O
mercado promissor da indústria de doces e enlatados
do Rio Grande do Sul está despertando o interesse de
tradicionais produtores de grãos nas regiões
de encosta e topografia acidentada, onde o frio não
é tão intenso.
O
Brasil é o terceiro produtor mundial de abacaxi, com
1,4 mil toneladas por ano. A fruta, historicamente concentrada
no nordeste brasileiro, já ganhou espaço no
Brasil Central, onde Minas Gerais desponta como a maior área
cultivada no país: 11 mil hectares.
De acordo com o pesquisador José Renato Cabral, da
Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas, BA), o abacaxi
exige condições de ambiente específicas,
como umidade relativa do ar em 70%, pluviosidade entre 1.000
e 1.500mm mensais e temperaturas que variem de 22 a 32ºC.
Realidade um pouco distante do clima no RS, que direcionou
praticamente toda sua produção de frutas tropicais
para o litoral, onde as indicações de cultivo
ficam mais aproximadas. Em Terra de Areia, no litoral norte
gaúcho, estão 270 do total de 300 hectares de
abacaxi cultivados no RS. Grande parte da produção
de 2.240 toneladas é comercializada direto aos turistas
que veraneiam no litoral, e o restante acaba na indústria
de doces quando o tamanho foge do padrão in natura.
Desde 1998, a Embrapa trabalha no desenvolvimento da cultura
do abacaxi no RS, quando foram introduzidos três híbridos
trazidos da Bahia (PE x SC - 14, PE x SC - 56 e PRI x SC -
08). Durante o projeto, foram implantadas quatro unidades
de demonstração: em Terra de Areia, Alecrim,
Porto Vera Cruz e Vicente Dutra. "No Rio Grande do Sul,
devido às condições climáticas,
a partir do plantio, a muda leva cerca de 24 meses para produzir
o fruto, enquanto que em estados de clima tropical o fruto
está maduro com 14 a 18 meses", esclarece o gerente
da Embrapa Transferência de Tecnologia Escritório
de Passo Fundo, Airton Lange. Segundo ele, as temperaturas
baixas retardam o crescimento. "Com o apoio de novas
tecnologias poderemos obter frutos no RS a partir dos 18 meses",
diz Lange, lembrando que desde o início do projeto,
somente agora os produtores gaúchos estão preparados
para fazer uma avaliação do investimento. "As
mudas foram trazidas do Nordeste a um custo três vezes
maior do que seria possível conseguir numa produção
local. Ainda não temos uma produção organizada
no RS e não existe nenhum viveiro credenciado para
comercialização de mudas. O mercado informal
acaba levando doenças para a lavoura, o que desacredita
o potencial do abacaxi no estado", argumenta Lange.
As principais variedades de abacaxi cultivadas no Brasil são
Pérola, Smooth Cayenne e Jupi. A Peróla representa
90% da produção por atender a maioria das características
desejáveis no mercado: boa formação do
fruto, polpa firme, elevado teor de açúcar,
acidez moderada, bastante suco, crescimento rápido,
folhas curtas e sem espinhos, resistência a doenças
e ampla adaptabilidade. "A variedade Pérola ainda
tem como vantagem a grande produção de mudas
e, principalmente, a tolerância à murcha da cochonilha,
uma praga facilmente disseminada na lavoura através
das formigas", ressalta José Renato Cabral.
A fusariose, outra doença que tem causado perdas de
20% na produção de mudas e 30% nas plantas de
abacaxi, está prestes a ser derrotada. A Embrapa Transferência
de Tecnologia prevê o lançamento de duas cultivares
(uma em 2005 e outra em 2006) que apresentaram resistência
a fusariose em consecutivos experimentos nas unidades demonstrativas
do RS. "A doença apareceu em São Paulo
na década de 60 e, com o transporte de mudas para outras
regiões, foi disseminada no país. Hoje, esta
doença de origem brasileira já pareceu na Bolívia
e Venezuela", avalia Cabral.
Abacaxizeiro
muda paisagem na barranca do Rio Uruguai
A
declividade na barranca do Rio Uruguai, divisa dos estados
do RS e SC, não permitia aos agricultores investirem
numa produção diversificada, capaz de reunir
diferentes fontes de renda na propriedade rural.
No município de Nonoai, o agricultor João Kobiake
herdou dos pais a tradição de cultivar grãos,
mas as dificuldades para produzir no terreno íngreme
que compõe 70% da propriedade levou a busca por alternativas
de produção. Há seis anos Kobiake trabalha
na produção de banana (8 ha) e abacaxi (1,5
ha). As frutas são comercializadas nas cidades da região
nos dois estados. "Além do pomar, mantenho a produção
de milho, soja e feijão em outros 22 hectares. Com
o dinheiro ganho nas frutas, invisto na produção
de grãos e assim nunca preciso tirar financiamentos
para tocar a propriedade", conta Kobiake, calculando
o lucro gerado no abacaxi: "Produzo minhas próprias
mudas, num custo total que não chega a R$ 6 mil por
safra (13 a 15 meses). Com o plantio de 40 mil mudas, cerca
de 20 mil florescem. Contabilizando uma quebra de 20 a 30%,
num mercado que paga de R$ 0,25 a R$ 1,50 por abacaxi, meu
lucro líquido final é de aproximadamente 10
mil reais por hectare". Na comparação com
o milho, o agricultor imagina que uma boa produtividade renda
60 sacas por hectare, num mercado que paga R$ 20,00/saca,
o lucro não passaria de R$ 1.200,00/ha, sem contar
o investimento em insumos.
Segundo o técnico da Emater/RS em Porto Vera Cruz,
Lírio Traesel, a barranca do Rio Uruguai apresenta
um grande potencial para o abacaxi devido ao microclima e
ao solo pedregoso que facilita a drenagem e a aeração.
"O abacaxi evoluiu de planta epífeta (como as
bromélias) para planta terrestre, com sistema radicular
bem desenvolvido que garante a fixação mesmo
em solos instáveis, contribuindo para evitar a erosão
resultante da agricultura em áreas de declive",
conclui o pesquisador José Renato Cabral.
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