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CITRICULTURA - O LADO AZEDO DA LARANJA
rev 128 - outubro 2008

De um lado, uma produção crescente, novos investidores a aparecendo no mercado. Do outro, pequenos e médios produtores endividados, brigando por melhor remuneração. Este é o cenário de controvérsia que se encontra a citricultura do País, que está entre as três atividades econômicas de maior valor de produção para a economia paulista. Tão complexa quanto a crise financeira americana, também pode ser considerada a citricultura no Brasil. Em termos de estimativas de safra, a produção de laranja, em toneladas, superou em 0,57% a produção do ano passado, considerando os meses de agosto: em 2007 foram 18.500.478 toneladas contra 18.605.039 deste ano, de acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

É no estado de São Paulo onde se concentra a maior parte da produção de laranja do País. Segundo dados de 2007 da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), a fruta ficou em terceiro no ranking de valor da produção, com um rendimento de R$ 2,670 bilhões (24,59% superior à safra de 2006) – esse dado refere-se somente à laranja para a indústria. A laranja para a mesa estava em quarto lugar, com um valor de produção de R$ 1,572 bilhão (16,01% a mais em relação ao ano de 2006). “Se somarmos a laranja para indústria e a de mesa, concluímos que a fruta está em segundo lugar, perdendo apenas para a cana”, analisa o economista e pesquisador do Centro APTA Citros “Sylvio Moreira” do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Arthur Antonio Ghilardi.

Se em termo de produção a citricultura vai bem, é nas relações com o mercado que ela apresenta a pior face. Segundo Ghilardi, todo um complexo existe no caso dos citros, como a oferta já existente em estoques mundiais, o consumo baixo no mercado americano, a produção daquele país em recuperação, entre outros fatores – e isso tem abaixado os preços.

Como cerca de 80% da produção de laranja vai para a indústria, e os 40% restantes atendem o mercado interno de fruta fresca, a citricultura fica na dependência de como fica a oferta da fruta no País. Quanto maior a produção, menor são os preços pagos ao produtor.

O alto custo de produção, o endividamento (em grande parte de pequenos e médios produtores) aliado às manifestações de pragas e doenças que têm crescido nos últimos tempos, principalmente com relação ao greening, têm tirado cada vez mais produtores da citricultura.

Variação de preços

A média de preço do mês de setembro da laranja posta na indústria paulista (sem contrato) – caixa com 40,8 quilos – ficou em R$ 9,33, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). No entanto, produtores falam de uma variação de preços pagos chegando a R$ 6 a caixa em algumas regiões do estado de São Paulo. “Existem dois referenciais de preços no mercado internacional: o preço da bolsa e o preço nas gôndolas nos supermercados”, explica o presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), Flávio Viegas. “A bolsa de suco é muito pequena e sujeita a manipulação pelas empresas brasileiras que concentram uma altíssima porcentagem do suco comercializado e do mercado de suco ao consumidor”.

Outro problema, destacado pelo presidente da Associtros, está em função da qualidade da informação de estimativas de safra. Segundo ele, é a partir desse número que se estabelece o preço da caixa de laranja. “Um aumento de 60 milhões de caixas na oferta global, afeta em US$ 1.000 no preço do suco de laranja na bolsa de Nova Iorque”, alerta Viegas. “O Instituto de Economia Agrícola (IEA) trabalha com um parque de árvores produtivas de 180 milhões, enquanto a indústria, que tem informações melhores, indica um parque de 155 milhões de árvores. A diferença de 25 milhões de árvores produz um aumento de cerca de 50 milhões de caixas”. E nessa relação, a produção excedente faz com que os preços tendem a ficar lá em baixo.

Em números, a citricultura no País pode ser estimada em 30 mil produtores, de acordo com Viegas. No estado de São Paulo, são cerca de sete a oito mil, dos quais a grande maioria são pequenos e médios. Esse número chegou a ser 30 mil na década de 1990, mas com as constantes crises, muitos deixaram a atividade. Mesmo com a redução do número de produtores, a produtividade foi compensada pela intensificação do aumento de área de cultivo das próprias indústrias, segundo o economista Arthur Antonio Ghilardi.

A saída da crise

Cálculos recentes da Associtros, baseados na safra 2008/2009, realizados por intermédio de uma consultoria, indicam que o custo de uma produção equivalente a 537 caixas por hectare chega a R$ 16,15. Pela conta, o produtor tem um prejuízo de R$ 6,82 por caixa – considerando a média de preço pago de setembro (R$ 9,33). A produção de 537 caixas amargariam R$ 3.662,34 no bolso do citricultor.

Diante desse quadro, o ideal é estar cauteloso com a produção, e avaliar bem se é necessário aumentar a área de produção. De acordo com o Arthur Ghilardi, o ponto fundamental para o produtor ficar de fora dessa crise ou tentar amenizar os riscos e as perdas, é ter um controle rigoroso com a gestão da propriedade. “É importante estar atento ao custo de produção, acompanhar melhor como está o andamento da produtividade. Na hora de comprar os insumos, fazer uma boa compra em termos de preço e quantidade adequada e estudar bem a situação do mercado”, aconselha.

A busca de diversificação na produção pode ser uma saída. Além dos citros, uma outra atividade pode ser estudada para aliviar esses momentos de crise. No entanto, o pesquisador alerta que a busca por diversificação na produção é o ideal, mas tem de se atentar também qual atividade mais se adequaria à propriedade, para não correr a mais prejuízos. Segundo Ghilardi, é preciso se pensar numa atividade que sirva para região, em termos de clima e mercado.

À espera de bons ventos

Com uma produção média de 40 toneladas de laranja por hectare, Mauro Sandoval se diz duvidoso se investirá na área de citros. A espera dele é por momentos melhores em termos de custo de produção, melhor aparato tecnológico para driblar as doenças e pragas, além de preços melhores de mercado. Localizada no berço da citricultura paulista, em Limeira, a fazenda São José da Gruta, tem uma história de 40 anos na citricultura. De acordo com Mauro, a propriedade, adquirida pelos pais dele, já teve outras atividades como a criação de gado e produção de cereais. Foi a partir da década de 1980 pra cá que o produtor resolveu se especializar na citricultura, em função do rendimento que a atividade garantia naquela época.

Hoje, a área de citros é de 120 hectares. Do que produz, cerca de 60% vai para a indústria e os 40% restantes abastecem o mercado interno – como São Paulo, no Ceasa e no Mercado Municipal, e também para outros estados como Mina Gerais, em Belo Horizonte, Distrito Federal, em Brasília, Rio de Janeiro, entre outros.

“Hoje você tem produtores recebendo R$ 15 e produtores recebendo R$ 5 ou R$ 6, quer dizer tem uma gama de situações acontecendo dentro do mercado de citricultura”, avalia Sandoval. “Isso varia de ano para ano, quando existiam muitos contratos múltiplos, de vários anos. Hoje eu tenho me concentrado em fazer a negociação da produção ano a ano. Eu acho que estou numa situação melhor do que no ano passado”, analisa.

Produtor x indústria

“Do ponto de vista do produtor, em geral, as indústrias são muito poucas”, declara Sandoval, em relação às empresas que processam o suco de laranja no Estado de São Paulo (Cutrale, Citrosuco, Citrovita e Louis Dreyfus Commodities). “São quatro grandes compradores de laranja, então há uma concentração pelo lado da indústria. Somado a isso, hoje a indústria tem feito muitos plantios próprios de laranja. Isso, em outros países, tem limitações para esses plantios próprios, que no Brasil não existe”, conta.

Apesar dessa influência, o produtor acredita na ação do mercado que, segundo ele, precisa de algumas disciplinas para funcionar adequadamente. “As indústrias são muito eficientes na logística, na exportação de suco”, diz. “Elas fazem coisas melhores do que produzir laranja, por essa razão elas deveriam se concentrar no que elas fazem de melhor e deixar para o produtor o que ele sabe fazer”.

Única empresa a se pronunciar sobre a questão da citricultura, a Louis Dreyfus Commodities (LDC) não acredita que a produção própria das indústrias reflita na crise que muitos pequenos e médios produtores estão passando. “Toda atividade econômica requer a busca constante por produtividade”, declara em nota a LDC. “A agricultura não é diferente, e especificamente na citricultura, as respostas a ganhos tecnológicos são muito relevantes. Os produtores precisam se atualizar, investir em tecnologia e novas técnicas agrícolas, combater o greening e gerenciar bem a renovação de pomares. A meta é manter alta produtividade e custos competitivos, compatíveis com o mercado global”. Em relação aos preços, a empresa aponta a própria questão de mercado – oferta e procura. “O suco de laranja é uma commodity, com preço cotado na Bolsa de Nova Iorque. Portanto, o preço pago por caixa de laranja – a matéria-prima do suco – segue a clássica ‘lei da oferta e da procura’”, declara a LDC. “O importante é salientar que, quando o preço internacional do suco de laranja é favorável, indústria, citricultores de todos os portes e demais componentes da cadeia produtiva ganham com isso. Quando o preço internacional do suco de laranja cai, todos sofrem”.

Em busca de um diálogo

Para intermediar as partes, o governo do Estado de São Paulo, tenta estabelecer um diálogo possível entre indústria e o citricultor. “A saída é só preço? A que preço a gente vai ter de chegar? Quinze reais, R$ 16, R$ 17 a caixa”, questiona o secretário de Agricultura e Abastecimento, João de Almeida Sampaio Filho. “Os números de suco do mercado mundial, aparentemente, eu não sou especialista, mas aparentemente não remuneram a indústria, de forma que ela pague esse preço aos citricultores. O preço que a indústria paga, que para alguns remuneram (R$ 10, R$ 12, R$ 11 a caixa), é um preço que, para um citricultor, esse citricultor com muitos problemas, nesse momento não resolve”. De acordo com o secretário, os produtores alegavam uma variação de valor pago pela indústria, que chegou a R$ 15 pela caixa – fruta spot, ou seja na porta da indústria, sem contrato. A indústria por sua vez, segundo Sampaio, diz que pagou realmente esse preço a um e outro, mas que o preço médio era abaixo de R$ 10. “Então essa dificuldade de remuneração é o âmago de tudo para que a gente possa encontrar essa saída”.

Endividamento

Para se ter uma idéia da progressão do processo de endividamento da citricultura, a Associtros apresentou um estudo, também realizado via consultoria, no qual vai acompanhando a queda da rentabilidade em 18 anos da produção. O resultado: um prejuízo da ordem de R$ 9.863,50 – considerando uma produtividade de 750 caixas por hectare e uma média de preço de R$ 11,30 por caixa.

O estudo aponta como o setor está mal. E na busca de uma solução o governo criou um grupo de trabalho para analisar melhor essa crise e poder encontrar alguma saída aos produtores. “A gente tem preços históricos em dólar elevadíssimos, se fala hoje em uma caixa de laranja de quatro dólares, quatro dólares e meio, mas que, com o câmbio vigente nesse momento, não remunera o produtor”, analisa o secretário estadual de Agricultura. “O produtor tem um custo de produção em reais que é muito mais elevado do que isso. Então gerou uma dificuldade, e além disso, esses custos estão crescendo a cada ano porque novas doenças aparecem”.

Procurado pelo deputado estadual David Zaia (PPS), então coordenador da Frente Parlamentar da Citricultura na Assembléia paulista, Sampaio propôs a criação desse grupo, coordenado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), para, primeiro, saber de quanto se trata essa dívida – já que ainda não há esse número. Depois saber com quem é para poder renegociar a dívida.

“O Estado está muito preocupado com a situação da citricultura. A citricultura é muito importante para o Brasil, mais fundamentalmente para o estado de São Paulo, e a gente não quer, de maneira nenhuma, que esse citricultor, que hoje passa por uma dificuldade, seja excluído da atividade”, declara Sampaio. “O que a gente precisa fazer é adotar mecanismos de gestão da propriedade, uma gestão sanitária de qualidade, e isso aí é obrigação do citricultor, e o estado apoiando e induzindo para que ele faça boas práticas de produção”.

A favor daqueles por trás de qualquer resultado: o trabalhador

Em termos de exportação de suco de laranja, houve uma queda de 14,88%, considerando o montante acumulado entre os meses de janeiro a agosto em 2007 e 2008, de acordo com o relatório de exportação desenvolvido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). No entanto, ainda segundo os dados do MAPA, referente ao mesmo período, o suco de laranja saltou de 2,7%, em 2007, para 4,1% este ano em termos de participação do montante total exportado pelo País.

Para continuar esse crescimento, ou mesmo mostrar melhor desempenho na produção, o incentivo para o fortalecimento da citricultura é o necessário. E isso não quer dizer apenas números a mais na balança comercial brasileira. Quer dizer também, melhores perspectivas para o homem do campo que se habituou a trabalhar com o citros, e que é o responsável pelos índices de produtividade. “A citricultura representa, me parece, 400 mil empregos diretos”, diz Mauro Sandoval, produtor de citros. “Hoje, o que a gente vê são muitos agricultores pequenos saindo da atividade e indo para a cidade, e o movimento do governo preocupado em assentar outras famílias [onde antes havia citricultores]. (...) Eu vejo um contra-senso nisso. É mais útil para a sociedade brasileira manter essa pessoa [o citricultor] lá dentro, que são bons produtores. Esse sujeito, estimulado, sabendo que dali vai conseguir tirar o sustento da família dele, pagar os estudos do filho, esse sujeito, bem remunerado, vai cuidar demais desse pomar. Ele vai conseguir, por exemplo, detectar o greening na primeira manifestação, e vai tirar essas árvores e por uma outra sadia no lugar, e vai pulverizar no momento certo. Para isso, ele tem de sentir que daquilo lá é a chance na vida de levar prosperidade para a família dele. Daí sim a gente vai conseguir ter sucesso na citricultura”.


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