Sustentabilidade

Dedo de prosa: A crise hídrica impacta a logística

Uma crise anunciada de falta de água nos faz imaginar a louça sem lavar, banho restrito e escovar os dentes com água mineral. Mas como a redução de água afetará nossas vidas em outros assuntos relacionados com nosso cotidiano? Décio Tarallo, diretor da Prosperity Consulting explica como a falta de água em algumas regiões do país vai afetar também áreas produtivas do agro e até na logística.

Revista Rural – Onde a crise hídrica vai afetar mais?

Décio Tarallo – A prioridade do fornecimento de água é o ser humano. Não podemos viver sem ela e sua restrição implicará em problemas de saúde, higiene e alimentação. Com o direcionamento deste recurso para o abastecimento mínimo das residências, haverá restrição severa nas atividades que se utilizam da água para geração de riquezas: agricultura, pecuária, indústria e serviços.

Rural – Em que dimensão a crise vai atingir essas atividades citadas?

Tarallo – A Grande São Paulo é abastecida pelas áreas agrícolas do interior do Estado e outras regiões. Para o devido crescimento, a agricultura e a pecuária se utilizam de grandes quantidades de água para o desenvolvimento das culturas e para a alimentação animal. As captações nos rios e riachos ficarão mais restritas, o que implicará em menor produtividade agrícola e crescimento mais lento dos rebanhos, com menor oferta e consequentemente aumento de preços de verduras, frutas, carne, leite e seus derivados. Já as indústrias dos Estados com deficiência hídrica também sentirão a crise, seja nos refeitórios e banheiros, como nas linhas de produção onde a água é fator primordial para os seus processos produtivos. Vamos a exemplos: em laticínios, além da redução do fornecimento do leite, os processos de produção de queijos exigem muita água, principalmente para limpeza e higienização. No transporte de carnes, os veículos devem passar diariamente por higienização de seus baús, sendo a água o elemento principal deste processo.

Rural – Quais as consequências mais significativas para os diversos setores do agronegócio?

Tarallo – A não ser que as empresas contratem perfurações de poços ou comprem água de terceiros, poderá haver redução de produção, queda nas vendas, redução de empregos e até mudança da empresa para outros locais com maior disponibilidade de água. Este interesse em sair do Estado de São Paulo já é uma re-alidade em função de outros custos, como os trabalhistas, e a restrição da disponibilidade de água virá apenas acrescentar maior vigor para estas tendências. O abastecimento da população ficará deficiente se contar apenas com os recursos mais próximos. O transporte será a chave para minimizar os impactos da falta de produtos, trazendo de outros locais como o sul do país e do nordeste. Com o aumento da distância e por consequência do frete, o consumidor sentirá os preços subirem. Além disso, o transporte de água se intensificou desde 2014. Caminhões abastecem diariamente condomínios com água originada em distâncias de 200 km ou mais. O que no começo custava R$ 800,00 o caminhão pipa, dobrou de preço e deve aumentar ainda mais se o rodízio for adotado.

Rural – E como fazer para amenizar os efeitos negativos da falta de água?

Tarallo – Os hábitos das populações das regiões afetadas devem mudar. A refeição fora de casa devem diminuir, pois shoppings center e restaurantes poderão fechar, em função da limitação sanitária ou mesmo por não terem água para o preparo dos alimentos. Alimentos industriais prontos serão bastante procurados, pois não necessitam de cozimento e facilitam o consumo nas residências. Isto mudará o fornecimento das empresas de alimentos, com direcionamento de suas produções para itens mais práticos na alimentação. O planejamento logístico para abastecer os supermercados será primordial.

Rural – O senhor diz que o setor precisa encontrar caminhos e se adaptar a nova realidade. Isso já está acontecendo?

Tarallo – As indústrias já iniciaram a busca por alternativas: comprar água, poços, reuso. Porém, estas ações gerarão mais custos aos processos produtivos que serão repassados aos custos finais dos produtos. A indústria química também faz uso da água em muitos de seus processos. O fornecimento de materiais de limpeza, por exemplo, muitos deles utilizam soluções com água, terão aumento de seus custos. Produtos que limpam “a seco” ampliarão seus mercados pela oportunidade do momento. Bacias e baldes já estão faltando nas prateleiras. Caixas d’água estão com promessas de 60 dias para atendimento. A logística do abastecimento dos produtos deve mudar neste período de “seca”. Os hábitos da população se transformarão no consumo, nos serviços e no uso dos recursos disponíveis. Até a frequência de saída da população das capitais aumentará, para hotéis e casas no interior e litoral. Nestes locais, a gestão da água será um desafio também, pois haverá concentração de consumo nos finais de semana. Impacto nas estra-das e na logística de abastecimento de produtos nos grandes centros e nas regiões de fuga da população.

Rural – O poder público, a população e as empresas vem buscando fazer o seu papel. Mas, onde encontrar soluções de curto prazo?

Tarallo – A crise da água trará desafios aos governos e a população para lidar com situações que antes não aconteciam e agora aparecem como dificuldades novas no nosso dia a dia. Fazer o melhor com poucos recursos sempre foi o desafio das atividades logísticas nas empresas. A crise hídrica nos ensinará a economizar os recursos, a criar alternativas inteligentes para o reuso ou mesmo para a substituição da água em diversas etapas nas nossas residências, nas empresas e para os governos. Planejar o abastecimento de água e seu uso, principalmente em hospitais, escolas e na manutenção da saúde pública será uma tarefa grandiosa e desafiadora. O planejamento logístico, principalmente em momentos de crise, é o método mais importante para viabilizar o abastecimento dos recursos sem desperdício e garantir o fornecimento dos produtos e serviços com o menor impacto possível para a população.

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