A
demanda por produtos orgânicos (totalmente isentos de
agrotóxicos) está numa etapa de crescimento.
Essa perspectiva faz com que o setor se mobilize, inclusive
a nível internacional, na busca de melhores condições
de comercialização que permitam a auto-sustentação
do segmento, e ao mesmo tempo, a utilização
de tecnologias intermediárias procurando evitar não
apenas a utilização de adubos químicos,
mas principalmente, uma agressão mais intensa ao solo
e á natureza.
Tendo essa menor agressividade como premissa, o diretor presidente
da CIAO Centro Internacional de Agricultura Orgânica,
da Colômbia, médico veterinário Ramon
Dario Zuluaga, afirma estar convencido de que é
possível colher mais sem expandir a área de
plantio, mas apenas cultivando melhor, ou seja, com,
um manejo mais adequado ás realidades regionais, tanto
do solo como da lavoura.
Zuluaga foi mais além em sua palestra no Seminário
Internacional sobre Mercado Justo e Produção
Orgânica, realizado em março último (dia
29), num plenário montado nas dependências das
Faculdades Integradas Cantareira, no Bairro do Belém,
na capital paulista. Na ocasião, falando sobre o Brasil
e comentado a implantação de um programa de
segurança alimentar local, em seu país, afirmou
que, no projeto, cultivamos o homem e por isso, semeamos
engenho, a criatividade. Estamos convencidos que a transferência
de conhecimentos proporciona ganhos bem maiores do que aqueles
que poderão ser obtidos por mil técnicos aplicando
uréia, que se esgota com o uso, ao contrário
do conhecimento que cresce na medida em que é utilizado.
CAUSAS DA FOME - Em sua conferência, Zuluaga cita, como
causas mais freqüentes responsáveis pela fome,
as catástrofes climáticas, a superpopulação
do mundo, inclusive mencionando teorias não consumadas
de Thomas Malthus, divulgadas no final do século XVIII.
Nesse aspecto, segundo ele, as atividades das cegonhas
não conseguiriam superar o arado, pois a revolução
verde, entre 1950 e 1980, permitiu um crescimento de 2,6%
na produção agrícola contra uma expansão
de 2% da população. Nesse período, houve
um incremento de 25% na produção de alimentos.
Uma terceira causa da fome, segundo ele, seria a tecnologia
dita atrasada e ineficaz o Terceiro Mundo, considerada incapaz
de alimentar o crescente povoamento mundial. Por muito tempo,
acrescenta, foi divulgado que somente a produtividade da revolução
verde seria suficiente. Porém, as técnicas
modernas provocaram conseqüências, negativas, tanto
no social quanto no meio ambiente, demonstrando que a tecnologia
não pode, por ela mesma, acabar com a fome se não
pode, por ela mesma, acabar com a fome se não vier
acompanhada de grandes reformas estruturais.
Por esse motivo, enfatiza, é preciso reavaliar,
revalorizar, as soluções tecnológicas
intermediárias e, também, as elementares, que
exigem mais mão-de-obra (abundante) e menos capital
(escasso). Citando dados da FAO Organização
para Agricultura e Alimentos, da ONU, Zuluaga, diz que a África
tem capacidade para alimentar 60% da população
estimada para o ano 2000, sem qualquer melhora tecnológica.
Além disso, questiona: se não são
válidas as tecnologias intermediárias, como
explicar que, nos Estados Unidos, 60% de todo o milho sejam
cultivados com manejo mínimo? Lembra, ainda,
que o Ministério da Agricultura colombiano, conseguiu,
com um projeto de cultivo mínimo, obter 2,5 t de algodão,
por hectare, quando, com as técnicas de revolução
verde, a duras penas, foi obtida apenas uma tonelada.
FRANGO, UM MANJAR Os aspectos culturais também
podem ser causadores da fome. Segundo ele, a comida
tem servido para diferenciar classes sociais. Dessa
forma, em algumas regiões, alimentos como a cidreira
são vistos como destinados aos pobres, enquanto o palmito
é para rico, não sendo levado em conta
os componentes nutritivos que ambos os produtos contêm.
Nos tempos da Ilíada e Odisséia, épicos
gregos, os heróis comiam um boi a cada 200 ou
300 versos e não ingeriam pescado por considerá-lo
comida de pobre, ilustra ele, observando que tudo que
é uma questão de manejo cultural.
Num outro exemplo, cita que, há 30 anos, a galinha
servia como alimento somente em grandes ocasiões, hoje,
o frango é manjar em qualquer lugar. Da mesma forma,
há 15 anos, os cogumelos (champiognon) eram elitizados,
mas agora estão se tornando populares.
Ainda recorrendo a citações, lembra o economista
indiano Amartya Sen prêmio Nobel de Economia, em 1998,
que define a alimentação como a capacidade das
pessoas para conseguir comida através dos meios legais
disponíveis. Diante disso, Zuluaga, afirma que a fome
não acontece por falta de alimentos, mas sim pela ausência
de condições de acesso aos gêneros verificada
em certos grupos de pessoas. Outro motivo seriam desigualdades
sociais e, por isso, é preciso diferenciar mais acentuadamente
os segmentos, pois entre um agricultor que possui terra e
outra pessoa que não tem, esta última pode não
ter acesso ao alimento por uma perda, ainda que momentanea,
no poder aquisitivo, por exemplo.
Não obstante o mundo conhecer as causas, ainda padece
de fome. Por que?, indaga Zuluaga, alinhando as respostas
na seqüência. Segundo ele, todos aceitam que o
planeta é formado em 71% de água e 29% de terra.
Porém, parecem desconhecer que os oceanos, os rios
e os lagos só oferecem 2% do alimento humano
e 6% das proteínas. Lembra que a maioria das
calorias consumidas tem origem vegetal e, no entanto, somente
11% do planeta são dedicados ao cultivo (1,5 bilhão
de hectares), e outros 25% destinados a rebanhos (3,3 bilhões/ha).
Apesar disso, nos últimos 25 anos, o plantio
perdeu 80 milhões/ha enquanto os rebanhos ganharam
700 milhões/ha.
Zuluaga chama a atenção ao afirmar: Diante
disso, padecemos porque colocamos a terra para produzir vacas,
quando ela pode produzir 26 a destinarmos ao plantio de espinafre
e não a pasto para bovinos. Na mesma linha de
raciocínio, observa que a produção de
um quilo de proteína de cereais, e isso talvez
até explique porque os países desenvolvidos
são cada vez mais vegetarianos. Além do
mais, acrescenta, existe desnutrição porque
entre um terço a metade dos cereais e 50% da produção
de pescado do mundo são utilizados para fabricar
rações destinadas aos animais.
UM DORMENTE, UMA CAVEIRA Ainda com relação
aos frutos do ar, acrescenta que o desperdício com
a coleta de peixes equivale a um quarto (25%) do total de
capturas marítimas a cada ano, o correspondente a 20
milhões de toneladas. Além disso, a cada quilo
de crustáceos aproveitado, os pescadores arrastam
5kg de espécies inocentes, ou seja, sem qualquer destinação
alimentar. Outra situação apontada por ele,
está no fato de que, para produzir um hamburguer de
125 gramas, com 0,01% de proteína, o homem desbasta
uma área de 6 metros quadrados quando, no mesmo local,
um coqueiro produz 30 Kg, com 21% de proteínas.
Zuluaga indica, ainda, que na Amazônia brasileira, é
preciso derrubar no mínimo um hectare da floresta para
criar gado, que vai gerar uma renda de US$ 2,9 mil, quando
uma família da Ilha Combú, no Pará, pode
ter receita de US$ 6,3mil colhendo cacau, açai e produtos
vegetais de menor valor. Se isso não fosse suficiente,
foram construídas hidrelétricas que custaram,
no mínimo, 25% da divida externa. Desse jeito,
observa, não é difícil ter fome, pois
o Brasil não imita a natureza, luta contra ela.
E perde. Reforçando o argumento, recorda que
a Hidrelétrica de Balbina inundou 2.360 quilômetros
quadrados de floresta virgem. A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
com 10 km construídos em cinco anos, mostra uma caveira
para cada dormente.
Entre outros desastres sociais e ecológicos, o presidente
do CIAO que Henry Ford derrubou 4 mil hectares, com
prejuízos de US$ 1 bilhão; Daniel Ludwig (projeto
Jari), pôs abaixo 60 mil de selva para perder US$ 750
milhões; o Polo Noroeste, gastou US$ 500 milhões
em desmatamentos para concluir que interpretou a floresta
de mudo errado; o BID financiou o prolongamento da BR-364
e a morte de Chico Mendes; o Projeto Carajás, derrubou,
na Amazônia Oriental, uma área equivalente á
Grã-Bretanha e França; Rondônia gasta
US$ 99,00 para combater a malária com DDT. Isso
sem falar que, no caso do café, Brasil e Colômbia,
dois grandes produtores, só aproveitam e vendem
0,7% da biomassa do produto, pois os mais de 200 subprodutos
que podem ser extraídos das raízes, caule, folhas,
flores, polpa e casca, são desprezados.
Para Zuluaga, esse quadro mostra que não só
a subnutrição pode ser clara e facilmenteevitada
mas, também, a natureza preservada, desce que haja
uma orientação consciente para enfrentar
e resolver o problema. Estou convencido que as instituições
financeiras não vão dar uma solução,
pois o caminho para isso está nas escolas, na educação.
Sabemos que não podem existir pequenos agricultores
fazendo o que não sabem, (semear híbridos),
com o que não têm (crédito bancário).
Por isso, a saída é ensinar esse segmento da
agricultura a privilegiar as tecnologias do processo (semear
e colher no tempo certo), antes das tecnologias do produto
(foice e adubo químico), finaliza.
MERCADO JUSTO Ao iniciar ciclo de palestras, o diretor-presidente
da Organic Coffee e Wind Farm, de Fukuoka, Japão, Ryuichi
Nakamura, disse que o objetivo do setor de agricultura orgânica,
com a prática de um mercado justo, é diminuir
a distância entre produtores e consumidores. Para ele,
esses dois segmentos não se conhecem a ignoram
seus próprios interesses. Criticou o uso intensivo
de agrotóxicos, propondo que ambos os segmentos (produtores
e consumidores) estudem juntos a utilização
de insumos químicos até para constatarem
que são vítimas desses produtores.
Nakamura também defendeu a prática de um preço
mais compatível, para que os agricultores orgânicos
tenham um retorno compatível para reinvestir na atividade
e, assim, obter um padrão mais digno de vida, pois
nesse tipo de agricultura predomina o regime familiar. Afirmando
que atualmente opera na comercialização e transporte
desse gêneros, o executivo insinuou uma crítica
aos países desenvolvidos ao dizer, que o Primeiro Mundo,
prioriza a economia, tanto para o benefício empresarial
e pessoal, apesar das desigualdades crescentes.
Segundo ele, o termo mercado justo tem vários significados
e, um deles, diz respeito ás desvantagens para os países
do Terceiro Mundo, onde a preocupação é
devolver uma parte da justiça buscando
minorar as distorções até uma aproximação
do que pode ser considerado normal.
DESERTIFICAÇÂO Já Shiro Miyasaka,
presidente da Apan-Associação dos Produtores
de Agricultura Natural, uma das promotoras do evento, em sua
conferência deu destaque aos avanços da agricultura
orgânica até como elemento de recuperação
do solo, pois, no mundo, há registros de um recuo de
até 30% na área cultivada, enquanto no Brasil
cerca de 180 quilômetros de terras que poderiam ser
agricultáveis estão inutilizadas devido á
desertificação, resultante do uso abusivo
de insumos químicos, Para ele, pesquisa e extensão
deviam dar mais ênfase nos recursos naturais.
Admitindo os avanços da informática e da biotecnologia,
Miyasaka apelou para um uso mais consciente dessas tecnologias,
revelando a existência de testes que identificam e um
produto é ou não transgênico. O presidente
da Apan entende que os atuais pacotes tecnológicos
visam apenas e tão-somente o lucro, sendo, por
isso, desumano.
Com relação ao conceito de mercado justo, foi
enfático ao dizer que é uma condição
e uma arma para transformar a agricultura convencional,
baseada em adubos químicos, numa agropecuária
alternativa, sem agrotóxico. Um outro objetivo dessa
prática, seria, segundo ele, um canal para os agricultores
orgânicos comercializaram seus produtos orgânicos
comercializarem seus produtos diretamente com o consumidor,
sem que isso signifique a eliminação da
intermediação. Os intermediários,
garante, terão suas cotas de ganhos. Porém,
isso ocorrer num patamar que permita a auto-sustentação
da agricultura natural. Miyasaka também defendeu mudanças
no sistema de abastecimento que pelo menos dêem algum
destaque na exposição dos orgânicos.
SELO, DESVIO DE FUNÇÃO Yara Maria Chagas
de Carvalhos, do Instituto de Economia Agrícola, de
São Paulo, concordando com Miyasaka, disse que não
existe qualquer critério nas práticas comerciais
atuais, exceto pelo valor de compra, defendendo
a necessidade de ajuste no mercado convencional, de uma tal
forma que abra espaço para agricultura alternativa
que pode ser dividida em três ramos: natural, com raízes
anglo-saxônicas; biodinâmica, surgida na Alemanha;
e orgânica, praticada por agrônomos.
Quando a mobilização dos produtores partidários
da agricultura natural ou orgânica, Carvalho diz que
não há integração. Porém,
os movimentos surgiram nos países da Europa e nos Estados
Unidos. Sobre o Japão, existem poucos dados. No Brasil,
um colegiado estuda e define normas para os orgânicos,
com base em diretrizes internacionais quem em linhas gerais,
servem de parâmetros para atestar e certificar a produção.
No exterior, existem selos que comprovam que o produto contém
qualidade ambiental (orgânica) e social. Segundo ela,
essas etiquetas surgiram através de movimentos sociais
de objetivo mais político do que de consumo e, atualmente,
o ecolabel substitui a proteção
econômica pela do meio ambiente, assinala.
Quanto á intenção de aplicar o mercado
justo na venda de produtos orgânicos, Carvalho entende
que essa operação tem de ter abordagens diferentes.
Uma delas, seria a comercialização como i intuito
de fortalecer a posição dos agricultores, a
maioria em regime familiar, marginalizados na cadeia
produtiva, pois não contratam mão-de-obra.
A outra seria o enfoque ético, no sentido de garantir
as necessidades básicas do trabalhador.
Sob essa ótica, ela afirma que o comércio
justo-ético é praticado com mais intensidade
nos países europeus. A Alemanha é o principal
e sede da certificação com o selo mercado
justo, além da Áustria, Bélgica,
Reino Unido e Suíça. A cadeia é integrada
por importadores,atacadistas worldshopp, lojas específicas,
grupos de ação ligados a igrejas, lojas comerciais
e supermercados. Os produtos comercializados, na Alemanha
e Reino Unido, são café, com 2% do mercado
não dimensionado, seguido de banana, açúcar,
com algum destaque para o mel, na Suíça. Os
mercados canadense e norte-americano dão ênfase
ao comércio de produtos artesanais.
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