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LONGO CAMINHO A PERCORRER
rev 40 abril 2001

Antônio Xavier, técnico em laticínios e proprietário da AEX Consultoria, empresa especializada em gestão de qualidade e tecnologia em laticínios e estudos de mercados lácteos, não hesita em afirmar que esta década será extremamente importante. Ele aposta que o país deve emergir como produtor de leite com qualidade. E garante que, entre 1995 e 2005, o setor sofrerá modernização acima da que ocorreu ao longo das cincos décadas passadas.

Parte dessa modernização cabe a granelização do leite. Na prática, isso significa que a coleta de leite a granel é feita a partir do armazenamento do leite em tanques de expansão instalados nas propriedades. Ali, o leite é mantido a 4 graus C por 48 horas após a ordenha. O transporte entre a propriedade e a empresa ou cooperativa que recebe o leite é realizado por caminhões com tanques isotérmicos.

Como resultado, ganham as cooperativas e empresas e os produtores que reduzem o número de viagem para a coleta do produto e, conseqüentemente, o custo do frete. A isso soma-se a garantia na qualidade do leite. A exigência da granelização do leite vigora de acordo com a Portaria 56, de 1999, mas deve ser transportada em lei. A previsão é de que a coleta do leite seja 560 granelizada no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, a partir de 1 de julho de 2002. E, a partir de 1 de julho de 2004, no Norte e Nordeste.

Xavier lembra que a prática foi adotada inicialmente pelas empresas, como medida de redução de custos e salto na qualidade do leite. Sabe-se que resfriar o leite no período de duas horas após a ordenha permite que o produto mantenha as condições da ordenha, em que contaminações não se desenvolvem.

Outros fatores podem ser agregados a favor do produtor mais tecnologia na propriedade; garantir aumento de produtividade, com incentivos, ao aumento de produção; e, acima de tudo, transformar o produtor em profissional do negócio.

Na opinião dele, o cenário atual mostra que grandes empresas e cooperativas recebem apenas leite a granel. Os produtores sem condições de manter tanques de expansão nas propriedades unem-se em associações para a compra de tanques comunitários. Para os pequenos produtores, portanto, restam duas alternativas: o caminho das associações ou sair da atividade, quando a granelização for exigida por lei. Eles tendem a desaparecer, porque são pouco importantes para o abastecimento, afirma.

Convém adicionar ao quadro atual, a extrema heterogeneidade do país. Aqui existe produção de leite A e leite C, que não tem sequer padrão microbiológico, assegura ele. Na verdade, 96% do leite produzido no país é do tipo C. Crítico, Xavier afirma que as propriedades brasileiras oscilam entre padrões de Primeiro Mundo e de idade Média. A expectativa para o futuro próximo é grande.

No primeiro momento, as normas podem causar o encarecimento do custo de produção e reduzir a quantidade de leite produzindo. Ele aposta que o Brasil será auto-suficiente em cinco anos. Naturalmente, isso não dependerá somente de legislação que for aprovada, mas acima de tudo, da economia vigente no país, conclui.

Animando com os resultados da granelização, Francisco Ferreira Sobrinho, assessor de Fomento, e Captação da Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPRMG), proprietária da marca Itambé, garante que o sistema superou as expectativas. Desde setembro do ano passado, a totalidade do leite coletado é a granel.

O processo teve início em fevereiro de 19999, com o preparo dos produtores. E, no mês de setembro daquele ano, começou a coleta granelizada. A cooperativa, que processa cerca de dois milhões de litros/dia, é formada por 30 cooperativas associadas, reúne 8,5 mil produtores, e atua em Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal. A média de produção gira em torno de 300 litros/dia/produtor.

Ferreira Sobrinho afirma que a granelização foi um dos fatores da modernização conseqüente da abertura de mercado dos anos 90. E não hesita em Apontas as vantagens para o produtor, como a redução de 50% do custo de frete, já que a viagem para a coleta de leite é feita a cada 48 horas e não mais diariamente. Portanto, permite economia de 15 viagens/mês. A cooperativa também lucra, pois é possível otimizar o transporte.

Hoje, grande parte dos produtores cooperados possui tanques de expansão na propriedade, a maioria com capacidade de três mil litros e rebanho médio de 30 vacas em lactação por propriedade. Entusiasmados, reconhecem as facilidades do sistema. Mas nem sempre foi assim.

No início, a cooperativa enfrentou dificuldades . Afinal, eram mudanças que quebravam a tradição. O processo de aceitação foi paulatino. A granelização foi aceita por produtores pioneiros, o que influenciou os demais. E a cooperativa levou informações para dirigentes, técnicos e produtores líderes. Mais: o montante de investimentos de recursos para financiamento de tanques mais os tanques isotérmicos, para transporte do leite, somaram R$ 60 milhões.

A Itambé também proporcionou facilidades para adesão dos produtores. Entre 1997 e 1999, criou financiamento dos tanques de expansão, em até 36 meses, pago com moeda leite, sem juros. Como prêmio, instituiu a bonificação de 9% sobre o preço do leite a granel até 7 graus C. O produtor não precisou desembolsar dinheiro, recebeu o prêmio e com a redução de custo do frete, pagou tudo. Todo mundo pagou tudo, explica.

E as vantagens continuam. Com o fato de resfriar o leite na propriedade, a medição passou a ser feita no local. Os horários da ordenha e da coleta de leite foram desvinculados. E o principal, o risco de perder leite, que muitas vezes azedava na transporte em carroceria de caminhão aberta, deixou de existir. Resultado: manutenção da qualidade do leite para o produtor, indústria e consumidor.

Ferreira Sobrinho repete o consenso do setor, ao garantir que o produtor precisa profissionalizar-se. A iniciativa estende-se também aos pequenos produtores filiados á cooperativa. Entre 1997 e 1999, um programa especial para pequenos produtores ofereceu tanques de expansão com capacidade de 200 litros cada, com pagamento em 48 meses.

A orientação incluiu o uso comunitário, ou seja, vários produtores compraram apenas um tanque e ali depositavam o leite coletado, com rateio de despesas de energia elétrica e limpeza. Cada produtor recebe pagamento correspondente á sua parte, o que funciona como estímulo.

A parcela de pequenos produtores é substancial na Itambé, pois representa 45% dos produtores cooperados, com média de até 100 litros/dia. Na prática, isso significa desde 20 litros/dia. O conselho de Ferreira Sobrinho vale para pequenos e grandes produtores e se concentra em produzir o máximo com menor custo. Animado, ele conta que o próximo passo da Itambé será a adoção do pagamento por qualidade do leite, no prazo de dois anos, O sistema baseia-se na contagem da células somáticas, contagem bacteriana total proteína.

O pagamento de leite por qualidade é usado pela Elege Alimentos desde 90. O Programa de Leite por qualidade, após análise de proteína, gordura, sólido totais, células somáticas, acrescenta 30% sobre o preço de base.

A empresa processa 2,4 milhões de litros/dia, reúne 32.188 fornecedores, com produção média de 80 litros/dia, espalhados pelo Rio Grande do Sul. Desde 95, o total da produção da empresa é coletado a granel. O processo teve início em 80, com dificuldades que seriam esperadas, especialmente por parte dos produtores e carreteiros, mais os problemas de energia elétrica, conta Ernesto Krug, diretor de Política Leiteira.

Paralelamente a granelização, a Elege criou o Programa de Higiene e resfriamento, com o objetivo de conscientizar o produtor sobre higiene, manipulação e transporte do leite. As informações incluíam higiene, manipulação e transporte do leite. As informações incluíam higiene pessoal do ordenhador, de equipamentos e máquinas e das instalações. O programa encerrou-se 1995 e todos os produtores foram atendidos.

Para isso, havia equipe composta por 262 profissionais, entre agrônomos e veterinários, além de postos de recepção e resfriamento de leite. O programa não podia ter sido mais rápido, já que a Elege foi a pioneira no país, explica Krug.

Dez anos depois, outra iniciativa, o Programa de controle da Mastite, mantido até 1997, e organizado pela mesma equipe, resultou em índices mínimos de mastite e trabalhos preventivos em cada propriedade.

Ainda como preparo aos produtores, a Elege oferece, desde 1980, crédito rural para compra de tanques de expansão. O pagamento é feito em moeda leite, em prazos conforme a produtividade do produtor. Todos os produtores têm acesso ao crédito. E a maioria possui tanques individuais na propriedade.

Situação semelhante é vivenciada pela Parmalat, que congrega 15,5 mil produtores, espalhados por Estados do Sul, Sudeste, Goiás, Ceará, Alagoas, Pernambuco, Bahia e Rondônia, com processamento de 2,5 milhões de litros/dia. Desse total, 78 é granelizado. Já em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e parte de São Paulo, o percentual é de 85%. A meta é alcançar 560 em todo o país, até o final deste ano.

O programa de granelização começou em 1997, com a importação de 1,2 mil tanque, que foram repassados aos produtores, sem juros. Hoje, a Parmalat mantém parceria com as empresas fornecedoras de equipamentos, que são oferecidos aos produtores em 36 parcelas iguais. A empresa desconta as prestações em moeda leite. A produção média/dia por produtor é de 162 litros. Portanto, a maioria é composta por produtores de médio porte.

Para José Renaldi Brito, pesquisador da Embrapa-Gado de Leite, Elege e Parmalat refletem o cenário da maioria das grandes empresas e cooperativas. Este segmento deve estar próximo de 560 de granelização acredita. Já para as pequenas empresas e cooperativas, os índices oscilam entre 60% e 90%. O quadro completa-se com a situação dos pequenos produtores e pequenas cooperativas, cujos grandes problemas consistem na produção diária de menos de 50 litros/dia, e nas dificuldades para aquisição dos tanques de expansão.

Para muitos deles, a solução apontada por Brito é criar associações de produtores e a compra de tanques de expansão usados de forma comunitária. Produtores, mão-de-obra e técnicos precisam de orientação, explica ele, A tecnologia usada de maneira errada produz descrédito por parte do produtor e perda de investimento. De qualquer forma, é necessário haver lideranças para organizar as associações. A compra do tanque de expansão costuma der paga em doais anos, dependendo da produtividade do produtor somando á redução de custo do frete, garante.

Analítico, ele afirma que a granelização é parte da solução do problema leite no país. Resta aos produtores conscientizar-se da necessidade de medidas de higiene e manejo e do aumento de consumo. Para os interessados no negócio, a Embrapa-Gado de Leite oferece o Apoio Técnico de C&N – Comunicação e Negócios, que realiza programas de treinamento para ordenha mecânica , manejo do rebanho, orientações sobre produção de leite de melhor qualidade e análise de leite. Habitualmente, as orientações são veiculadas em dias de campo e encontros.

Também para orientar produtores, estudantes e técnicos, a Embrapa-Gado deLeite criou o Nutre – Núcleo de treinamento, que programa cursos sobre qualidade de leite, alimentos e análise das condições sócio-econômicas. Acredito que, em cinco anos, realizamos grandes mudanças, conclui. Mas o Brasil ainda tem um longo caminho.


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