Inserido
numa das cadeias mais importantes do agronegócio, mas
pouco exposto aos holofotes, o couro do bovino brasileiro
começa a cair nas graças da demanda internacional
e despontar como um segmento de fortes atrativos, passível
de uma exploração mais intensa e eficaz, no
comércio exterior. A produção mundial
passou de 304,9 milhões de unidades, em 1995, para
329,7 milhões, em 2003. Nesse período, a participação
do Brasil saiu de 8,86% (27 milhões de peças),
para 10,77% (35,5 milhões). As vendas externas, fechadas
em 2003, atingiram um volume de 263,2 mil toneladas e uma
receita de US$ 1,06 bilhão.
Apesar de algumas oscilações negativas, o desempenho
das exportações mostra-se ascendente, desde
1996, quando foram embarcadas 208,7 mil toneladas de peles
e alcançado um faturamento de US$ 677,8 milhões.
A constatação é do assistente de pesquisa
José Venâncio de Resende, e do pesquisador Luiz
Henrique Perez, ambos do IEA-Instituto de Economia Agrícola,
da Secretaria de Agricultura de São Paulo.O comportamento
das transações, nestes oito anos, permite concluir
que a presença brasileira tende a crescer no mercado
internacional de "tanto pelo aumento contínuo
do rebanho, quanto pela expansão da demanda à
carne nacional."
Diante disso, para eles, não é muito ousado
prever que o País, no médio prazo, poderá
se transformar "no maior fornecedor mundial." Essa
internacionalização, acrescentam, "é
consistente, sustentada e definitiva", visto que a produção
é suficiente para suprir as necessidades internas e
atender a crescente procura externa. A satisfação
dessas exigência pode ser atribuída à
prática de uma estratégia setorial "de
ter como foco a política de exportação
apenas dos excedentes, ao contrário da lógica
que prevalece, ainda hoje, em outros segmentos da economia
nacional."
Os curtumes, assinalam, estão preparados para assumir
essa liderança, pois "possuem capacidade instalada
para produzir 42 milhões de couros acabados, operando
em três turnos." Desde 1988, o fornecimento interno
com 19 milhões de peças/ano, em média,
apesar da oferta, resultante do abates, "ter crescido
51%, para 35,5 milhões de unidades/ano."
A presença do Brasil no mercado externo é marcada,
basicamente, com o couro de maior valor agregado - crust (semi-acabado),
e acabado. Porém, a partir da metade dos anos 90, entra
em cena o wet blue (couro banhado em água e cloro logo
após a esfola), e ganha a preferência, principalmente
da Itália.
No entanto, em 2001, entra em vigor a alíquota de imposto
sobre exportação, de 9%, que é aplicada
sobre o wet blue, provocando uma quase estagnação
nas vendas. Isso faz com que a oferta do crust e do acabado
seja ampliada. Com isso, a comercialização física
do produto acabado "cresceram 245%, entre os anos 2000
e 2003, com um aumento de 238% no ingresso de divisas."
No mesmo período, os embarques do wet blue "têm
uma expansão de 28%, em volume, e uma queda de 8%,
em dólar." Tanto Resende quanto Perez, acreditam
que a incidência do imposto tenha contribuído
para a agregação de valor no couro enviado para
o estrangeiro.
No entanto, apontam, há um cronograma de "desgravação"
em andamento que, atualmente, diminuiu essa taxa para 7% e,
até janeiro de 2006, dever ser reduzida a zero. Essa
isenção na aduana brasileira não impede
que outros países criem dificuldades para o produto
em seus mercados, como é o caso da União Européia,
que aplica uma taxa de 6,5% sobre os tipos crust e acabado.
Argentina, China, Índia e Rússia, por sua vez,
estabelecem política tarifárias e não-tarifárias,
entre outras restrições, que possibilitam a
agregação de valor à mercadoria nacional
em seus territórios.
Ano passado, durante reunião em Porto Alegre (RS),
representantes do setor chegaram a um consenso sobre o couro
"ter uma cotação muito baixa, devido à
falta de qualidade." Fazendo comparações,
apontaram que o wet blue brasileiro é cotado, em média,
a US$ 32,00, por peça, enquanto o estadunidense vale
US$ 52,00, no mercado internacional. Para Antenor Nogueira,
representante da CNA-Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária, "o produtor somente vai
cuidar do couro se for adequadamente remunerado." Defendeu,
ainda, que o produto seja pago "em separado" e classificado
conforme a qualidade.
Segundo ele, os pecuaristas reivindicam esse pagamento junto
aos frigoríficos, inclusive com uma tabela, já
elaborada, pela CNA. Nessa montagem foram listados três
níveis de qualidade, com valor crescente de R$ 7,00,
R$ 11,00 e R$ 15,00, por peça. Nogueira entende que
a aplicação imediata desse programa serviria
de incentivo para o criador cuidar melhor do couro, evitando
marcar o gado a ferro, combatendo com mais eficiência
parasitas, como o berne, o carrapato, e dando mais atenção
ao transporte dos animais. Na réplica, o presidente
do Centro das Indústrias de Curtume do Brasil, Amadeu
Pedrosa, disse que os frigoríficos recebem um diferencial
de R$ 0,l0 por quilo do couro com qualidade acima da média.
O ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Luiz Hafers,
não só concorda com as reivindicações
da CNA, como também sugere a manutenção
do cronograma "para eliminar o confisco sobre o pecuarista,
representado pelo imposto sobre o wet blue." Para ele,
essa taxa está estimada em "10% da produção
nacional, o que equivale a 3,5 milhões de peças."
Enfatiza, mais adiante, que esse arresto "pode chegar
a 15% devido à forma de cálculo do imposto de
exportação, no valor FOB, que reduz o preço
da matéria-prima para a indústria nacional e
transfere a diferença, em forma de perda, principalmente
para a pecuária." O produtor recebe menos, embora
não se dê conta disso "porque não
recolhe, diretamente o imposto e não tem estímulo
para melhorar a qualidade."
A Apex-Agência de Promoção dae Exportações,
do Brasil, lançou, em conjunto com o Centro das Indústrias
de Curtume do Brasil, (CICB), o Programa Brasileiro de Expansão
das Exportações de Couro, responsabilizando
o criador por "55% dos problemas/prejuízos encontrados
no produto, do nascimento do animal à separação
para abate." Entre os danos cita marcas de fogo "em
todas as regiões da pele, além de sinais provocados
por ectoparasitos, bem como riscos abertos e cicatrizados."
A agência atribui os restantes 45% das ocorrências
aos frigoríficos e curtumes, como "furos de ferrões,
riscos por parafusos e pregos, abertura irregular do couro,
furos e raias provocados durante a esfola, além de
defeitos na conservação."
Para melhorar a qualidade, a Apex sugere que os pecuaristas
eliminem a marca a fogo fora dos locais prefixados por lei
e, para os frigoríficos, que melhorem a qualidade da
esfola, com redução e eliminação
de defeitos de abertura, raias e furos que ocorrem durante
a retirada da carcaça do animal. A busca por uma solução
permeia todos os segmentos envolvidos. O Sindicato das Indústrias
de Curtimento de Couros e Peles, de São Paulo, está
estudando a criação de um sistema de remuneração
ao pecuarista. Porém, há um consenso de que
o produto acaba sendo valorizado pela média, praticamente
inexistindo qualquer bonificação pelo quesito
qualidade.
Identificados os transtornos, os embarques prosseguem sem
maiores obstáculos. Dados da Secex, não fechados,
indicavam que, até julho de 2004, foram exportadas
188,2 mil toneladas, com uma receita de US$ 732,6 milhões,
permitindo supor que, no final do período, esse valor
poderia superar os US$ 1,2 bilhão.A Itália foi
responsável por 29,39% do total exportado e por 40,29%
do volume, pagando um preço médio de US$2,94/kg,
"o que é um indício da predominância
de produtos pouco processados", observam Resende e Perez.
Na seqüência, Hong Kong e China são dois
grandes consumidores, pois, somados, importaram 27,14% da
receita e 32,22% da quantidade embarcada, "mas com preços
abaixo da média geral."
Rio Grande do Sul e São Paulo, são os dois grandes
exportadores brasileiros, respondendo, em conjunto, por 62,6%
do valor, e por 60,1% da tonelagem exportada. O Ceará
se posiciona em terceiro lugar no ranking, em função
do "ótimo" preço alcançado,
cerca de US$ 8,99/kg, mostrando que oferece um produto com
qualidade acima da média. Outros Estados com peso nas
vendas externas são: Bahia, Goiás, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.
Resende e Perez afirmam que a diversificação
da demanda mundial de couro "mudou de forma significativa
entre as décadas de 1980 e 1990, com a participação
da indústria de calçados caindo de 70% para
45%, no período. Em contrapartida, artefatos, vestuários
e estofamento, que representavam 30% do destino do produto,
ampliaram a procura e, hoje, vestuário participa com
20% e estofamento consome cerca de 35% da oferta."
Os técnicos do IEA reiteram que a demanda pelo produto
"é crescente" e, para atende-la, nos mais
diversos usos, desde calçados até revestimento
de veículos e móveis, vários Estados
desenvolvem programas de incentivos, aplicados a toda a cadeia.
É o caso, por exemplo, de Minas Gerais, que registra
novos investimentos dos curtumes na produção
e correção do couro, bem como o esforço
dos pecuaristas em melhorar o manejo e a criação
de bovinos, elevando a competitividade no exterior e ampliando
as exportações.
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