Mesmo
produzindo uma quantidade abaixo da demanda interna, calculada
em 60 mil/t ano, a apicultura brasileira vive um "boom"
de exportação, desde 2001, quando, efetivamente,
passou de importadora a exportadora. Até setembro de
1999, quando houve um pico de compra no mercado externo, com
a aquisição de aproximadamente 900 toneladas,
o Brasil complementava suas necessidades no comércio
internacional. Os fornecedores habituais e tradicionais eram
a Argentina e o Uruguai, conforme Constantino Zara, presidente
executivo da Apacame-Associação Paulista de
Apicultores Criadores de Abelhas Melíferas Européias,
que nega, categoricamente, qualquer importação
da China.
Aliás, a contaminação do mel chinês
por "cloranfenicol" e a conseqüente suspensão
das compras pela União Européia, foram as principais
responsável pela entrada do Brasil nesse nicho. É
lógico que outras circunstâncias, como a desvalorização
do Real (em 2000) e a "brutal" redução
do enxame europeu, "que é muito susceptível
a doenças", também ajudaram o ingresso
brasileiro no comércio apícola mundial.
Com a interrupção das exportações
de mel, pelos chineses, houve um desabastecimento que afetou
o mundo todo, "pois a China é o maior produtor
mundial, com 220 mil toneladas/ano", diz Zara. Esse quadro
impulsionou um salto enorme na apicultura brasileira que,
de mais ou menos 500 toneladas exportadas, em setembro de
2001, passou para 2 mil toneladas em setembro de 2002, encerrando
o primeiro trimestre de 2003 com mais de 4 mil toneladas embarcadas.
Exportações
reduzem oferta interna
A
procura pelo mel brasileiro foi tão intensa que, no
final do primeiro semestre do ano passado, Zara contabilizava
exportações superiores a 8 mil toneladas e uma
receita aproximada de US$ 14,4 milhões, "levando
em conta o valor histórico de US$ 1,8 mil/tonelada."
Antes disso, o Brasil estava fora desse tipo de transação
"porque não tinha preços competitivos.
O produto era muito caro."
Essa forte demanda externa, acrescenta, afetou a oferta no
âmbito interno. "O mel puro (560) foi tirado de
linha. Os preços foram às alturas. Uma lata
de 25 quilos chegou a ser cotada em R$ 250,00. Hoje, está
em torno de uns R$ 130,00. Internamente, no geral, a comercialização
ficou restrita aos compostos."
Embora não esclareça qual o destino final dado
ao mel brasileiro, no exterior, Zara garante que "não
é usado para blend." O produto argentino "é
mais adequado à mistura, pois é obtido a partir
do trevo branco e da alfafa, uma vez que os portenhos consorciam
a atividade com pastagem." Em linhas gerais, assinala,
o mel da Argentina é "insípido, incolor,
ao contrário do brasileiro que tem sabor forte e definido."
Essa característica pode ser atribuída ao fato
de o mel, no Brasil, ser produzido em regiões onde
a densidade de florestas nativas é muito alta. Essa
condição possibilita que o produto seja classificado
como orgânico, embora os processos de obtenção
não estejam, rigorosamente, enquadrados nesse sistema.
Segundo Zara, "70% da produção estão
isentas de quaisquer tipos de resíduos." Não
obstante, o único polo de mel orgânico existente
no Brasil, por enquanto, "está no Ceará,
em Crato, que produz e exporta para a Suíça."
Essa, entretanto, não é a situação
de São Paulo, onde "manchas de cana-de-açúcar
e soja que, além de não servirem para abelhas,
prejudicam o pasto apícola." Essas lavouras recebem
freqüentes aplicações de agrotóxicos
que, mesmo com as precauções adotadas, acabam
contaminando não só áreas próximas
mas, também, o mel. A produção paulista
gira em torno de 2 mil toneladas/ano, comercializadas na média
de R$ 9,40/kg, conforme dados de 2001 fornecidos pelo IEA-Instituto
de Economia Agrícola.
Falsificação
da cera gera danos
Com
relação à cana-de-açúcar,
Zara observa que, apesar das pulverizações,
as abelhas extraem mel. "Mas é um produto escuro,
extra-floral, com uma utilização mais industrial
e sem nenhuma indicação ou estatística
sobre o volume de produção." Da mesma forma,
faltam informações mais consistentes sobre a
quantidade de própolis produzida, embora haja citações
sobre exportações dessa mercadoria, o mesmo
ocorrendo com a geléia real e total ausência
de dados sobre a cera.
Durante o simpósio "Agronegócio Apícola",
realizado em 2002, Radamés Zovaro, coordenador do evento,
denunciou a comercialização "em grande
escala de uma cera sintética alveolada, criando problemas
para a apicultura e, principalmente, para o mercado de cera
de abelha." Segundo ele, colocando esse produto na colméia,
"a abelha puxará o favo normalmente. Como a composição
é desconhecida há receio sobre algum componente
que, em contato com o mel, prejudique sua qualidade, sobretudo
para aqueles que operam no sistema orgânico."
Ao substituir os favos, acrescenta, o apicultor vai beneficiar
a cera sem que haja condições de separar a pura
da sintética, gerando o que pode ser chamada de "cera
falsificada ou adulterada." Zovaro lembra que a cera
de abelha tem uma aplicação diversificada e
ainda não foi descoberto um material que apresente
as propriedades emolientes, moldantes e impermeabilizantes
com igual eficácia.
"As indústrias farmacêutica e cosmética,
além dos institutos de depilação, são
usuários freqëntes do produto. Na área
de depilação, o problema é maior, pois
a cera de abelha tem o ponto de fusão entre 62°
e 65° e a sintética entre 90° e 92°, o
que vai provocar queimaduras na pessoa depilada. Com o uso
da cera falsificada, além da rejeição,
haverá um prejuízo à imagem da apicultura
nacional.", alerta.
Entre outras dificuldades, Zovaro aponta a necessidade de
o Ministério da Agricultura criar um departamento específico
para a apicultura, "colocando elementos que conheçam
o setor, facilitando o trabalho dos empresários e não
criando empecilhos." Como exemplo de obstáculo,
cita "a proibição de usar figuras de abelhas
ou favos em rótulos de produtos compostos ou proibindo
a produção e comercialização,
em âmbito nacional, de própolis na embalagem
spray que, no entanto, pode ser vendida no mercado internacional.
Isso é, sem dúvida, um verdadeiro absurdo."
E pergunta: "será que o povo brasileiro é
diferente de outros povos e não pode utilizar um produto
criado e manipulado por nós? Sem contar, evidentemente,
com a possibilidade dessa mercadoria nacional voltar ao País
através do contrabando."
Na
Europa, abelhas são frágeis
Independentemente
dos percalços internos e do retorno gradual da China
ao mercado internacional, "falta mel no mundo inteiro."
O Brasil continua crescendo, pois tem extensão, diversificação
das florestas, abelhas resistentes a doenças, "a
ponto de não usarmos qualquer tipo de medicamento",
além de áreas propícias e até
vocacionadas para a apicultura. É o caso, por exemplo,
do Pantanal e do cerrado, onde "o apicultor pode ganhar
dinheiro com o mato", diz o presidente da Apacame.
Além dessas, têm o Norte e o Nordeste, com grandes
possibilidades. "O Piauí é um grande produtor."
O Banco do Nordeste abriu uma linha de crédito para
a instalação de apiários a partir do
Norte de Minas Gerais. O Sul também apresenta potencial.
"Santa Catarina é pioneiro na exportação
de mel." Outro aspecto favorável é o clima
do País, "estável, temperatura quente.
Isso ajuda muito, pois a abelha é sensível ao
frio."
Essa sensibilidade a temperaturas baixas, acrescenta Zara,
é o grande problema das abelhas européias. "Dos
insetos que compõem o enxame europeu, cerca de 60%
sofre de 10 diferentes patologias. As principais doenças
são a varroa, um ácaro que chupa a linfa e se
desenvolve como larva, se alimentando com sangue. Gera insetos
defeituosos ou mortos. A cria pútrida européia
(e americana), que mata as larvas. A 'nose-mose' que é
uma desinteria generalizada, além da acariose, que
ocorre dentro da garganta da abelha.
Por isso, lembra Zara, "é preciso muito cuidado
ao importar rainhas européias." Além desse
fato, há o problema relacionado ao clima. "Lá
é frio, aqui, quente. Então, mais temperatura,
maior é a agitação entre as abelhas,
comportamento inverso nas temperaturas mais baixas."
No
Brasil, africanização imuniza
Mesmo
apontando essa cautela necessária, o presidente da
Apacame se mostra tranqüilo sobre a imunidade do enxame
brasileiro a doenças. "A apicultura brasileira
não usa qualquer tipo de químico como defesa
de aspectos sanitários das abelhas", garante.
Essa resistência pode ser atribuída "à
africanização da colméia, em l956, portanto,
há quase 40 anos", acrescenta.
Esse cruzamento das africanas com as italianas, "abelhas
que predominavam no Brasil, desde l839, permitiu o surgimento
de uma rusticidade tal que não existe qualquer patologia,
com as abelhas brasileiras dispensando o uso de qualquer tipo
de remédio. Além disso, os insetos promovem
sua própria higiene, pois conseguem se livrar dos ácaros,
coisa que não acontece em nenhuma outra espécie",
assegura.
Sobre os 164 anos de existência da atividade no Brasil,
Zara recorre a seus alfarrabios para mostrar que a apicultura
"nasceu, oficialmente, com o decreto imperial n°
72, de 12 de julho de 1839, autorizando o padre Antonio José
Pinto Carneiro a importar abelhas da Europa ou da costa da
África, com privilégio exclusivo, por um espaço
de 10 anos. O documento foi assinado por Francisco de Paula
Almeida Albuquerque, ministro e secretário de estado
dos negócios de justiça do império."
Porém, a rigor, a criação de abelhas
tem sua primeira notícia em 1832, fazendo menção
sobre a "apis melífera", um inseto exótico,
trazido para as Américas pelos colonizadores. "Atualmente,
além da Europa, ela habita o Cáucaso, África
e Ásia", conta ele. Lembra, ainda que as abelhas
"são subutilizadas pela agricultura, pois não
há um meio mais rápido e eficiente de polinização
do que o feito por esses insetos." A exceção,
por enquanto, fica com Fraiburgo (SC), onde as abelhas polinizam
as macieiras "e os apicultores são pagos por essa
operação", observa.
Também no aspecto de criação a atividade
é pouco exigente. De acordo com Zara, "a apicultura
entra em pequenas, médias e grandes propriedades, nas
áreas de terreno irregular, não mecanizáveis,
próximas a mananciais e reservas florestais. A superfície
a ser ocupada não precisa ser das maiores, mas é
importante que esteja em local isolado, ou com pouco trânsito,
e tenha cerca que pode ser viva, mas sempre instalada na zona
rural", enfatiza.
Apicultura
migratória rende mais
Para
a montagem de um apiário em condições
de dar um retorno razoável, em termos econômicos,
"são necessárias 400 colméias. Cada
colméia é formada por uma rainha, algumas centenas
de zangões e mais ou menos 80 mil operárias.
O raio de ação desse enxame é de aproximadamente
l,5 km, no entorno. O trabalho conjunto das abelhas vai resulta
numa área explorada de cerca de 300 alqueires."
A produção total vai depender do número
de colméias. Porém, se levarmos em conta que
a média brasileira está "entre 18 e 20
quilos/ano, por colméia, o resultado não será
dos piores." (Na Argentina, a média de produção
é estimada em 38 kg/colmeia/ano). O manejo, acrescenta,
deverá ser feito a cada 15 dias, basicamente para evitar
invasores, sobretudo formigas. "Na época de pico
da florada que, em São Paulo, situa-se entre setembro
e maio, a colheita do mel poderá ser feita semanalmente."
Zara aponta, ainda, uma apicultura com rentabilidade bem maior
que a tradicional. "Trata-se da migratória, que
recebe esse nome pelo necessário deslocamento dos apiários
em épocas de floradas (que correspondem à safra
do mel). Nesse segmento, a produção, por colméia,
chega a 80 quilos e o apicultor precisa, necessariamente,
ser profissional, ou seja, viver exclusivamente da atividade,
inclusive pagando pelo espaço ocupado (arrendamento),
cujo valor, hoje, oscila entre 1 e 2 quilos por colméia."
Indagado sobre se nesse tipo de apicultura é necessário
um manejo diferenciado, Zara garante que o procedimento é
o mesmo. Mas recomenda que as abelhas sejam acomodadas distantes
de mato recém cortado, "elas detestam o cheiro.
Na época da seca (pouca chuva), o enxame fica fraco
e, nesse caso, a alimentação deve ser na base
de mel diluído em água, dando um novo alento,
principalmente à rainha."
No aspecto custo/investimento, Zara diz que a apicultura é
"uma atividade barata. É muito difícil
quantificar ou determinar um valor, até porque varia
de um produtor para outro. Mas, no geral, os gastos com equipamentos
se diluem em 10 ou 15 anos, além do fato de serem baixos."
(Uma colméia completa está orçada em
R$ 130,00, na Agrodora).
Na migratória, "talvez, a despesa maior seja com
transporte, feito por um caminhão médio. Mas
também é difícil calcular a despesa.
Na alimentação, não tem como avaliar
o valor da ração diária." Entretanto,
paralelamente à extração de mel, Zara
aponta o comércio de abelhas que "ajuda engordar
a renda, quando praticado pelo apicultor."
Meliponas
pedem nichos ecológicos
Segundo
ele, a rainha vive "apenas 18 meses. Depois desse ano
e meio é preciso trocá-la. Há negociantes
específicos para isso." Essa troca, acrescenta,
exige todo um ritual para que a nova rainha seja aceita pelas
abelhas. Quanto ao enxame, Zara afirma que ele "se multiplica
no próprio apiário." Para os que querem
ingressar na atividade, existe o "comércio de
famílias, que é feito através da venda
de favos, a um custo de mais ou menos R$ 10,00 cada. Uma rainha
comanda cinco favos."
Em termos de apoio oficial, Zara destaca o Prodeagro-Programa
de Apoio ao Desenvolvimento do Agronegócio, que contempla
a apicultura com um crédito de R$ 150 mil, por projeto,
a juros de 8,75% ao ano, com prazo de cinco anos para pagar
e dois de carência.
Ao que diz, existe uma lista que aponta a existência
de 327 espécies diferentes de plantas apícolas.
Elas estão espalhadas pelo Brasil todo e fornecem nectares
de variados sabores que identificam os diversos tipos de méis.
Entre os mais conhecidos, cita o mel de eucaliptos (diversas
espécies), silvestre, uva japonesa, assapeixe, angico,
marmeleiro, vassoura, laranjeira, dentro de uma enorme variedade.
Já a diferença entre apicultura e meliponicultura,
o presidente da Apacame diz que o meliponicultor cria "meliponas,
ou seja, abelhas nativas, com raças economicamente
viáveis. Esses insetos mantêm a preservação
ambiental, pois exigem nichos ecológicos para produzirem."
Existem várias espécies e as mais conhecidas
são a Jandaira, Uruçu-verdadeira, Mandaçaia,
Jati, Limão, Tataíra, também chamada
de cospe-fogo, entre outras que predominam no Nordeste brasileiro.
Paulo Menezes, meliponicultor, afirma que no Brasil existe
"mel para todos os gostos", o que falta é
consumo, pois a "nossa demanda é menor que 300
gramas per capita/ano, enquanto na Europa chega a 700 gramas."
Esse quadro, acrescenta, mostra que falta divulgação
das qualidades, inclusive medicinais, do produto, além
de incentivo maior e melhor orientação ao consumidor.
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