e atesta, é
justamente o melhor jeito para se produzir a fibra na região.
Eu já produzi, logo quando começou o projeto
de retomada do algodão por aqui. Não deu certo,
perdi tudo. Com o algodão agroecológico há
garantia de preço e venda, e foi melhor para a minha
saúde e a para a saúde de minha família,
que não trabalha mais com veneno, declara o pequeno
produtor.
Apoio empreendedor
Dentro desse sistema de produção, o Sebrae/PB
percebeu que, incentivando mais os agricultores familiares
da região, melhor seria o produto final, garantindo,
assim, renda em todos os elos que surgiriam dentro dessa cadeia.
A produção da pluma entrara em pauta na entidade
entre os projetos desenvolvidos por ela. Inicialmente foi
com o Projeto Algodão Colorido Confecções
(2005 a 2007) que se firmou o apoio à produção
local algodoeira. Logo depois, em 2008, novas diretrizes foram
agregadas, e então foi instituído o projeto
de Arranjo Produtivo Local (APL) Algodão Naturalmente
Colorido. A estratégia, que segue até
2012, se baseia em quatro focos principais: a cooperação,
a gestão, a inovação e a comercialização,
explica a Jeanne Darc Nóbrega Quinho, analista do Sebrae/PB
e que atualmente coordena o projeto. Com ele, busca-se
contribuir para o resgate da cultura da fibra no Estado da
Paraíba, a partir do algodão naturalmente colorido.
O público-alvo dessa iniciativa é formado basicamente
por pequenos produtores rurais e seus familiares, grupos de
artesãos e indústrias têxteis e de confecção.
O objetivo principal é elevar a produção
e a competitividade, visando a sustentabilidade socioeconômica
e ambiental de toda a cadeia produtiva, declara.
Reuniões técnicas e palestras com especialistas
são promovidas no sentido de incentivar o produtor
a estabelecer o manejo correto além de facilitar o
elo entre o produtor e a indústria que irá beneficiar
o produto.
Agregando
mais valorização
Outro
grande braço de apoio para a produção
do algodão lá na Paraíba, surgiu de um
dos pontos do Programa Comunidades Semiárido:
Construindo caminhos para a cidadania no Nordeste do Brasil,
desenvolvido pelo Coep. A entidade constitui-se de uma rede
social de mobilização, criada em 1993. Atualmente
ela congrega mais de 1.100 instituições em todo
o País, entre entidades de classe e universidades.
O trabalho de incentivo à produção algodoeira
beneficia atualmente 47 comunidades em sete Estados do Nordeste.
O assentamento onde está seu Rizeldo é uma delas.
Além de também ajudar no incentivo à
área agrícola, a entidade vem promovendo o enriquecimento
cultural, bem como a melhor estruturação lá
no assentamento. Ajudamos a instalar um telecentro para
melhorar o aprendizado entre os moradores da comunidade, e
foi interessante porque até acesso à Internet
foi possível com esse benefício, declara
o coordernador do Coep, Marcos Carmona. Com o trabalho da
comunidade foi possível instalar, lá mesmo no
município, uma miniusina para o beneficiamento da fibra.
A ironia é que o acesso à rede mundial de computadores
veio antes mesmo da linha telefônica. Estávamos
elaborando um projeto para instalação de um
telefone, um orelhão, lá para a comunidade,
por fim descobrimos que pelo número de pessoas não
era o suficiente para isso. Foi justamente com a ideia do
telecentro que se pode depois reinvindicar esse benefício
lá para a comunidade, lembra Carmona.
E foi justamente através dessa linha telefônica,
o orelhão lá do assentamento, que a Revista
Rural pode conhecer um pouco mais sobre a história
de brasileiros, como a de Rizeldo Alves do Nascimento, que,
apesar de tantas adversidades tem muita fibra, literalmente,
para se produzir.
Fonte:
Rizeldo
Alves do Nascimento, agricultor familiar de Juarez Távora
(PB) [foto na pasta algodão colorido Sebrae, com o
nome do produtor. Crédito: Divulgação/Coep]
EU JÁ PRODUZI, LOGO QUANDO COMEÇOU O PROJETO
DE RETOMADA DO ALGODÃO POR AQUI. NÃO DEU CERTO,
PERDI TUDO. COM O ALGODÃO AGROECOLÓGICO HÁ
GARANTIA DE PREÇO E VENDA.
Fábio
Aquino de Albuquerque, pesquisador da Embrapa Algodão
[foto na pasta algodão agroecológico, com o
nome dele Crédito: Divulgação/Embrapa
Algodão]
O MELHOR ALGODÃO DA REGIÃO DO CERRADO
SERÁ NO MÁXIMO O DO TIPO 3, PODENDO ATÉ
SER DO TIPO 4. MUNDIALMENTE HÁ UMA CLASSIFICAÇÃO
DE 1 ATÉ 7, SÓ QUE AQUI NO BRASIL, ESSA CLASSIFICAÇÃO
VAI DE 1 A 4. O ALGODÃO DE TIPO 1, É JUSTAMENTE
O COLHIDO À MÃO
Vital
Rodrigues Filho, agricultor familiar de Sumé (PB) [foto
pasta algodão agroecológico, com o nome do produtor;
Crédito: Divulgação/Embrapa Algodão]
FECHAMOS UM CONTRATO ANUAL COM UMA EMPRESA FRANCESA.
(...) SEGUNDO ELA, FOI O MELHOR ALGODÃO QUE JÁ
ENTROU NA EMPRESA EM 20 ANOS DE COMERCIALIZAÇÃO
NA NOSSA REGIÃO.
José
Valdemir de Souza, agricultor familiar de Sumé (PB)
[foto do produtor na pasta algodão agroecológico,
com o nome dele, crédito: Divulgação/Embrapa]
PELA PRIMEIRA VEZ, OS PESQUISADORES DA EMBRAPA SAÍRAM
PARA FAZER ESSE TRABALHO CONOSCO. GERALMENTE ELES FICAM LÁ
DENTRO DA UNIDADE, DISTANTE DOS PRODUTORES, MAS AGORA ESTÃO
TRABALHANDO JUNTO COM A GENTE E ISSO FOI MUITO IMPORTANTE,
POIS ESTAMOS APRENDENDO MAIS COM ELES. VER NA PRÁTICA
TODOS ESSES PASSOS FOI A MELHOR FORMA DE EU PODER ENTENDER
E APRENDER COMO DEVE SER CUIDADA A LAVOURA DE ALGODÃO
Jeanne
Darc Nóbrega Quinho, analista do Sebrae/PB
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