Elídio
teve muitos filhos, que acabaram por gerar filhos com escravas da fazenda, formando
assim a geração dos quilombolas que hoje lutam por seus direitos.
Dali são originários cerca de 1000 remanescentes, mas por
conta de questões financeiras, de saúde ou ambientais, mais ou menos
400 deles foram obrigados a se mudar de lá. No momento não
podemos tirar uma grama pra plantar um alface, então nós temos aí
umas 53 famílias que vão e vem por esses motivos. O marido e a mulher
ficam aqui e os filhos ficam em outro bairro pra poder estudar, explica
Antônio dos Santos, Presidente de Honra da Associação da Comunidade
Remanescentes do Quilombo Caçandoca. A impossibilidade de plantar vem de
uma licença que a prefeitura de Ubatuba não concede. No momento
em que você tira um capim, você é multado. A maioria das famílias
daqui foram todas multadas pela polícia ambiental, conta Antônio.
Mas os problemas dos quilombolas não param por aí. Desde
1630, quando acredita-se que o Quilombo tenha surgido, até há três
meses atrás, os remanescentes viviam sem luz. A energia elétrica
chegou ao Quilombo, mas não para todos. Até o momento não
foi colocada a luz no quilombo todo e com certeza estão recusando colocar
a luz em certas casas. Nós estamos aguardando que isso seja terminado,
então essa é uma parte da dificuldade, afirma Antônio,
que acredita que estão criando dificuldades para que os quilombolas não
continuem naquele local paradisíaco e praticamente intocado. Antonio conta
que pretendiam construir um condomínio fechado naquele local. Tem
muita gente que ainda não se conforma dos remanescentes ficarem aqui então
fazem manobras de tudo quanto é forma pra verem se a gente desiste de ficar
aqui, coisa que a gente não vai fazer, então podem aparecer pessoas
que estão a mando de outras pessoas para pressionar nós. É
uma situação que você não sabe quem é quem,
comenta Antonio, que conta casos de sabotagem, vandalismo e até atentados
contra os moradores do Quilombo. No ano passado foram incendiadas três
residências e apedrejaram outra, incendiaram uma lanchonete lá embaixo
na praia, derrubaram a nossa capela, que é um patrimônio histórico,
aquela capela é de 1950 e nós estamos aí sem nos amedrontarmos.
Mas até agora ninguém foi preso e nós não sabemos
quem são os responsáveis, conta.
Mas, se é
verdade que os problemas que vivem os quilombolas são grandes, as soluções
parecem ser animadoras. A comunidade Caçandoca foi o primeiro quilombo
do país a obter a posse de seu território mediante o instrumento
da desapropriação por interesse social. O Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi o responsável
pela ação, concedendo a posse da área em 5 de dezembro de
2006. Desde então, uma equipe técnica do órgão vem
viabilizando a execução de políticas públicas voltadas
ao desenvolvimento sustentável da comunidade. O Incra está
dentro do programa de desenvolvimento sustentável e está implementando
as políticas públicas destinadas a assentamentos. Tem um recurso
de fomento que corresponde a R$ 2.400,00 por família e isso é administrado
coletivamente pela associação. Em seguida, há o projeto de
moradia. São R$ 5.000,00 por família e também vai ser operado
pela Associação. Esses são os principais projetos do ponto
de vista de recursos públicos, de políticas públicas,
explica Araquém Andrade, Técnico de Cooperativa do Incra. Fora isso,
o Incra apóia os 5 projetos básicos do Quilombo proposto pela Associação,
que são a criação de abelhas nativas, a exploração
da praia como ponto turístico, a produção de mexilhões,
a casa de artesanato e, finalmente, a produção da polpa de juçara,
e conseqüentemente, as mudas de palmito.
Este último projeto
foi uma grande surpresa para os quilombolas, já que eles não imaginavam
o valor que as pequenas frutas dessa palmeira têm no mercado. A juçara
é muito cobiçada por causa do palmito que se encontra em seu tronco.
Só que ao explorar essa parte, é necessário derrubar a árvore.
Já o fruto da juçara pode ser explorado de maneira sustentável,
sem derrubar nenhuma palmeira. A Associação dos Remanescentes da
Comunidade do Quilombo Caçandoca colhem os frutos desta palmeira nativa
três vezes por ano. Depois eles são processados e acondicionados
em embalagens próprias para a comercialização. A produção
agroecológica do fruto de juçara apresenta boas perspectivas de
renda para a comunidade, pois a polpa tem aceitação cada vez maior
como energético, utilizada como suco ou em combinações com
banana, granola e guaraná.
Um convênio no valor de R$ 20.000,00
firmado pelo Incra-SP e pela Associação permitiu a aquisição
de equipamentos para tirar a polpa e embalar os produtos. Esse convênio
foi anterior à desapropriação, anterior aos programas de
políticas públicas. O Incra mantém junto com o Ministério
do Desenvolvimento Agrário linhas de financiamento, programas de geração
de emprego e renda; e a gente apresentou um projeto de aproveitamento dos 35 mil
pés de palmito que têm nessa mata para a produção da
polpa da juçara. O projeto foi aprovado e isso gerou um convênio
entre a Associação e o Incra de São Paulo para o desenvolvimento
dessa atividade, explica Araquém. Esse projeto produziu resultados
de capacitação da população local para esse tipo de
trabalho, produziu o viveiro de mudas e deu só na primeira safra de 2007,
cerca de R$ 4.000,00 líquidos da venda do fruto da juçara na cidade
de Ubatuba, segundo Araquém.
A juçara apresenta a mesma
particularidade de outra palmeira, o Açaizeiro, produzindo frutos de alto
valor nutritivo e econômico. Embora o Açaí seja mais famoso,
há pesquisas que constataram quantidades maiores de substâncias como
antocianina na juçara. Esse pigmento possui função antioxidante
e anti-radicalar que asseguram uma melhor circulação sangüínea
e protegem o organismo contra o acúmulo de placas de gordura.
A colheita do fruto da juçara é feita de forma planejada, limitando-se
a um em cada quatro cachos produzidos anualmente por pé adulto. Cada cacho
fornece cerca de cinco litros de polpa. A colheita é feita a cada
3 ou 4 meses e nós estávamos vendendo a R$ 8,00 reais o litro. A
quantia que a gente tirar, a gente vende. A nossa equipe é de 6 pessoas
então a produção estava saindo pouca, mas o lucro é
bom, porque além da gente vender o suco, as mudas também estavam
sendo vendidas, conta Antônio. A muda de juçara pode alcançar
até R$ 1,80 se for vendida para empresas de reflorestamento. O viveiro
já tem mudas de abricó, caju, rosa e plantas medicinais a serem
usadas para sustento e comercialização.
Outra conquista
da comunidade foi a aquisição de dois freezers, que garantem a refrigeração
das polpas de juçara. Neste sentido, o programa Luz para Todos, implantado
há dois meses no quilombo, foi outra política pública essencial
para garantir um desenvolvimento sustentável para os quilombolas de Caçandoca.
O presidente da Associação, Fernando Francisco de Almeida, ressalta
que a opção pela colheita do fruto da palmeira juçara foi
feita pensando também na recuperação de áreas degradadas.
Além de aproveitarem a polpa, as sementes residuais são plantadas
no viveiro de mudas já implantado pelo convênio.
Apesar
das tantas batalhas e vitórias pelas quais passaram os quilombolas, ainda
parece que há um longo caminho a ser percorrido até que alcancem
a tranqüilidade. Antônio conta que as palmeiras de juçara estão
sendo cortadas clandestinamente por cortadores de palmito que entram na área
do quilombo, prejudicando o sustento dos quilombolas e a natureza também,
visto que aquela é a maior reserva de palmeira juçara do Estado
de São Paulo. A juçara é dos nossos ancestrais e no
pé que dá três cachos a gente só tira dois, se dá
quatro a gente tira três e se dá cinco a gente tira quatro, é
sempre deixado uma parte, conta Antônio. É assim, de maneira
sustentável e ecológica que dezenas de famílias tiram o seu
sustento, resistem às adversidades e ainda preservam a natureza em uma
área já tão degradada como a mata atlântica litorânea.
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