Os
avanços tecnológicos registrados nos últimos
tempo embutem reivindicações em torno de uma
melhoria na qualidade de vida dos mais diversos segmentos
da população, embora partam com mais intensidade,
sobretudo das classes mais abastadas que habitam o planeta
o planeta. Dentre esses pleitos podem ser enumeradas, como
principais ou mais correntes, as questões relacionadas
com a conservação do ecossistema, onde prevaleça,
primordialmente, um menor índice de poluição
do ar, da água, melhores condições de
saúde e habitação, circunstâncias
que podem ser alcançadas com uma boa política
de saneamento básico.
Especificamente com relação á saúde,
está comprovado que o grau de pureza ou
limpeza de um determinado ambiente, vai fazer com que a incidência
de doenças ocorra em patamares mínimos, permitindo
um controle e um combate eficazes a surtos de moléstias
que surjam eventualmente. Para essa assepsia, o ideal que
a substância química utilizada agredisse o menos
possível a flora e fauna locais. Pelo menos essa é
uma das sugestões básicas das diversas associações
ecológicas existentes no mundo. Esse, porém,
é apenas um dos vários aspectos que refletem
no problema saúde.
A preocupação do homem com o bem físico
e mental remonta aos primórdios e, dos anos 70 para
cá, ganhou novos impulsos com o surgimento de acadêmias
de ginástica, dietas emagrecimento, entre outros métodos
divulgados como adequados para o bom condicionamento do corpo.
O mesmo ocorre em relação á cura de enfermidades,
com a propagação de tratamentos baseados no
uso de ervas. É a fitoterapia (do grego fito, planta;
e terapia, tratamento) que promove, em seu bojo, o retorno
do chá da vovó, á ordem do dia,
substituindo remédios alopáticos de última
geração e eficiência comprovada
pela indústria farmacêutica.
Relíquias,
mas funcionam, até com vantagens
Para
muitos, os remédios á base de ervas são
ultrapassados, verdadeiras relíquias diante do atual
estágio da medicina. Porém, outros discordam
e mostram que, a cada dia, pesquisadores redescobrem vegetais
que substituem, alguns com vantagens, os produtos químicos
convencionais. A utilização de plantas para
fins curativos é mais antiga forma de prática
médica pelo homem. Aliás, até pelos animais.
Não é muito difícil ver um gato ou um
cachorro mascando capim para se livrarem de algum problema
no estômago. Comparações á parte
existem mais de 350 mil espécies de vegetais catalogadas
pelos botânicos. Desse total, cerca de 10 mil são
explorados sob ótica da medicina e um número
bem menor recebeu estudos profundos em laboratórios.
Só o Brasil tem mais de 100 mil tipos já identificados
e não excedem a 2 mil as usadas como medicamento.
A prática naturalista, por assim dizer, mostra expansão
no mundo todo, acirrando as críticas ás drogas
químicas, principalmente pelos seus efeitos colaterais.
Isso não significa que o vegetal não provoque
esse tipo de reação. Provoca sim, mas em menor
escala. Afinal, as descobertas das plantas boas ou más
(saudáveis ou tóxicas), ocorreram pelo método
do ensaio e do erro. Por esse sistema, pode-se afirmar, seguramente,
que muitos homens da caverna tiveram problemas ou até
morreram durante ou após os testes. Apesar disso, existem
correntes de opinião defendendo que o potencial curativo
das ervas será cada vez mais usado no futuro.
Com posição definida e fechada sobre esse assunto,
Francisco Cavalcante de Lima, técnico agrícola,
com um ano de Agronomia numa universidade de Buenos Aires,
Maria de Lourdes Dornellas Volpe, formada em Ciências
Sociais, e Paulo Sérgio Solla Kroeff, são sócios
do Sítio Cascatinha, localizado no fundo de um vale
formado pelas montanhas da Mantiqueira, em Camanducaia, no
sul de Minas Gerais. Numa área de 2 alqueires, de uma
extensão de seis, cultivam ervas medicinais, plantas
aromáticas e ornamentais, além de produzirem
12 toneladas/mês de humus de minhoca que não
só aplicam nas lavouras que tocam, como também
comercializam nos mercados mineiro e paulista.
Limpar
o solo, trabalho que durou 12 anos
Localizado
numa região tradicionalmente produtora de batata, raíz
considerada pródiga no uso de agrotóxicos, o
Sítio Cascatinha possuía grande parte de suas
terras contaminada pelo uso intensivo de adubos e defensivos
químicos. Com oito municípios, na área
da bacia do rio Jaguari, com mananciais que abastecem São
Paulo, a Sabesp, através de várias análises,
constatou a presença de resíduos nas nascentes
de água e conseguiu transformar o lugar em APA-Área
de Proteção Ambiental. Com essa designação,
o perfil agrícola do local está mudando aos
poucos e a intenção dos produtores é
não só reduzir, mas eliminar o uso de agrotóxicos.
Em sua propriedade, Lima, Lourdes e Kroeff, iniciaram um processo
de descontaminação do solo aplicando, durante
12 anos, humus de minhoca, que, por sinal, é o carro-chefe
da produção do sítio. Até o final
deste ano, prevêem, devem receber um certificado da
AAO-Associação de Agricultura Orgânica,
declarando que as terras utilizadas estão isentas de
resíduos químicos.
Com o selo de garantia da AAO, que comprova a prática
de uma agricultura biológica, os três pretendem
dar um novo impulso e fazer a produção deslanchar.
Numa antecipação á concessão,
construíram um novo minhocário, uma etapa inicial
que permitirá o alcance, num futuro próximo,
da meta final de produzir 50 t/mês de humus. Segundo
Lima, esse produto é uma espécie de ponta
de flecha que abrirá novas perspectivas de mercado
para o sítio. O humus é vendido sob o nome fantasia
de Rei Titango que, segundo Kroeff, é uma denominação
indígena para um dos três reis magos, que também
protege a floresta.
O plantio é diversificado, pois, além das ervas
e plantas aromáticas/ornamentais, eles produzem mandioca,
nhame, hortaliças e fruteiras em formação
(banana, laranja), além de um apiário que produz
mel própolis, basicamente destinados ao consumo
próprio, pois o sítio garante a sobrevivência
e alimentação de cinco famílias. Ao todo
são 21 pessoas, das quais 12 estão alojadas
para tratamento médico, principalmente, por dependência
química, conta Lima. As lavouras, acrescenta,
são adubadas com orgânicos e, contra pragas e
doenças, usam defensivos naturais.
Humus
abre espaços no mercado
De
modo geral, os produtores depositam as esperanças no
desempenho do humos que, conforme Lima é comercializado
por R$ 0,25 o quilo, quando a tecnologia que usamos
para a produção, permite que seja vendido por
R$ 1,00/kg, no mínimo. Encaro esse prejuízo
como um investimento para abrir espaço e consolidar
o produto no mercado. Mais para frente, além
do humus, a intenção é comercializar
tudo que o sítio produz. Mas isso demora um pouco,
pois precisamos no estruturar melhor e, acima de tudo,
termos tempo para procurar e ocupar nichos de mercado,
pondera Lima.
Não obstante, segundo Lourdes, isso já está
acontecendo com as ervas que são adquiridas por lojas
de produtos naturais, restaurantes, clínicas alternativas,
entre outros, sobretudo no mercado paulista. A opção
pelas ervas medicinas , conforme diz, surgiu não apenas
da afinidade por esse tipo de planta, mas, principalmente,
para tentar mudar uma cultura de consumo de remédios
químicos, pelo uso de medicamentos naturais. Em especial
agora, que há uma freqüência muito grande
de notícias sobre falsificação.
No período de safra, que vai de setembro a janeiro,
a produção, em média, bate em 10 quilos
por mês, das diversas ervas desidratadas, dependendo
do ciclo produtivo da planta, diz lima. Segundo Kroeff, aparentemente
esse volume é baixo, mas enche sala pequena até
o teto. O produto é preparado e embalado no
próprio local, que é aparelhado com um secador
de pequeno porte, semi-industrial, utilizado no processo de
desidratação. Na entressafra, o tempo é
utilizado em operações de adubação,
produção de mudas em viveiro próprios,
montagem de canteiros, replantio, enfim, sempre há
o que fazer, preparação de modo geral, diz Lourdes.
Pouco
apoio a crédito de difícil acesso
Indagado
sobre a existência de alguma linha de financiamento
do governo á produção, Lima diz que não
há qualquer tipo de apoio. Porém, Lourdes
lembra que a energia elétrica foi instalada com recursos
do Pronaf e Kroeff cita que o Banco do Brasil criou crédito
específico para produtores orgânicos que, no
entanto, é muito difícil de conseguir.
Mas, independentemente de estímulos oficiais,
Lima diz que os investimentos continuam, pois existem planos
para a aquisição de um reator, um destilados
especial, com bomba de vácuo, que preserva a qualidade.
O objetivo é extrair o óleo essencial ou princípio
ativo da planta com maior índice de pureza, vender
para laboratórios que, depois, utilizam na elaboração
de medicamentos ou produtos aromáticos de modo geral.
Lima não fixa prazo para terminar a estruturação
do sítio. Porém, afirma que no final do processo
estará aberto á terceirização
do humus. Diz já ter recebido propostas neste sentido,
pois o produto já foi analisado pela faculdade
de Viçosa e pelo Instituto Agronômico de Campinas,
com resultados positivos sobre a composição
acima da expectativa. Em suma, os laudos são um atestado
de qualidade, arremata. Dentre as ervas que plantam,
Lourdes e Lima citam millium follium ou mil ramas (que tem
o princípio ativo da novalgina, a dipirona),cidreira
americana e verdadeiro, confrei, malva, salvia (para problemas
do coração,cansaço, diabete), aloe (babosa),
alecrim, mentas, hortelãs (vários tipos), carqueja,
boldo, citronela, vetiver, aniz, poejo e poejo italiano. Têm,
ainda, coentro, que, além de tempero, ameniza problemas
do estômago e fígado: melissa, usada como calmante,
contra mau hálito e problemas com o intestinos: manjericão,
contra resfriados e vertigens; e malva, para a cura de artrite,
prisão de ventre, problemas na gengiva e excitação
nervosa.
Ele chama a atenção para o fato de também
produzir chacrona e jagube, (erva e cipó),
usados para a elaboração de um chá ingerido
durante as sessões do Santo Daime. Eles produzem, ainda,
mirra, bejoim, alfazema, lavanda, calêndula pecominho
do brejo, stévia, entre outras. Ele reconhece que o
sítio é pequeno, a produção é
modesta, mas frisa que o vale é intenção
de mostrar que o agricultor tem condições de
viver bem no campo, com bom índice de qualidade de
vida. Quanto á renda, acredita que a formação
de associações, cooperativas de produtores,
voltadas para produzir e vender, possibilita a obtenção
de ganhos e a conseqüente aquisição de
bens necessários.
País
gasta US$ 16 bilhões com remédios
Em
termos de mercado específico para ervas medicinais,
não existem dados estatísticos. O agrônomo
e professor da Faculdade de Ciências Agronômicas,
da Unesp de Botucatu (SP), Lin Chau Ming, recorre a levantamento
da Abifarma Associação Brasileira da
Indústria Farmacêutica, de, 1998, que mostra
o Brasil como oitavo consumidor mundial de remédios,
como o oitavo consumidor mundial de remédios, com um
gasto de US$ 16 bilhões. Segundo ele, algumas pessoas
do setor avaliam que a parcela das ervas corresponde a 10%
desse total, ou seja, US$ 1,6 bilhão. Porém,
ele acredita que as estimativas mais corretas, embora conservadoras,
são as que indicam um movimento em torno de US$ 500
milhões/ano. O Brasil exporta esse tipo de produto,
no entanto, faltam informações sobre receita,
volume, demanda, importadores, entre outros.
O agrônomo, que recentemente defendeu uma tese sobre
o cultivo de ervas medicinais, concorda que o mercado desse
tipo de planta mostra expansão a atribui esse crescimento
ao fato de haver comprovações, em muitos casos,
de que os químicos não curam e, além
disso, não fazem um composto novo, simplesmente copiam
a natureza, com a agravante de provocarem efeitos colaterais.
Outro motivo que explica o aumento da procura por ervas é
a qualidade de vida, que leva o consumidor a evitar a ingestão
de substâncias tóxicas.
O Brasil, segundo ele, produz ervas nativas (que são
extraídas) e exóticas (cultivadas) e o ciclo
produtivo está muito ligado á demanda. Existem
plantios perenes, que podem ter a colheita programada, inclusive
no período de inverno ou entressafra, que vai de abril
a setembro. Chau Ming diz ainda, que a recomendação
básica para os produtores, é no sentido de não
utilizar agrotóxicos no manejo dessas plantas. Isso
porque o consumidor quer qualidade, pureza e não veneno.
As indústrias químicas fabricam um produto sistêmico
que, ao ser usado, contaminam e, inclusive, alteram o princípio
ativo da planta. Neste aspecto, lembra que fatores climáticos,
solo, luminosidade, também interferem no princípio
ativo, por isso são necessárias adequações
que permitiam um total adaptação do vegetal
á região ou local de plantio. O professor diz,
ainda, que o Ministério da Agricultura não emite
nenhum registro ou autorização para transações
com ervas medicinais.
Paracelso
condena, mas OMS resgata o uso de ervas
Um
recuo na história, mostra que o uso de ervas medicinais
transcende aos tempos da vovó. Em 1963, uma tumba descoberta
no Irã, comprovou existência de uma fitoterapia
rundimentar há mais 60 mil anos. Por volta de 3000
aC, médicos chineses possuiam uma sofisticada lista
de ervas e indicações terapêuticas. Algo
semelhante foi registrado na Assiria no Egito em 2.500 aC
e bem mais tarde na Grécia, onde Esculápio,
o deus da medicina, usava como símbolo a serpente.
O emblema é mantido até hoje, pois a cobra é
considerada um bicho hábil para descobrir plantas benígnas.
O uso de ervas foi mantido, na Europa, até o século
XVI e, desde a Idade Médica, eram compilados conhecimentos
acumulados em períodos anteriores.
A sentença fatal á utilização
de ervas medicinais foi dada pelo médico e alquimistas
Suíço Paracelso (1493-1541). A partir daí,
o herbalismo virou prática caseira, doméstica,
perdendo a aura de ciência. O motivo: os alquimistas
seguidores de Paracelso passaram a pesquisar os poderes das
substâncias inorgânicas na cura das doenças.
Ao mesmo tempo que dava origem á Química moderna,
a alquimia fundava a tradição atual em ciência
farmacêutica, baseada em drogas inorgânicas, sintetizadas
em laboratórios.
Atualmente, a OMS Organização Mundial
da Saúde reconhece a importância da fitoterapia
na chamada medicina tradicional e a considerada como o único
tipo de tratamento disponível para as populações
pobres dos países subdesenvolvidos, procurando, através
de estudos, aperfeiçoar e tornar essas práticas
mais eficientes. No Brasil, a Central Brasileira de Medicamentos
(Geme), do Ministério da Saúde, desde 1983,
patrocina pesquisas sobre plantas em diversas universidades
do País.
O reconhecimento do valor das ervas medicinais também
acontece nos países desenvolvidos. Recentemente, na
Inglaterra, a Associação Britânica de
Medicina Herbal publicou uma nova e completa farmacopéia
(lista de ervas), e empresas privadas deram mais intensidade
ás pesquisas sobre centenas de plantas, inclusive lançando
novos produtos no mercado. Na França, uma pesquisa
revelou que os consumidores preferem medicamentos fitoterápicos
aos convencionais, registrando a triplicação,
desde os anos 70, do consumo. Alguns analistas justificam
a tendência pelo crescimento das preocupações
ecológicas e, ainda, com eventuais intoxicações
provocadas pelos químioterápicos.
Numa observação final, Lima diz que não
existe qualquer intenção das ervas medicinais
em concorrer ou negar a prática da alopatia. A
quimioterapia é essencial em muitos casos, diz
ele. de toda maneira, a recomendação básica
e de qualquer que seja a opção pelo medicamento
ou tratamento, é conveniente que ela seja feita com
acompanhamento médico.
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