O
medo é justificável e, historicamente, previsível. Quem não
se lembra de frases como comida de forno de microondas dá câncer,
ou falar muito ao celular causa problemas neurológicos, ou
coisas mais antigas, como a fotografia aprisiona a alma das pessoas.
Exageros à parte nos exemplos, a verdade é que a sociedade sempre
recebe com temor e descrédito as grandes descobertas científicas,
e não há, a curto prazo, argumento científico ou estatístico
que acalme o sentimento geral. Essa missão cabe, única e exclusivamente,
ao tempo.
Por outro lado, não são apenas trabalhos científicos
que indicam o provável acerto no emprego de transgênicos. Experiências
práticas bem sucedidas em outros países também asseguram
que é possível utilizar esses produtos sem maiores problemas ou
prejuízos. Ao contrário. Num mercado internacional cada vez mais
competitivo e feroz, e com a vocação messiânica do Brasil
para se transformar no tal celeiro do mundo, é bom ficarmos
de olhos abertos, para não perdermos o bonde da história. Sem
onus comercial Leonardo
Sologuren, engenheiro agrônomo, diretor da Céleres e conselheiro
do CIB questiona a possível vantagem do Brasil em produzir milho convencional.
Em diversas situações, divulgou-se na mídia ou nos
bastidores do mercado, de que os preços pagos aos produtos não geneticamente
modificados seriam mais elevados no mercado internacional e que ao mesmo tempo,
a parcela conquistada nas transações internacionais seria incrementada
por parte dos países que não são adeptos a produção
de transgênicos. Através deste ponto de vista, os defensores da agricultura
convencional partiram do pressuposto de que o Brasil seria favorecido pela não
produção de transgênicos. Alegaram que os países da
Ásia e Europa eram adversos ao consumo de produtos geneticamente modificados,
e que o Brasil passaria a ser um dos principais fornecedoresde grãos a
estes dois continentes, conta.
Para argumentar a hipótese
destas tendências, Sologuren sugere uma análise de dados comerciais
entre Brasil e Argentina para fornecer subsídios para averiguar se houve
vantagem para o Brasil em comercializar produtos convencionais.
A produção
de milho geneticamente modificado na Argentina teve o seu início na safra
1996/97, quando foram cultivados apenas 70 mil hectares. De lá para cá,
a produção de milho Bt na Argentina registrou um crescimento médio
anual de cerca de 50%, o que representa 8,0% dos 13,5 milhões de hectares
cultivados com produtos geneticamente modificados na Argentina.
A hipótese
de que consumidores europeus e asiáticos refutam os produtos transgênicos
poderia ser quebrada pelo padrão de comportamento observado nas exportações
de milho da Argentina. Realizando uma análise do período de 1997
a 2006, conclui-se que os europeus e os asiáticos estão entre os
principais importadores de milho da Argentina. A Espanha se destaca em segundo
lugar no ranking, com uma aquisição da ordem de 6,23 milhões
de toneladas no acumulado do período. O Japão aparece em sexto lugar
na lista, com um volume de aquisição de 3,95 milhões de toneladas,
enquanto a Coréia do Sul se destaca em oitavo lugar com volume total importado
no período de 2,78 milhões de toneladas. Ainda figuram entre os
principais importadores, Malásia (9º), Portugal (11º), Taiwan
(15º) e Reino Unido (16º), em uma lista que contempla 106 países.
Desde que o Brasil passou a ser um exportador freqüente de milho
ao mercado internacional, a Espanha e a Coréia do Sul se destacaram como
os dois principais importadores do produto tupiniquim. De 2001 a 2003, a Espanha
adquiriu um volume total de milho do Brasil da ordem de 2,01 milhões de
toneladas. No mesmo período, a Espanha importou da Argentina 2,32 milhões
de toneladas. Já a Coréia do Sul importou do Brasil um volume total
de 2,73 milhões de toneladas de 2001 a 2003, enquanto o volume adquirido
da Argentina no mesmo período foi de 1,75 milhão de toneladas. Por
parte do Japão, o volume adquirido tanto na Argentina quanto no Brasil
foi de 1,21 milhão de toneladas.
Pode-se dizer que, de fato, o
Brasil está ocupando uma parcela de mercado que antes era da Argentina,
o que é natural ocorrer quando há a entrada de um novo player no
mercado. Entretanto, a Argentina não deixou de abastecer os países
europeus e asiáticos. Além do mais, quando os preços são
analisados, chegamos à conclusão de que o milho brasileiro não
recebe nenhum prêmio por ser livre de transgenia. Em 2003 os preços
do milho praticados no porto de Paranaguá foram apenas 0,6% superiores
aos preços do milho praticados no porto de Buenos Aires. Em 2001, o preço
no porto de Buenos Aires chegou a ser 6,6% superior ao de Paranaguá.
Sabe-se que um dos grandes entraves a competitividade do milho no mercado internacional
é a sua baixa produtividade. Enquanto o rendimento médio por área
no Brasil foi 3.610 kg/hectare na safra 2002/03, na Argentina o rendimento médio
na mesma safra foi de 6.477 kg/hectare. Obviamente, que se poderia argumentar
que as condições naturais de cultivo de milho na Argentina são
mais favoráveis, o que de fato, é verdade. Todavia, os custos de
produção na Argentina tornaram-se ainda mais competitivos com a
adoção dos trangênicos, o que deixa o país em vantagem
frente ao Brasil.
Ao mesmo tempo, o volume de hectares infestados com
lepidópteras prejudiciais a cultura do milho é muito superior em
relação à Argentina. Estima-se, que somente no Brasil, mais
de 7 milhões de hectares de milho são infestados com tais lepidópteras
em uma área de cultivo total de 13 milhões de hectares. Não
há dúvida, de que a adoção do milho Bt seria benéfico
tanto para a redução dos custos de produção quanto
para o aumento da produtividade.
A pergunta que fica é: qual a
vantagem competitiva do Brasil do ponto de vista comercial em produzir milho convencional
frente aos países concorrentes no mercado internacional que produzem milho
geneticamente modificado? Em termos de transações comerciais, é
possível detectar que não há nenhuma vantagem, seja em termos
de preço seja em termos de conquista de mercado. Muito menos do ponto de
vista da competitividade como eficiência, onde são analisados fatores
como a capacidade de conversão dos insumos em máxima produtividade.
Sem
danos para a saúde Uma
das bandeiras levantadas pelos inimigos dos organismos geneticamente modificados
são os possíveis riscos que estes produtos trariam a saúde
humana. De acordo com Raquel Monteiro Cordeiro de Azeredo, membro do Departamento
de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa,
MG, nada foi até hoje provado nessa linha de raciocínio. Ao contrário,
as pesquisas mais sérias e embasadas já realizadas dão argumentos
favoráveis aos transgênicos. Raquel aponta um relatório feito
por uma comissão da União de Academias de Ciência e Humanidades
da Alemanha, que trata da biotecnologia aplicada à agricultura, em que
foram analisados os riscos potenciais do consumo de alimentos geneticamente modificados.
O relatório, conduzido sob ponto de vista estritamente científico
e com base em estudos liderados por pesquisadores idôneos, apresentou evidências
de que alimentos derivados de plantas transgênicas são equivalentes
ou mesmo superiores a suas contrapartes convencionais, no que se refere a questões
de saúde. Foram levados em conta o potencial carcinogênico, toxigênico
e alergênico desses alimentos, bem como possíveis efeitos indesejáveis
resultantes da ingestão de DNA transgênico.
Ao examinar
se alimentos derivados de milhos GM poderiam oferecer maiores riscos à
saúde do que os elaborados com material convencional, a comissão
constatou a superioridade dos alimentos feitos com milho transgênico. Observou-se
no milho comum uma excessiva contaminação por fumosina, uma toxina
de fungos, sendo as maiores concentrações encontradas em alimentos
identificados como orgânicos. Já no milho transgênico
a toxina era muito reduzida, resultado da inserção de um gene de
resistência a insetos que torna o grão menos suscetível ao
ataque por fungos.
Segundo a comissão, os perigos relacionados
a mutações e aparecimento de compostos carcinogênicos são
muito menores na geração de plantas GM do que em processos convencionais
em que se utilizam substâncias químicas mutagênicas ou irradiação
gama. Além do mais, os alimentos transgênicos são submetidos
a testes rigorosos antes de sua liberação, usando animais de laboratório,
o que não ocorre com alimentos elaborados com plantas obtidas por métodos
convencionais.
O receio de que o consumo de alimentos derivados de plantas
GM resulte em grande risco de manifestações alérgicas é
um dos argumentos bastante explorados por ativistas antibiotecnologia. Entretanto,
como os alimentos transgênicos são obrigatoriamente testados para
avaliar seu potencial alergênico, por meio de protocolos aprovados por organismos
internacionais, sua segurança é muito maior do que os alimentos
convencionais. Como ilustração, cita-se o caso do amendoim comum,
com cerca de 12 proteínas alergênicas, cuja utilização
na alimentação humana não sofre qualquer restrição
legal.
Semelhantemente, a teoria de que o DNA transgênico poderia
afetar a saúde humana, por aderir a células intestinais, também
foi refutada. Todos os dias ingere-se entre 0,1 e 1 grama de DNA na alimentação.
Se o alimento for derivado de planta GM, apenas uma partícula desse DNA
será transgênico (entre 1/100.000 e 1/1.000.000). Pesquisadores mostram
evidências de que sua digestão não difere do que ocorre com
o DNA de qualquer alimento. Além do mais, os organismos são dotados
de barreiras que inibem as transferências de genes de plantas
para o genoma animal.
Como os países europeus têm sido excepcionalmente
cautelosos com relação aos alimentos geneticamente modificados,
o relatório dessa comissão vem abalar as já desgastadas argumentações
desprovidas de fundamentação científica ou, mesmo, circunstancial,
usadas em campanhas de oponentes da biotecnologia, os quais se dedicam a difundir
a idéia de que os alimentos transgênicos representam um perigo à
saúde. O documento menciona um argumento irrefutável a favor da
segurança dos alimentos transgênicos. Consiste no fato de que desde
1996 especialmente nos Estados Unidos centenas de milhões
de pessoas vêm consumindo produtos feitos com plantas GM rotineiramente,
sem que um caso sequer tenha sido comprovada a ocorrência de algum efeito
adverso em razão desse consumo. Sem
danos para o meio ambiente O
plantio do milho geneticamente modificado em diversos países tem demonstrado
que a coexistência com as variedades convencionais é possível,
desde que valorizado o conhecimento científico e respeitadas as boas regras
de manejo agrícola. O resultado de tal prática é que, quando
conduzidas por pessoas neutras, com expertise tecnológica e vivência
nas atividades agronômicas, as informações do campo tornam-se
fonte precisa e segura para políticos, associações ecológicas
e toda sociedade, de maneira objetiva e transparente.
Muitas discussões
sobre os riscos do cultivo de transgênicos sobre o meio-ambiente se justificam
no fato de que pouco se sabe, e pouco se estudou sobre o assunto dentro do país
até o momento. Há, porém, inúmeros estudos já
elaborados por entidades respeitadas em todo o mundo, e sem pressão ou
influência econômica das grandes empresas do setor, que poderiam ajudar
a acalmar o medo dos ambientalistas de plantão. Onze estudos de campo abordando
o impacto de plantas geneticamente modificadas sobre organismos não-alvo
foram realizados nos Estados Unidos e na Austrália e publicados, na forma
de 13 artigos revisados por especialistas altamente conceituados, no renomado
Environmental Entomology. O periódico é publicado pela Sociedade Entomológica
dos Estados Unidos, organização sem fins lucrativos fundada em 1889.
As plantas transgênicas atualmente comercializadas podem ser tolerantes
a herbicidas, capazes de produzir proteínas da bactéria inseticida
Bacillus thuringiensis (Bt) que conferem às plantas resistência
ao ataque de pragas específicas , ou ainda combinar as duas características.
Vários fatores são mencionados como favoráveis à adoção
das plantas Bt, como eficiência no controle de determinadas pragas em algumas
lavouras, aumento da produtividade, redução dos custos de produção
e redução no emprego de inseticidas químicos que atuam sobre
diferentes insetos que causam danos às plantações. Conseqüentemente,
a redução no uso de inseticidas também favorece o controle
biológico natural, pois os insetos benéficos ficam menos sujeito
aos produtos químicos.
Críticos da tecnologia destacam,
entre outros, a possibilidade de ocorrência da transferência de genes
de organismos transgênicos para indivíduos da mesma espécie
ou de espécies diferentes, desenvolvimento de resistência das pragas
às toxinas expressas pelas plantas biomelhoradas e efeitos indesejáveis
dessas plantas sobre organismos que não são alvos de controle, mas
que fazem parte dos ecossistemas nos quais estão as plantas GMs cultivadas.
As pesquisas publicadas no Environmental Entomology abordam exatamente
o impacto de plantas Bt sobre organismos não-alvo e, no conjunto, constituem
a avaliação mais completa desta natureza já realizada até
o momento. A riqueza da pesquisa deve-se à complementaridade dos estudos,
à diversidade de organismos avaliados, à freqüência e
variação dos métodos de amostragem empregados e ao tempo
de realização dos testes de campo. A maior parte dos estudos teve
de dois a três anos de duração, chegando a cinco ou seis em
algumas situações.
Em estudos com milho Bt , a quantidade
de organismos não-alvos da tecnologia, incluindo inimigos naturais de pragas
que são agentes de controle biológico, não foi afetada significativamente.
Segundo os autores dos trabalhos, as poucas alterações observadas
foram relacionadas com a menor quantidade de lagartas (pragas) nas lavouras, como
conseqüência da eficiência de controle das plantas Bt. Essa menor
quantidade de pragas resulta, em muitos casos, na menor presença de seus
inimigos naturais específicos. Em um dos estudos, no qual foram avaliadas
mais de 200 espécies de insetos e aranhas, o único efeito indireto
inesperado foi a menor ocorrência nas parcelas transgênicas de uma
espécie de percevejo benéfico.
Por último, os estudos
de campo com milho Bt resistente a besouros demonstram que os efeitos foram positivos
no controle das pragas conhecidas como vaquinhas, alvos da tecnologia.
Outros besouros, como as joaninhas e os conhecidos como carabídeos, que
são importantes inimigos naturais de pragas, não foram afetados
pelo milho Bt estudado. Ou seja, a proteína inseticida expressa por essas
plantas transgênicas teve efeito apenas sobre as pragas que são alvos
de controle.
Conjuntamente, os estudos de campo demonstraram cientificamente
que as plantas transgênicas avaliadas não afetaram os organismos
que não são alvos de controle da tecnologia Bt. E, mais importante,
os resultados científicos indicam que as plantas Bt não causam efeitos
negativos diretos sobre organismos benéficos das lavouras. Ainda, os autores
demonstraram que os inseticidas químicos normalmente empregados nas lavouras
de algodão e milho podem ser, em alguns casos, prejudiciais aos organismos
que não são pragas. |