A
pauta das exportações agrícolas é
liderada pelo açúcar, café, carnes (boi,
frango e suíno), fumo, laranja e soja, que são
responsáveis por mais da metade da receita obtida pela
agropecuária no comércio internacional. A forte
concentração das vendas nestes seis produtos
condiciona, em alguns casos até impede, que o Brasil
obtenha um avanço mais significativo e, ainda, tenha
um comportamento mais agressivo na procura por novos espaços
no mercado externo. A esta circunstância deve ser acrescido
o fato de que, no atual contexto neoliberal ou de globalização
da economia, os mecanismos de defesa existentes nos países
importadores, são utilizados com alguma intensidade,
extrema agilidade e funcionalidade, prejudicando não
só a perspectiva de renda mas, também, o potencial
de demanda pela produção brasileira.
A despeito desses entraves, o desempenho da agricultura no
comércio mundial é uma surpresa positiva, conforme
afirmam a engenheira agrônoma Maria Auxiliadora de Carvalho
e o economista César Roberto Leite da Silva, ambos
pesquisadores do IEA Instituto de Economia Agrícola,
da Secretaria de Agricultura, de São Paulo. Para eles,
os resultados surpreendem na medida em que são obtidos
num campo adverso, num quadro de preços deprimidos
e com os países impondo medidas protecionistas ao mesmo
tempo em que pregam a liberação comercial. Essas
dificuldades, acrescentam, não têm impedindo
que, nos últimos anos, a balança agrícola
mostre superávits, enquanto outros setores registrem
déficits.
Porém, observam que, ainda que desenvolta, essa atuação
é insuficiente para que o País consiga, no curto
prazo, dobrar os ganhos com as vendas externas da agricultura,
como pretende o governo. Principalmente ser for levada em
conta os resultados da reunião da OMC Organização
Mundial do Comércio, recentemente, em Seattle, nos
Estados Unidos. Nesse encontro, lembra Maria Carvalho, a União
Européia (UE) travou as negociações sobre
a queda de barreiras. O Japão, acrescenta, seguramente
manterá. O sua atual estratégia em relação
á importação de produtos agropecuários.
Os Estados Unidos têm uma postura de oposição
á Europa e, se os europeus, que freqüentemente
cedem ás pressões dos agricultores, mantiverem
os entraves, eles (EUA) acionam seus instrumentos de proteção,
fechando o círculo e dando sobrevida ao protecionismo.
Roberto Rodrigues, presidente da Abag- Associação
Brasileira de Agronegócios e da ACI Aliança
Cooperativa Internacional, concorda e lembra que os países
ricos, na reunião de Seattle, tiveram, no mínimo,
uma atitude prepotente. Não admitiram discutir a eliminação,
mas sim a redução progressiva das barreiras.
Ora, o que nos interessa é a eliminação.
Além disso, os 30 países mais organizados, entraram
na sala com uma posição quase fechada sobre
o assunto, deixando para os outros 100 participantes e opção
de aceitar ou não proposta. Resultado: não houve
acordo. Agora, a agenda terá de ser montada caso a
caso e há uma possibilidade de que seja favorável
aos países em desenvolvimento. A reunião da
OMC está marcada para o próximo dia 17/2, quando
deverão ser definidas as datas para Rodada do Milênio.
Quanto á intenção do governo de dobrar
as exportações até 2002, sobretudo na
parte agrícola. Rodrigues diz que Isso não
é possível, até porque s regras do comércio
internacional são desfavoráveis ao Brasil. Porém,
há dois anos, era impossível. Em 1997, por sugestão
do próprio governo, foi criado o Forum Nacional da
Agricultura que elencou diversas medidas para alavancar a
produção rural e, por extensão, as vendas
externas. Porém, nenhuma das propostas teve qualquer
tipo de apoio, lamenta, Para ele, o governo tem um discurso
formidável, mas a prática está totalmente
fora de sintonia.
Na mesma linha de raciocínio, no Rio de Janeiro, o
presidente da AEB-Associação de Comércio
Exterior do Brasil, e ex-diretor da antiga Cacex-Carteira
de Comércio Exterior, Benedito Fonseca Moreira, disse
o jornal Tribuna da Imprensa, que, ao contrário das
pregações do governo, o déficit da balança
comercial, nos últimos cinco anos, está em US$
25,3 bilhões e o déficit das transações
correntes em US$ 130 bilhões, correndo o risco de se
tornarem estruturais. Durante a cerimônia de lançamento
da publicação da entidade, a revista Comércio
Exterior, Moreira disse que, no mundo, o comércio de
mercadorias deve atingir o assombroso volume de
US$ 7,4 trilhões. Dados divulgados pelo Forum Nacional
de Agricultura Nacional de mostram que o consumo mundial de
alimentos e bebidas movimenta a cifra de US$ 3 trilhões,
sendo que Estados Unidos e Europa representam metade desse
mercado. Ainda segundo Moreira, a participação
do Brasil não passa da magra cifra de US$ 53 bilhões
e o governo quer convencer da possibilidade de atingir US$
100 bilhões. Para ele, exportar é preciso, mas
é necessário dotar o País de uma política
de comércio exterior mais firme.
Neste aspecto, Rodrigues observa que o Brasil, em termos de
políticas públicas, está falido.
Na área agrícola, por exemplo, o Estado saiu
sem deixar condições para que o lugar fosse
ocupado. Como reforça de argumento, cita um estudo
da Fundação Getúlio Vargas, de autoria
1999, a área de plantio não cresceu um centímetro,
mas volume físico da produção aumentou
40%, mostrando que a incorporação e utilização
de tecnologia permitiram ganhos de produtividade, em grande
parte bancada pelo produtor. Para ele, a falência das
políticas do governo agrava a situação,
assinala.
Além disso, Rodrigues afirma que a organização
do setor privado não é boa. A extensão
do País, as diversas correntes de opinião, diferenças
climáticas até que justificam a incapacidade
institucional de organização e, ás vezes,
o próprio Estado não quer que haja organização.
Essa organização tem de ter conceito de cadeia
produtiva, que equivale a 40% do PIB, 41% das exportações
e 38% dos empregos. Isso tudo tinha que ter um peso e não
tem. Essa desunião, acrescenta, inibe avanços
políticos. Dentro desse quadro, a agropecuária
tem uma péssima imagem junto á opinião
pública, mas, na implantação do Plano
Real, quem deu o calote foi o governo, ao deixar de cumprir
a lei dos preços mínimos.
Dessa forma, para que a meta de dobrar as exportações
seja alcançada, é preciso garantir a renda da
agricultura. Falta uma política nesse sentido, que
pressuponha preços mínimos, seguro rural, juros
adequados, revisão tributária, enfim, coisas
que não tem no Brasil. Aqui, o agricultor corre risco
com as finanças, com o clima e com o humor do governo.
Só louco fica no setor. Os bancos acrescenta, não
acreditam no produtor. Nos Estados Unidos é o contrário.
Houve um problema com a soja, o governo norte-americano deu
um subsídio e os bancos liberaram US$ 8 bilhões
para os produtores. A ausência de políticas e
a desorganização do desempenho no mercado internacional
que, ao contrário do que o governo imagina, é
muito fechado e subsidiado. Pensar de outro jeito é
sonhar com a lua. Os países ricos deram US$ 360 bilhões
de subsídios, US$ 1 bilhão por dia. É
o Tesouro americano, europeu, contra o Tesouro brasileiro,
não dá nem para comparar.
Rodrigues aceita o fato da Europa subvencionar os seus agricultores,
apesar de considera essa concessão como um contrasenso.
Segundo ele, existem 350 mil produtores de beterraba no continente
europeu. O açúcar de beterraba tem um custo
de produção estimado em US$ 750 a tonelada,
contra o açúcar de cana que pode ser comprado
a US$250/t. Porém, se eles derem preferência
ao nosso produto, vão tirar o emprego de 2 milhões
de pessoas. Nesse nível, o desemprego lá seria
o caos. Então, a inclusão social na Europa,
significa exclusão aqui.
Indagados se retomada dos subsídios á agricultura
brasileira não seria uma forma de impulsionar a produção
e, por extensão, a exportação, Maria
Carvalho e César Silva discordam e observam que a concessão
de subvenções não dá grandes chances
de competição no mercado internacional. Além
disso, seria a transferência de renda de outro setor
para a agropecuária, sem falar que o governo Fernando
Henrique Cardoso é partidário de um Estado menor,
mais enxuto. César Silva recorda que a proposta de
duplicar as vendas externas surgiu diante dos problemas as
vendas externas surgiu diante dos problemas com o balanço
de pagamentos, coisa que não está hoje, na ordem
do dia, nas manchetes. Além do mais, sem subsídio,
a agricultura tem um desempenho melhor que a indústria,
mostrando que é uma medida desnecessária.
A pesquisadora do IEA, Maria Carvalho, acha que o Brasil não
tem muita chance de abrir brechas no mercado internacional,
por isso terá dificuldades em ampliar a receita ou
mesmo dobrar o volume das exportações. César
Silva lembra que a participação brasileira no
mercado internacional é muito pequena, a ponto de não
influir na formação de preços. No entanto,
acha que um espaço a ser explorado poderiam ser os
cuidados com a saúde, a atual grande preocupação
da população dos países ricos. Neste
sentido, ele afirma que há uma demanda crescente por
produtos vegetais, alimentos naturais, que pode se transformar
numa saída para o País ampliar suas vendas externas.
Na Alemanha, por exemplo, a banana é comparada por
unidade, diz ele, observando que as exigências sobre
qualidade, controle sanitário, entre outras, podem
agregar valores.
Maria Carvalho lembra que a Alemanha não produz, mas
exporta café, acrescentando que agregar valores, pelo
menos aos produtos líderes da pauta de exportações
é muito difícil. No café, é possível
melhorar a qualidade, produzindo uma bebida mais fina. Mas
com a soja não dá para fazer nada. O açúcar,
ainda que uma maneira não radical, está prescrito
das dietas. A carne está indo pelo mesmo caminho, ou
seja, é um produto cuja saudabilidade está sendo
colocada em dúvida. César Silva concorda e diz
que a carne só tem aumento de demanda quando a população
tem sua renda elevada. Depois de um certo tempo, o consumo
estabilizada. Lembra, ainda, que o café colombiano
é colhido quase que grão a grão, por
isso, tem melhor sabor e, acima de tudo, marketing, coisa
que o Brasil não tem. A saída, ele, é
fazer como a Itália, vender coisas para ricos.
Quanto ao Mercosul, Maria Carvalho e César Silva não
acreditam que seja uma solução, pois o mercado
é muito pequeno. Os integrantes, juntos, são
menores que o Brasil. Mas pode amenizar o problema. Maria
Carvalho observa que ainda é cedo para falar sobre
o Mercosul, pelo menos até ver o que o novo governo
vai fazer. O câmbio é um problema, o Brasil desvalorizou
o Real, mas a Argentina continua atrelada ao dólar.
Para ela, uma alternativa para o Brasil ampliar as vendas
externas está nos produtos que eles não produzem
mas vendem. A estratégia é por aí, frutas,
hortaliças, peixes, diz ela citando o caso do cacau,
não produzindo pela Suíça que, no entanto,
exporta chocolate.
César Silva afirma que a política agrícola
dos Estados Unidos foi implantada nos anos 20 e, desde lá,
vem sendo aprimorada. A Europa implantou a sua no pós-guerra
e o processo de aperfeiçoamento é constante.
Esse pessoal não brinca em serviço, sobretudo
em termos de recursos. Falam em eliminar os subsídios
e não o fazem devido a pressões contrárias
dos agricultores. Maria Carvalho recorda que um dos problemas
do Brasil está na abertura econômica, que foi
feita de forma precipitada e sem planejamento, a ponto de
não termos barreiras para impor trocas.
Neste aspecto, Benedito Moreira Fonseca, da AEB, concorda
e diz que o País saiu de uma economia fechada para
uma abertura plena, sem as condições para a
plena capacitação competitiva, tanto na exportação
como em relação á importação.
Para ele, o déficit de US$ 130 bilhões, acumulados
nos últimos cinco anos em transações
correntes poderá superar os US$ 200 bilhões
até 2002. O déficit nas duas contas (balanças
de pagamento e comercial) pode tornar o País refém
de recursos externos e sujeito a ataques especulativos. O
presidente da AEB afirma que o razoável e o defensável
é uma firme política de exportação
de bens e serviços, alocando recursos para reduzir
os déficits para níveis confortáveis.
Isso vale acrescenta termos menor necessidade de ingresso
compensatório de recursos externos, sob forma de capital
de risco.
Moreira afirma que as cifras são expressivas e merecem
apreciação e cautela pois revelam que mais uma
década foi perdida, em termos de desenvolvimento econômico.
O presidente da AEB observa que há um forte desejo
e uma onda de esperança de que o novo milênio
seja o início da recuperação do crescimento
econômico auto-sustentado do País. Há
também, por outro lado, preocupações
e ceticismo porque subsiste um hiato entre os anseios da sociedade
e as posturas e atuações dos poderes da República.
No campo das sugestões, Maria Auxiliadora Carvalho
sugere que o governo organize um sistema de informações
sobre a produção que oriente o produtor a respeito
das necessidades e nichos do mercado. Já Roberto Rodrigues,
está propondo a formação do Comitê
Milênio, com articulação entre o público
e o privado, para que o interesse do País e não
do governo, prevaleçam na OMC. Composta por representantes
da iniciativa privada, do governo e das academias (Universidade,
institutos de pesquisa, etc), esse Genebra, levando posições
fechadas sobre os diferentes assuntos que surgirem nas reuniões
da entidade.
Mais pragmático, o presidente da Bolsa de Mercadoria
& Futuros (BM&F), Manoel Felix Cintra Neto, durante
solenidade de inauguração das novas dependências
de bolsa, no centro Velho da São Paulo, anunciou a
realização de estudos, em colaboração
com técnicos da Fundação Getúlio
Vargas e da Escola Superior de Agricultura Esalq, da
USP, mostrando a possibilidade de dobrar a produção
agrícola, em 10 anos, com a possibilidade de abrir
novos eixos na direção do Pacífico. Essa
meta, acrescentou, está sendo encaminhada ao governo
e poderá ser alcançada com recursos privados
cobrindo 80% dos investimentos e sem danos ecológicos.
Cinta Neto destacou que a agricultura faz parte do futuro
do Brasil, que é a última fronteira expressiva
e faz com que o caminho do desenvolvimento passe, sem qualquer
sombra de dúvida, pelo agronegócio.
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