Nos tempos áureos de sua história, a ovinocultura
gaúcha detinha, não só status de segunda
atividade no Rio Grande do Sul, como mantinha um efetivo que
até meados da década de 1990, era superior a
12 milhões de cabeças, numericamente considerado
o maior do Brasil. Além disso, o interesse do público
por essa carne fez do cordeiro um animal bastante apreciado
na culinária local.
No
entanto, como sua participação de mercado era
voltada, exclusivamente à produção de
lã, face à perda do valor deste produto no mercado
internacional, causado pela entrada de fibras de origem sintética,
os rebanhos da região começaram a diminuir,
paulatinamente, chegando a 5,6 milhões de cabeças
no ano de 2000, ou 38,5% do efetivo nacional. De lá
para cá, a situação ficou ainda pior,
e hoje, este número é inferior a 5 milhões
de cabeças.
Segundo Flávio Augusto D' Araújo Couto, consultor
do CNPQ, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico, órgão ligado ao Ministério
da Ciência e Tecnologia, o efetivo de ovinos no Brasil
diminuiu cerca de 20,3% no período de 1980 a 2000,
passando de 18,3 milhões de cabeças para 14,6
milhões no término desta fase. Segundo ele,
essa queda do rebanho nacional se deve, principalmente, à
diminuição dos rebanhos da Região Sul,
que diminuíram 51,4%, aproximadamente, abaixando a
participação da região no rebanho nacional
de 63,3% para 38,6%. Por esse motivo, um número cada
vez maior de produtores de diferentes localidades no Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná, estão buscando
na migração para outras atividades como, agricultura,
por exemplo, a saída para sua permanência nas
zonas rurais. Alguns produtores, que não querem deixar
a atividade, para garantirem sua sobrevivência, estão
mudando de orientação, passando de ovinos tipo
lã para raças também lanadas, porém
com dupla aptidão (lã e carne). Outros, por
sua vez, estão reformulando seus planteis para raças
específicas na produção de carne, mas
com uma lã de qualidade inferior.
Já Álvaro Lima da Silva, presidente da Fecolã,
Federação das Cooperativas de Lã do Brasil,
fala que nos últimos anos, teve início dentro
do estado, uma retomada do crescimento na atividade de ovinocultura,
sobretudo, aquela voltada para produção de lã.
Segundo ele, esse movimento esta sendo acompanhado por uma
forte motivação da cadeia produtiva, que já
aposta, inclusive, no completo reestabelecimento do setor
e na reconquista de antigos mercados, antes dominados pela
lã gaúcha e que foram perdidos pela baixa na
oferta da última década. " É preciso
retomar a produção de lã dentro das fazendas,
sobretudo nas regiões mais tradicionais, onde no início
da década de 1990, o volume produzido era de 36 milhões
de quilos de lã por ano, dentro de um universo de 12
milhões de animais, e que hoje, não é
superior a 11 milhões de quilos, fruto do baixo efetivo
do estado", ressalta Álvaro Lima. O presidente
da entidade observa ainda que o fato da indústria nacional
de vestuário ser o principal consumidor dessa lã
considerada de primeira qualidade, não significa que
este seja o único nicho atendido pelo setor laneiro.
Este universo é bem mais amplo e congrega outro ramos
de atividade como as indústrias de tapeçaria
e de artesanato, por exemplo, que por possuírem uma
exigência menor quanto a pureza da lã utilizada,
podem ser atendidas por raças consideradas mistas ou
de dupla aptidão.
Para o consultor do CNPQ, a caprinocultura no contexto da
região sul do país sempre foi de pequena importância
econômica e caracteristicamente especializada em raças
européias para produção de leite. Segundo
ele, o setor experimenta também dificuldades atuais
passando o efetivo da região de 243,6 mil cabeças
em 1991 para 150,1 mil cabeças em 2000." A perda
no efetivo de 38,2% neste último decênio está
ligada principalmente à perda de produtividade, ocasionada
por problemas sanitários e consequentemente de custos
de produção dentro da fazenda e a dificuldades
na organização da cadeia produtiva dentro do
conceito atual do agronegócio. Orientações
adequadas tornam-se urgentes para restabelecer a sustentabilidade
e lucratividade do setor", alerta.
Octaviano Alves Pereira Neto, médico veterinário
e supervisor regional do SENAR, Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural, RS, lembra que com a crise do setor laneiro
houve uma forte desestruturação e esse é
o momento de buscar reconstruir a ovinocultura gaúcha.
Segundo Neto, o programa "Q-lã" é
uma das muitas ações que o SENAR desenvolve
em parceria com entidades representativas, voltadas à
melhoria da qualidade da lã produzida no estado. O
programa conta com a participação do Secretariado
Uruguaio da lã (S.U.L), com o qual a entidade firmou
convênio de cooperação técnica,
além do apoio da FECOLÃ, FARSUL, SEBRAE, e cooperativas
de produtores. Entre as ações destacam-se a
melhoria da capacitação de produtores e trabalhadores
rurais, tanto os peões que trabalham diretamente na
lida com os animais como das empresas que realizam a tosquia.
De acordo com o supervisor técnico da entidade, a partir
do ano que vem, deverão ocorrer treinamentos de tosadores
pelo sistema Tally-Hi (tosquia australiana), o qual capacitará
profissionais, para que no futuro se tornem instrutores para
difundir essa técnica no setor. " Existe uma real
sinalização da indústria de uma melhor
remuneração para a lã enviada dentro
dos padrões exigidos, já na próxima safra.
O sistema denominado pelo técnico de "ganha-ganha",
segundo ele, beneficia todos os elos da cadeia, desde o produtor
que passa a receber mais pela excelência do produto
até a outra ponta, lá no varejo, que não
precisa pagar as custas das oscilações de preço,
fruto das freqüentes baixas na oferta de matéria-prima.
Outra iniciativa pioneira do setor desenvolvida por órgãos
representativos do governo em parceria com grupos de ovinocultores
é o Sistema de Cruzamento de Ovinos da Embrapa Pecuária
Sul. De acordo com o pesquisador da entidade Sérgio
Renan Alves, essa técnica tem sido uma ferramenta importante
para o aumento do potencial de produção de carne
através da genética. Além disso, esse
modelo traz benefícios para os componentes da cadeia
produtiva da ovinocultura na medida que possibilita um incremento
nos índices zootécnicos das propriedades, atuando,
principalmente, nas taxas de crescimento de animais destinados
ao abate e na qualidade da matéria-prima que tem como
destino a indústria de transformação.
Segundo o pesquisador da Embrapa é preciso chamar a
atenção para a correta utilização
dessa ferramenta, que precisa ser planejada e acompanhada
por profissionais especializados em ovinocultura. O programa
que abrange diferentes regiões dentro do estado tem
como foco principal as raças de ovelhas Corriedale
e Ideal. O produto desse cruzamento se machos seguem para
abate e quando fêmeas servem de base para formação
de um rebanho para produzir cordeiro tri-cross, utilizando
uma terceira raça no caso o Suffolk. O resultado desse
cruzamento são abatidos machos e fêmeas. A Embrapa
conta ainda com um banco de Germoplasma com material de espécies
raras como a Ovelha Crioula lanada, já estava praticamente
extinta e recuperada graças a pesquisa. Segundo o pesquisador
um dos entraves para o crescimento ordenado da ovinocultura
no Rio Grande do Sul é que não existe ainda
um censo que consiga mapear o rebanho do estado de forma segura.
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